Se havia coisa que ele não suportava era fumo. Bastava a fumaça de um cigarro entrar-lhe pelas narinas para ter engulhos, o estômago virando na ânsia do vômito.
E não é que para seu azar foi trabalhar naquela firma norte-americana, o louro e grande diretor ianque a fumegar o dia inteiro o cachimbo, enchendo a sala do aroma para ele enjoativo do Half and Half. Certo dia chegou a tomar remédio contra enjôo, para agüentar o serviço até o fim.
Os colegas subalternos sabiam da sua ojeriza e evitavam fumar na sua presença. Mas o que dizer ao maioral, principalmente sabendo-o um homem complicado, capaz de despedir um funcionário sem mais aquela. Além disso, segundo contador da firma, com pretensões a primeiro, tinha mesmo que dar uma de puxa-saco pra ir em frente.
Certa tarde, o primeiro contador enfermo, ele despachando sozinho com o mister, achou por bem fazer o convite:
– O senhor é solteiro, Mr. William, e já deve estar cansado da comida do hotel. Por que não vai jantar um dia lá em casa? A patroa é uma excelente cozinheira...
Na verdade, Mr. William, que viera de Miami transferido para o Brasil, andava bem chateado com a comida sofisticada do hotel. Bem que poderia comer noutro lugar, mas aí a grana sairia do seu bolso, uma vez que todas as despesas de hospedagem eram pagas pela empresa. E como era sovina, agüentava os temperos e molhos do hotel. Aquele convite vinha em boa hora. Além disso, daria uma de bom patrão. Por isso, aceitou. Marcaram data: sexta-feira, às 9 da noite.
Marly não podia ser catalogada na categoria das esposas fiéis.
Por mais de uma vez ela passara o marido pra trás, sem que ele desconfiasse de nada. O pobre coitado matando-se na firma dos States, debruçado sobre imensos livros de contabilidade, manuseando montanhas de números, e ela freqüentando este e aquele apartamento, no seu costumeiro papel de adúltera.
– Este é Mr. William, Marly.
Ela estendeu a mão direita que o educado ianque beijou com afetação, não deixando de reparar no belo corpo da mulher do seu segundo contador, uma boa parte das coxas a descoberto. E quando ela sentou na poltrona em frente, na hora dos drinques, a minissaia mostrou ainda mais, deixando o mister meio vesgo.
O jantar transcorreu na maior animação possível, Marly ensaiando até algumas e desnecessárias – já que Mr. William fala um português bem razoável – palavras em inglês, aprendidas no curso secundário que deixara a meio.
Quando se despediram, talvez movido pelo muito uísque e cerveja que tomara, Mr. William parecia bastante eufórico, a ponto de abraçar a esposa do seu segundo contador, quando o correto seria apenas um aperto de mão.
– Será que Mr. William gostou do jantar, Marly? – indagou o inocente.
– É claro. Não viu ele repetir o ensopadinho de carne-seca?
A partir daquele dia, sempre que dava de cara com o seu segundo contador, Mr. William perguntava por dona Marly. E, de tanto perguntar, terminou recebendo um segundo convite para a janta. No terceiro, já íntimo do casal, confessou à mesa:
– Sabe, meu rapaz, eu vou fazer umas mudanças na firma...
E confidenciou:
– A partir de amanhã você substitui o Alexandre na posição de primeiro contador. Ele só vive doente.
Tudo parecia navegar num mar de rosas.. Só o agora primeiro contador é que não notara que há tempos Mr. William andava saindo bem mais cedo, sob os mais variados pretextos.
Um dia Mr. William faltou. Telefonou para a firma, fez questão de falar com o seu primeiro contador.
– Como vão indo as coisas por aí?
– Tudo sob controle, Mr. William, pode ficar sossegado.
– Cuide para que não haja nenhum problema na minha ausência, está bem?
– Pode deixar, Mr. William.
quela era a grande oportunidade de fazer uma surpresa a Marly. Ia almoçar em casa, coisa que não fazia há tempos. Chegou ao apartamento, mas não tocou a campainha. Abriu a porta com cuidado, usando sua própria chave. Entrou. Silêncio absoluto. Foi, então, que as suas sensíveis narinas captaram o horroroso odor de fumo de cachimbo, de Half and Half.
E o cheiro, conseguiu localizar, vinha do seu quarto de dormir...
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