Notas de um Moleque desocupado - 28 de junho

por Daniel Frazão
sexta-feira, 27 de junho de 2008
por Jornal A Voz da Serra

Alguns dias atrás eu estava batendo um papo com Hugo. Ele reclamava da vida enquanto calçava as meias. Não propriamente da vida; na verdade reclamava daqueles que reclamam da vida dele. Eu esperava, sentado na beirada de uma poltrona. Íamos dar uma volta pela rua. Sete ou oito da noite.

– Tô de saco cheio disso, cara – ele comentou. – Como se não bastasse, agora querem que eu faça uma faculdade.

– É mesmo?

– Como se fosse mudar alguma coisa. Diploma não qualifica ninguém. Pelo contrário, só avaliza um monte de asnos.

Hugo desistiu do ramo de biscoitos amanteigados. Agora sobrevive de bicos ou qualquer coisa assim. De uma forma ou de outra, acaba sobrevivendo. Sempre fez isso, desde a época do colégio.

– Eles vêm com esse papo de “você já tem trinta anos”. Não preciso que me lembrem disso.

Nesse ponto, estou melhor que ele. Ainda tenho uma semana para curtir meus vinte e nove anos. Se bem que já terei trinta quando você ler essa coluna.

– “Tem gente com sua idade que já está casado, com família, com emprego, com uma vida de verdade, blablablá”... Será que é tão difícil de entender que as coisas não são mais como antigamente? – disse Hugo com a meia na mão.

– Entendimento nunca foi o forte da humanidade, Hugo. Vai calçar essas meias ou não?

– Você dá uma olhada nessas fotografias antigas e tem sempre um sujeito de bigodinho, cabelo emplastrado, terno e gravata, com pinta de advogado, posando com mulher e filhos na sala de um casarão qualquer. E quando você vê, o cara tinha trinta anos na época da foto. Hoje em dia não é mais assim... Daí eles acabam o chamando de vagabundo, como se fosse uma questão de vagabundagem. A verdade é que as coisas não são mais tão simples. Emprego não é mais tão simples, casar não é mais tão simples, posar pra foto não é mais tão simples... Hoje em dia, viver não é pra qualquer um.

Olhei para mim, olhei para Hugo e depois dei uma olhada pela janela, para as pessoas que passavam lá fora. E pensar que em trezentos milhões de espermatozóides, nós chegamos primeiro. Fico imaginando como seriam os outros.

– Faculdade pra que, cara? Pra quê?

– Sei lá – respondi.

– Sabe quantos anos estudei música?

– Não.

– Nem queira saber. Mas aí aparece um retardado mental qualquer cantando “Créu” e daqui a pouco está excursionando pela Europa.

– Talvez você devesse tentar o funk.

– Ah, é, sabidão? Bem, eu também não vejo você ficando rico com seus livros. Já a Bruna Surfistinha está faturando uma nota. Talvez você devesse tentar a prostituição.

Soltei uma risada, entendendo o recado.

– O que você conclui disso? – perguntou Hugo, já de meia e tênis.

– Já terminou com essas meias?

– Já.

Saímos. A rua estava meio cheia e meio vazia. Era sexta ou sábado à noite. Mas não tinha nada para fazer.

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