Antonio Fernando e Dalva Ventura
Maria Amélia Curvello é subsecretária de Políticas Culturais da Secretaria Municipal de Cultura. Artista plástica, ela foi a primeira secretária de Cultura do município, cargo que exerceu nos dois mandatos da ex-prefeita Saudade Braga (2001 a 2008). Durante sua gestão, estruturou a Secretaria, que havia sido desmembrada da pasta da Educação, e criou os pontos de cultura de Olaria e Riograndina. Nesta entrevista exclusiva aos repórteres Antonio Fernando e Dalva Ventura, Maria Amélia fala sobre suas novas responsabilidades, analisa os desafios para estruturar a área, a sua relação com o atual governo e suas expectativas para a continuidade dos trabalhos que iniciou na década passada.
A VOZ DA SERRA - Qual a sua função na Secretaria de Cultura?
Maria Amélia - Fui convidada pelo David Massena (secretário de Cultura), que substituiu o Roberto Wermelinger. Isso foi em fevereiro e até maio ele ficou negociando com o prefeito a oficialização do convite. Aí criaram a função de Subsecretária de Políticas Culturais da Secretaria Municipal de Cultura. Fui nomeada, então, para uma missão especial. Retornar a Oficina-Escola aos moldes de conteúdo de funcionamento que tinha antes e os pontos de cultura de Olaria e Riograndina. Esta foi a primeira tarefa que me foi dada. O secretário é o David; foi ele quem me convidou e insistiu para que eu assumisse.
O que levou você a aceitar o convite do governo municipal? Você já foi uma atuante secretária de Cultura e atualmente estava dedicada apenas ao seu ateliê... Afinal, por que voltou?
Exclusivamente por causa da Oficina-Escola e do trabalho de arte-educação. Os políticos que estão atuando neste país não querem que as pessoas tenham cidadania, tenham liberdade, senso crítico e, muito menos, que lidem com arte e sejam criativos. O capitalista é a mesma coisa, é tudo muito parecido. Se deixar acabar totalmente a Oficina-Escola, a gente nunca mais vai ter outra. Isso pesou na minha decisão de voltar.
O Teatro Municipal Laercio Rangel Ventura foi inaugurado em 2008. Por que ele não tem alvará até hoje?
Ele precisa de uma série de alterações para atender as exigências do Corpo de Bombeiros, sendo uma delas as portas antipânico, que devem ser instaladas também na parte de trás do prédio. Afinal, além do público, temos que pensar nos artistas também. Tem uma lista de exigências enorme e isso vai demorar mesmo.
Então, como ele pode funcionar nestas condições?
O teatro está sendo usado sem estar legalizado, mas tem prazo para providenciar a papelada. E também o estado físico dele não é nada crítico como certas biroscas que têm por aí. Ele tem rampas de acesso, portas abrindo para o lado de fora, nas dimensões corretas, mas não tem tudo. E o Corpo de Bombeiros não vai dar certificado de legalidade do equipamento enquanto não forem cumpridas todas as exigências.
O prédio da Oficina e do Centro de Arte será transformado, dizem, num museu. Você concorda com essa destinação?
O Barão de Nova Friburgo foi um dos maiores escravocratas desse país e agora a gente fica aplaudindo esse nosso passado. Isso é coisa de uma ala muito conservadora. Por que não faz o contrário, abre e diz: venham visitar o lugar onde um dos maiores escravocratas brasileiros castigava os escravos? Aí faz um ponto turístico, uma coisa justa, verdadeira. Agora, não crucificada por um bacaninha qualquer que não tem o menor compromisso com sua história real, com sua profunda dor. A gente tem que morrer dizendo: nosso povo é aprisionado, maltratado, espezinhado pelos ricos. Tem outra coisa para dizer? Para mim é muito arcaico, não combina com meu sentimento de nação, não combina com a liberdade que a gente deseja e sonha para o nosso país, com a força de cidadania que a gente já conquistou.
Há boa vontade da Secretaria de Educação com relação à Oficina-Escola, no sentido do trabalho ter um resultado maior se ela fizesse parte daquela Secretaria e não da Secretaria de Cultura?
Bem, talvez haja por conta da possibilidade de investidores. Mas, veja bem, hoje as Secretarias de Educação são mantidas por verba federal, isto é, dos repasses. Assim sendo, a rede municipal de ensino tem que obedecer às determinações federais, à lei federal, às portarias. E tem o Mais Educação (federal). Já ouvi secretários municipais afirmando que o Mais Educação resolveu estes problemas porque eles querem manter as crianças dentro das unidades escolares oferecendo esse projeto. Eu sempre acreditei nesta reciprocidade, nesta união, mas o que sei é que todos me dizem que o Mais Educação já resolveu este problema.
E no caso da Oficina-Escola?
Neste caso acho difícil porque depende de espaço, é outra proposta mesmo. Então, mesmo se o Mais Educação fosse desenvolvido não teríamos nem mais espaço. É estranho a Cultura ser tratada como se não tivesse nada a ver com Educação. No entanto, estão intrinsecamente ligadas. Começaram a dar uma série de papéis para as Secretarias de Educação, à estruturação delas, que são muito anteriores, como por exemplo, o Fundeb, que passa essa verba. É muito antigo, funciona como uma rede nacional de repasse de verbas, de grades curriculares que têm de ser cumpridas, que os "grandes educadores” deste país decidem. Por isso, muitas vezes, a gente fica de costas para determinadas performances que a Educação tem, de determinados segmentos, determinados momentos da Educação que, infelizmente, a criança está lá mas vai sair lesada. E será uma lesão grave, que vai ficar para o resto da vida. Uma aula de teatro, música, informática, tudo isso faz parte da formação do indivíduo, do cidadão... Mas nós temos que resistir porque, olha só, estas políticas federais... dizem assim, "ah, tem o Mais Educação agora”, mas não é mais aquele currículo, aquela grade curricular. Seus filhos têm que ficar mais tempo na escola. Então, o que a gente faz? Bem, vai ter atividadezinha de literatura, de dança, só que isso não faz parte do Mais Educação, que é outra coisa. O cidadão vai usar a arte como uma ferramenta, uma discussão de valores, de cidadania, uma linguagem criativa, libertadora. Se a direção daquela escola não tiver este olhar, não vai conseguir. Então, arte-educação vai estar muito mais no trabalho do olhar e da criatividade de quem está na área cultural do que quem está na educação. Porque a educação está formatada, massacrada pelos baixos salários, desvalorizada pelo próprio governo.
Em resumo, a Oficina-Escola está parada?
Não. Até já começou a dar sinais de melhora. Estamos com duas professoras de teatro, teoria musical, dança, flauta doce e transversa, cavaquinho, violão, teclado e coral. É dirigida pela Sara Massena.
O prefeito tem boa vontade com a cultura?
Nem posso falar sobre isso porque estive com o prefeito muito rapidamente, por ocasião da entrega do título de Cidadão Friburguense ao meu marido. Na verdade, o executivo da pasta é o secretário. Eu me dirijo diretamente ao David Massena, que me passou estas tarefas, a Oficina-Escola e os Pontos de Cultura. Organizando isso, eu já me dou por satisfeita e posso ir embora. Sabendo da importância da Cultura e se tenho a oportunidade de fazer alguma coisa direito, ali, consciente que sou da importância dela, vou fazer. Lutei pela sua implantação. Batalhei para fazer aquela escola existir, algo raro de se encontrar em qualquer lugar deste país. Exigiu muito sacrifício na época, e hoje, fazê-la voltar ao que era está sendo outra batalha. A Oficina estava desvirtuadíssima. E tudo isso por si só já justifica a minha volta, porque pensei muito, matutei antes de dizer sim. Mas concluí que a oportunidade de ir e dar uma segurada tornou o convite irrecusável. Mesmo que eu não fique muito tempo, não tem problema. Ora, já estou até conseguindo levar alguns alunos ao Ponto de Cultura de Olaria. Isso não maravilhoso? Então, está valendo a pena.
Como está o Ponto de Riograndina?
Olha, temos que fazer duas coisas. Com a enchente de 2011, perdeu-se uma coisa preciosa que a gente tinha lá: um forno enorme, de cerâmica. Ele foi totalmente destruído. A água entrou um metro dentro da casa, então, o porão onde funcionava a oficina de cerâmica acabou. Em cima temos aulas de percussão, violão, dança e artesanato. Estava tentando com o Gustavo Botelho (Superpão) uma minipanificação. Quase fizemos isso na época, comprei todos os equipamentos para fazer pão, bolos, confeitaria, doces caseiros, mas acabei de montar e saí.
Como é sua relação com o poder?
Eu nunca trabalhei para prefeito nem para partido. O que eu faço não é para levar comigo nem para eu me sentir bacana ou mais importante que ninguém. Então, o que eu puder fazer, eu vou e faço. Por isso saio sempre de cabeça erguida.
Como está a Secretaria, parada, caminhando...?
É isso que estou falando com vocês. Estou achando o governo muito centralizador e tirando a autonomia completa da Secretaria, levando em conta que eu participei apenas de um governo, o da Saudade Braga. É o pouco que estou vendo desde que estou lá, entendeu? A Cultura que estou vendo. Não pode mover as "peças” que estão lá, de pessoas para trabalhar, porque fulano de tal colocou tantos, o político tal colocou tantos outros. Ora, aí não tem material, não tem investimento, não tem verba, não tem dinheiro para investir na Cultura. Você já viu algum trabalho andar assim, sem recursos e sem material humano? A gente vai poder fazer mágica com a Oficina-Escola? Como se perde um Paulo Nilton? Como vamos fazer um bom trabalho? Sinceramente... O que eu fazia na minha época de secretária? Ligava para a Prefeitura e dizia não, não pode nomear ninguém que não seja capacitado para o setor de cultura. Aí você pega pessoas que nunca atuaram no setor da cultura e bota dentro da Secretaria. Vai querer o que, esperar o quê? Dá para acreditar que vai conseguir fazer um bom trabalho? É difícil, muito difícil.
É verdade que os professores tiveram os contratos rescindidos e não foram recontratados?
Quem tinha cargo de confiança saiu e não foi recontratado. A Oficina foi para o prédio do antigo fórum e está sendo difícil esta readaptação neste novo espaço e isso não é simples. São dificuldades reais. A gente está fazendo o melhor que pode, mas diante de muitas dificuldades. Aquele prédio é muito administrativo, é difícil adequar um espaço daqueles, tão formal, para o universo da arte.
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