Foi meu amigo, escritor e acadêmico, o saudoso José Cândido de Carvalho (autor de O Coronel e o Lobisomem), quem me contou esta história. Como ela aconteceu há muitos ontens, data, local e demais pormenores perderam-se na poeira do tempo.
Digamos que tudo se passou numa cidadezinha do interior mineiro, ao tempo em que os coronéis da Guarda Nacional comandavam a votação, elegendo quem quisessem. Naqueles idos, até o Zé da Venda podia elevar-se à condição de prefeito, se assim o desejasse o mui poderoso “Coroné Furtado”. Oposição, que seria bom, não existia. Não está comigo, não está com ninguém. Bala nele e uma tosca cruz na estrada, pra marcar o lugar da emboscada e onde tombou o audacioso.
Pois bem. Um grupo de valentes da localidade resolveu dar um basta naquela vergonhosa situação. Falava-se na queda do governo, que as coisas iam mudar, que todos teriam vez. Eles acreditaram nisso, mas, pelo sim pelo não, encontravam-se às escondidas, na botica do Felismino. Velho, beirando os oitenta, mas ainda rijo, bem capaz de andar muitas léguas sem chiar, leitor diário dos jornais que atingiam aqueles ermos e dos livros que lhe caíam nas mãos, Felismino era mesmo o mais indicado para chefiar a clandestina oposição.
Como os demais não tivessem um níquel disponível pra botar na “campanha”, o farmacêutico entrava com o tutu, além de comandar todas as ações.
Na calada da noite, pichavam as paredes, escreviam frases candentes contra os candidatos do coronel. E, para que nada de mal lhes acontecesse, não divulgavam os nomes dos candidatos de preferência. Isso eles só divulgariam na última hora, quando o manda-chuva local não pudesse fazer mais nada.
Para adiantar o serviço, tinham mandado imprimir na capital cartazes com o frontispício dos homens da oposição que enfrentariam nas próximas eleições os candidatos de cabresto do coronel. E cartas haviam seguido para todos aqueles que, descontentes com as arbitrariedades do dono da terra, pudessem ajudá-los no dia da votação.
Quem andava uma fera com tudo isso, como é natural, era o coronel.
ufando, espumando, batendo pé, ele queria porque queria descobrir de onde saía toda aquela pichação. Mas, embora botasse muitos cabras na pista, nada veio a descobrir. A turma do Felismino, como bons mineiros, trabalhava bem e em silêncio.
Eleição, porém, não houve.
Uma revolução derrubara o governo federal. Caíra a situação, subira a oposição. E como o coronel era homem de confiança do governo deposto, ele também veio abaixo, com falsa patente e tudo.
Vibraram as hostes do Felismino, tomando conta de tudo que era cargo importante no peito e na raça, não dando satisfação a ninguém. O Lindauro para a Prefeitura, o Belisário para a Coletoria, o Siqueira para juiz de paz e assim por diante.
Quando deram pela coisa, não havia mais posição vaga.
Foi aí, então, que, constrangidos, se lembraram do Felismino. Com toda aquela confusão, não é que haviam esquecido do mais importante, daquele que comandara a oposição, que entrara com a gaita para os trabalhos...
– E agora ?... – perguntaram entre si.
Alguém pensou ter achado a solução:
– Cria-se um cargo para ele.
Pensaram, pensaram, pensaram, terminaram com um que lhes pareceu adequado: “zelador da cadeia”.
Tornava-se necessário, porém, dar uma inexistente importância ao posto. Era preciso que Felismino se sentisse alguém, quando fosse nomeado. Formaram uma comitiva para dar a notícia. Com o novo prefeito à frente, lá foram eles para a farmácia.
O velho os recebeu à porta da botica.
o Siqueira, orador oficial do grupo, mandou aquela brasa. Porque isso, porque aquilo, temos a subida honra de elegê-lo zelador da cadeia.
– O que é mesmo que vocês estão me dando? – indagou o boticário.
– O cargo de zelador da cadeia – explicou o prefeito.
– Ah!... – fez Felismino, pensativo, para depois indagar: – Será que vocês não podem me dar isso em dinheiro?
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