Palavreando: O imprevisível previsível

Por Wanderson Nogueira
sexta-feira, 04 de julho de 2008
por Jornal A Voz da Serra

Acaba o dia como um dia tudo vai acabar. Tiro a sujeira da mesa. Deixo a porta entreaberta. O ventilador ligado é o vento artificial que me refresca a face. Por mais que a multidão me abrace, te abrace, sempre estamos sozinhos. Nossos segredos estarão preservados, ainda que a janela esteja escancarada. Não há ninguém mais íntimo de nós mesmos do que nós mesmos. Conhecer-se é assustador tanto quanto belo. Mas o que temos além deste finito imprevisível?

A vida se parece muito com a morte e ambas caminham lado a lado. Ninguém precisa ser ensinado disso, tampouco é necessário consulta à cartomante para saber qual é o destino de todos nós. Talvez, o que se queira saber é apenas, onde, como e quando. O por quê? É auto-explicativo! Então, por que saber por quê? Nossa natureza é curiosa, ainda que nociva, pois às vezes a busca por porquês nos faz esquecer coisas importantes.

Um olhar jamais será igual a outro. Um rabisco de criança jamais poderá ser copiado, pois toda arte é única. Nenhum beijo pode ser comparado, por mais parecido que seja. Um abraço inesperado é a prova de que milagres existem e acontecem de repente. A espontaneidade de um sorriso é mais forte que o sol que desperta na manhã. Ainda não foi inventado nada mais fantástico que pegar-se observando alguém só por deixar-se levar pelo fascínio de reconhecer que a vida não teria sentido sem esse momento. Nada nunca foi e nunca será como um segundo atrás.

No escorrega da vida não há porque querer dominar a descida com as mãos. Solte o corpo e deixe-se escorregar livremente. O fim não importa, pois é igual pra todos nós, assim a jornada é o que diferencia um do outro. Olhe, rabisque, beije, abrace, sorria, observe. Viva como quem sabe que vai morrer mais cedo ou mais tarde, mas viva! Se o fim é previsível, o onde, como e quando continuam absolutamente imprevisíveis recheados de inesgotáveis possibilidades.

Tiro a sujeira da mesa e por debaixo do pó dos anos vejo as fotografias de dias que acabaram, mas que me relembram do quanto fui contemplado. E é pra isso que serve o passado: trazer as lembranças e ser feliz por isso, mesmo sabendo que nada pode ser revivido. A porta entreaberta se fecha, mas o movimento final me retorna a tudo que por ali passou por convite ou sem convite, mas que me deram substâncias e personagens para que pudesse escrever a minha história. A janela continua escancarada para que os raios de sol possam iluminar as fotografias e as histórias, mas, acima de tudo, ficam abertas à espera do vento que um dia virá para soprá-las e levá-las ao conhecimento de todos. E assim, sozinho como vim ao mundo, parto com o dia que finda, ontem para meus ancestrais, hoje para mim e amanhã para outros muitos mais. Dias que encerram um roteiro de muitas horas, testemunhas de que aqui estive, comprovando o quanto o tempo é curto, mas o tanto que intensa pode ser a jornada sempre imprevisível para o previsível desfecho que é a vida de cada um de nós.

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