notas de um moleque desocupado - 9 de agosto

por Daniel Frazão
sexta-feira, 08 de agosto de 2008
por Jornal A Voz da Serra

Lelé era um típico candidato a vereador. Na verdade, fazia parte da turma populista. Usava um terno surrado, marrom escuro, que parecia ter saído de dentro de um caixão. A gravata era sempre apertada com força contra o pescoço gordo. Adorava dar tapinhas nos ombros das pessoas que encontrava de bar em bar.

A única leitura que fizera parte de sua vida era história em quadrinhos. Mesmo assim, não lia as boas histórias em quadrinhos. E as histórias que lia, só lia muito esporadicamente. Gostava mais de se dedicar à arte da vaselina. Naturalmente, quase não sabia falar. Quando não se sabe pensar, a conseqüência natural é não saber falar. E também não saber escutar; nesse caso, escuta-se apenas o som das sílabas e das letras. O fato é que Lelé não sabia quase nada. Era como uma massa gorda de carne que balbucia o básico e tem as reações mais básicas. Sua personalidade era tão lisa e uniforme quanto uma carteira de colégio. E seu número eleitoral era... bem, acho que nem ele sabia.

Mas o pessoal gostava do Lelé. Era o típico camarada de boteco. E ele, por sua vez, dizia que gostava do pessoal. Era impossível saber o que era verdade e o que era vaselina.

Lelé alugou um carro de som. Contratou um compositor medíocre para criar um jingle medíocre. Aquele carro cruzava ruas e avenidas durante a tarde inteira.

Talvez ganhasse as eleições. Não porque tivesse alguma capacidade de representar alguém fosse lá onde fosse, mas por essa sensação de camarada de boteco. Muita gente vota motivada por essa sensação. E depois se ferra. Não se pode fazer nada direito sem capacidade, mesmo que boas intenções estejam envolvidas no negócio.

De qualquer forma, Lelé tinha tempo. Discorria uma retórica capenga a respeito do poblema da educação e da saúde “que assola a cidade”. Isso aí rendia uns bons pontos.

E lá ia o carro de som, bem devagar, na maior altura, em pleno meio-dia: “Lelé, Lelé, é o seu amigo de fé. Com Lelé, tudo dá pé!”. Logo atrás, vinha o caminhão do gás. A poluição sonora perfurava as mentes como um furador, desses que vendem pela televisão e que furam até placa de chumbo.

Os votos eram angariados um a um. Alguns eram vencidos pelo cansaço. Outros, por qualquer outra coisa. No fundo, entregar os pontos pode ser visto como uma saída.

Não era possível definir Lelé como protagonista ou como antagonista. É difícil se ter uma opinião precisa de uma personalidade tão rasa. Tudo o que dava para saber é que ele não devia estar ali. Tudo o que dava para saber é que ele devia se instruir um pouco. E comprar um terno novo. Ou alguma coisa que não fosse terno.

E chegou o dia das eleições.

Lelé foi para o bar da esquina e ficou acompanhando os resultados pelo rádio. No fim da tarde, já tinha tomado cerveja demais. Seu pescoço estava inchado e seu rosto, vermelho como um pimentão. Na tevê transmitiam uma pelada qualquer, com um bando de pernas-de-pau esperando pelo fim da prorrogação.

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