Palavreando: De repente

Por Wanderson Nogueira
sexta-feira, 05 de setembro de 2008
por Jornal A Voz da Serra

De repente tudo acontece, exatamente quando de repente tudo começa. E de repente a vida faz sentido, num olhar, num passo a mais, num vôo mais alto, em um novo sonho... Assim, as horas vão tecendo sua imensa colcha de histórias que vestimos em nossas recordações.

De repente o mundo pára, exatamente quando de repente a música começa. E de repente o dia se faz presente, no sorriso que se abre, na face que se fecha, nas mãos que se estendem, na voz que se cala... Assim, o hábito vai se costurando na fantástica teia do cotidiano que se complica no entrelace da simplicidade que bocejamos.

E o de repente é o ponto de partida que de repente também fecha uma estrada. Acabam por se encontrarem na curva que revela nossas intenções e aspirações. O sonho se renova, os planos mudam, mas as virtudes são sempre as mesmas em cada novo de repente: voar e atingir o firmamento.

A busca pela estrela mais próxima ou pela última estrela da última galáxia tem viagens mais longas e difíceis, mas ambas são igualmente louváveis, pois toda a busca, qualquer que seja pelo que quer que seja, é tão linda quanto dramática. A glória da conquista não reside na grandiosidade, mas naquilo que se deu e se desprendeu para a realização do feito.

De repente, tudo se transforma e aquilo que importava fica pelo caminho, mas de repente, tudo se inova e o que importa agora traça outros caminhos. E aí é possível afirmar que o de repente não é apenas o capítulo de um livro, mas um novo livro que se soma a muitos outros livros da imensa coletânea chamada de repente que ocupa a prateleira inteira da grande biblioteca instalada no castelo vermelho que existe em cada um de nós.

De repente se vê aquilo que não se via e se sente aquilo que nunca se sentiu. Por isso, o de repente divide aquilo que se foi; aquilo que se é; mas acima de tudo, além daquilo que se quer e que se pode ser.

O de repente é o tempo, mas é mais que o tempo. O de repente é a linha imaginária que divide o ser, mas é muito mais que isso. O de repente é a única possibilidade de se explicar as coisas que acontecem e tornam a vida menos ou mais estranha para nós, menos ou mais saborosa, talvez a percepção das grandes e pequenas coisas que nos transformam e nos tornam mais atentos. O de repente é a forma que as letras encontram para separar o início do fim. De repente começa, de repente termina. Se existe para depois inexistir. Por mais que se planeje, na vida o acaso é o que comanda. Você pode até reger o acaso, mas jamais poderá coordenar o vento.

De repente você aprende porque de repente você erra. Porém, mais do que errar é necessário perceber que: de repente você chora. De repente você ri. A vida se constrói no misto de emoções que são milagres exclusivamente humanos. De repente você nasce. De repente você morre. E o de repente marca os seus passos e interliga as suas histórias. Mas o de repente jamais poderá lhe explicar acerca da divina forma que você escolhe quando o de repente entra na sua biografia. E até o de repente te pergunta: “o que faço eu na sua história?” De repente você sabe. De repente você simplesmente não pergunta.

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