O primeiro filme a que lembro ter assistido em um cinema foi A dama e o vagabundo, de Walt Disney. Aquele da cena clássica em que a cadela cocker spaniel come macarrão na mesma tigela em que o vira-latas e os dois, ao disputar o mesmo fio, acabam trocando um beijo. A sessão foi na década de 70 e o cinema era o Eldorado – para quem não estava em Friburgo na época, o prédio ficava ali onde hoje se ergue um banco de fachada de mármore branco, na Praça Dermeval. Havia naquele tempo mais dois cinemas no centro da cidade, o São José e o Marabá, e até um drive-in, acho que localizado nas proximidades do Suspiro. E o velho Cinema Leal, anteriormente o Theatro Dona Eugênia, já um imóvel abandonado em que se refugiavam sem-tetos, vivia seus últimos dias bem em frente ao sobrado onde morávamos na Rua Augusto Spinelli. Não resistiu à especulação imobiliária patrocinada por tubarões, a qual acabou pondo ao chão, anos mais tarde, quase todos os casarões antigos daquela rua.
A cidade viu cair um a um dos seus cinemas, até que não sobrou sala alguma para a exibição dos grandes (e pequenos) títulos da sétima arte. Ficamos longo período sem contato com o projetor praticando sua mágica na tela grande, até que a construção de um shopping center – embora sepultando o casarão de dona Vitalina, seu quintal frondoso e aquele belo bangalô anexo, com seu alpendre de madeira – nos devolveu as três salas de cinema perdidas. Em que pese o local sobre o qual foram construídas, as três estão cumprindo uma função importante: trazer aos friburguenses, em exibição simultânea à de outros cinemas do país, os filmes do momento, para que não nos reste esperar por eles apenas em DVDs, meses depois, a serem vistos na solidão do quarto.
Há pouco uma polêmica veio estremecer a santa paz dos filmes nossos de cada dia. Um cartaz proibindo a entrada de pessoas com guloseimas compradas fora da bombonière do cinema acendeu um estopim que transformou uma bombinha de São João numa carga imensa de TNT. Observação: não se questionou a qualidade dos filmes exibidos, nem a dos equipamentos de projeção, atores principais de um cinema; o foco recaiu sobre as pipocas, coadjuvantes ou, para muitos (os que não comem pipoca), meros componentes da figuração.
Penso ser um despropósito implicar com a rede que mantém as salas em funcionamento por um motivo tão banal como este de pipocas e balas, sem levar em conta três constatações: 1) ficamos anos sem cinema em Friburgo; 2) estamos atualizados em matéria de lançamentos cinematográficos; e 3) temos uma opção cultural a mais, além do teatro, dos shows musicais, das mostras de artes plásticas... Ainda mais com a divulgação recente de fatos desconhecidos pela maioria, como a existência de usuários que não se contentam com o uso das salas e as depredam, sujando poltronas e carpetes, quebrando itens e agredindo outros espectadores ao atirar objetos em suas cabeças. Ou das pessoas que, respaldadas em supostos direitos, exigem a cobrança da meia-entrada em cima de um ingresso que já é a própria meia-entrada, estendida a todos os que preferem, como eu, assistir aos Indiana Jones da vida na telona, em vez de num enquadramento de 31 ou 20 polegadas.
Vou ao cinema do shopping com o objetivo único de ver os filmes e, detalhe: vez por outra levo, tranqüilo, um pacote de amendoins no bolso do casaco.
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