Sem vós eu seria o quê? Um revoltado eterno, um deprimido do instante do primeiro espreguiçamento à hora do encontro noturno com o travesseiro. Seria um descrente, porque o que as pautas dos jornais me servem são as falcatruas do Daniel Dantas em bandejas mal lavadas. Tudo o que me esfregam na cara, todo santo dia, são as mazelas do meu Rio de Janeiro, infelicitado por administrações inaptas não é de hoje. E ainda ontem me deu uma rasteira a notícia da guerra na Geórgia, mais pobre e bem menos celebrada em música que a xará norte-americana na voz nasalada do Willie Nelson. Cansei deles, de seus maus agouros, seu tom de urucubaca tentando acinzentar meus pensamentos. Por isso lhes dou agora esta banana e com a indiferença de um adolescente a caminho da balada digo “Fui”.
Não lesse os cadernos de cultura que os jornais num surto de bom humor editam, não saberia, por exemplo, que a Elisa Lucinda acabou de fundar em Botafogo – há filiais em São Paulo, Salvador, Jundiaí e São Fidélis (uau!) – a Casa Poema. Já a amo de paixão, sem conhecer. Fica num antigo casarão que até janeiro era ocupado pela turma da mão-de-obra de uma empresa de telefonia. E que já serviu de sede para o Casseta & Planeta. Traduzindo: tem história cultural. O nome pode até nem ser precursor – existe há anos em Curitiba, e desde o ano passado em Arraial do Cabo, a Casa da Poesia – mas o trabalho em andamento, de ensinar a ler com alma um poema e dar toques sobre sua escrita, não se vê por aí como tomate em feira. Em um estado castigado pelo estado lastimável de sua capital, onde a luta há bem pouco tempo era pela instalação de Casas de Custódia (quem não viu esse filme?), a criação de uma Casa Poema cai como chuva de pétalas. Lá os únicos marginais a dar entrada serão os poetas da década de 70 assim auto-intitulados. E a superlotação será mais do que bem-vinda.
Vós pautais minha vida, Prosa & Verso, caderno B, Segundo Caderno etc. e tal. Até, tu, Megazine, com tua adolescência explícita. Leio todas as vossas linhas, sugo cada palavra feito um aspirador de pó fora de controle, a oxigenar meus neurônios a um passo da UTI. Sois o fôlego recuperado após a maratona olímpica. O gole d’água açucarada após uma péssima notícia. O vento na cara e o beijo morno do sol na pele de um detento que ganha a liberdade. Sem vossa companhia diária ou semanal me restaria o rumo do cadafalso. Os passos na prancha de navio pirata. O mar com ondas revoltosas de Alfonsina Storni ou o rio gelado de Virginia Woolf. (Sim, reconheço que estou agora mais exagerado que Cazuza, mais louco que Antonin Artaud...) Ainda bem que minha vida pautada por vós recebe caligrafia de escriba medieval. E cada anoitecer de meus dias é fechado com o final feliz de uma história de Andersen.
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