Notas de um moleque desocupado - 26 de julho

por Daniel Frazão
sexta-feira, 25 de julho de 2008
por Jornal A Voz da Serra

Todo mundo sabe que gosto de rock’n roll e de artes underground em geral. Mas não gosto de conceituações, e tenho notado certo “xiitismo” por parte dessa galera que não condiz com o que o rock’n roll e o underground se propõem.

O rock’n roll, os beats na literatura, o aflorar da arte underground... está tudo ligado. Quando o rock apareceu no cenário, ele foi massacrado por parte da opinião pública (e da própria classe artística), tido como um balbuciar ralé que nem chegava perto de ser arte. O underground em geral recebeu o mesmo tratamento. Só foi ganhar status artístico bem mais tarde. Elvis, na época o símbolo maior do rock e da novidade, foi crucificado como um Jesus Cristo pós-moderno ou coisa que o valha. O próprio Sinatra declarou para a imprensa que o rock’n roll era uma “mera barulheira criada e cantada por qualquer idiota de topete e costeletas”. Quatro anos depois, em 1960, o mesmo Frank Sinatra recebia Elvis em seu programa de tevê e cantava Love Me Tender em dueto.

O que quero dizer com isso é que o rock e o underground foram tidos como “não-arte” por muito tempo. E qualquer coisa ligada a isso era descartada imediatamente. Não valia porque era diferente e porque era novo.

E hoje ligo a tevê e olho para os lados e vejo que o rock e o underground estão completamente bunda-moles. Com as mesmas atitudes que o pessoal tomava contra eles.

Para grande parte dessa galera, tudo o que não é underground ou “transgressor” (note bem essas aspas) torna-se automaticamente não-arte, cafona, descartado, desvalidado. Não existe música clássica ou jazz ou sei lá o quê. Só existem o punk e o rock. Não existem Botticelli nem Monet nem Rembrandt, só existem o grafite e a pichação. Não existem Shakespeare nem Steinbeck nem nada que simplesmente seja poético, só existem Bukowski e Burroughs (e olha que não há ninguém que mais reverencie esses caras que eu). Não existe o belo, só o feio, só esse é profundo e artístico (e olha que não há ninguém mais aberto para a feiúra que eu).

Percebe que o underground se tornou exatamente aquilo contra o que lutava? Quadradão e de mente fechada. Bunda-mole. Limitado. Preconceituoso.

Sinatra foi extremamente estático e intelectualmente sedentário quando deu aquela declaração imbecil. Não conseguiu entender que, por mais que dançar de rostinho colado fosse legal, havia outras coisas que também podiam existir e ser válidas. E hoje o underground cai no mesmo erro. Não consegue entender que, por mais que um jato vermelho de tinta numa parede de cimento seja legal e artístico, Botticelli continua sendo Botticelli. O belo continua sendo bonito. E bonito é sempre bom. Por mais que a feiúra também seja.

No fundo, o ser humano adora uma soberba. É por aí que ele se ferra. E no fim das contas, todos são quadradões e de mente fechada. Por isso, encaro com cinismo quando alguém vem pagar uma de rebelde. Sei que 99,9% disso é só soberba.

E chega desse papo. Vou escutar um Elvis. E depois, quem sabe, um Debussy.

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