Fotos: Amanda Tinoco
Por sorte aquela não era uma noite tão fria, se comparada a estas que sentimos na pele, literalmente, durante o inverno friburguense. Faltava exatamente um minuto para as seis horas da manhã da primeira sexta-feira do mês, 1º de agosto, quando a equipe de A VOZ DA SERRA chegou ao posto de saúde Silvio Henrique Braune, no Suspiro. O objetivo era fazer a cobertura jornalística das penosas filas que se formam em torno dos postos de saúde madrugada adentro, filas estas compostas por pessoas que simplesmente querem preencher uma ficha de atendimento médico. Um problema de décadas, que, infelizmente, grande parte da população nem acredita ter solução.
Segundo Maria Helena Freitas, uma das pessoas que entrevistamos no local, aquela noite até que estava tranquila, comparada ao que geralmente ocorre — porém, a fila já virava a esquina antes mesmo de o dia clarear e o posto de saúde abrir os portões. Talvez seja por esse motivo — de temer uma fila enorme — que Valmir Pereira, de 70 anos, morador do Prado, chegou ao local por volta de 1h para buscar uma ficha de atendimento médico para sua filha. "Cheguei bem cedo por medo de não conseguir ficha para o clínico geral”, justifica Valmir. O esforço valeu. Ele conseguiu uma ficha para a sexta-feira seguinte — uma semana depois. Carlos Hilário, José Carlos dos Santos, José Américo, Daniela Brito, Manoel Araújo e Maria Helena de Freitas (citada acima), entrevistados pela equipe, também tiveram a mesma sorte, mas ainda houve reclamações que merecem atenção.
"O pior de acordar e vir para cá de madrugada é nunca termos a certeza se vamos conseguir ou não uma ficha para atendimento”, diz Carlos Hilário, que chegou ao posto de saúde às 4h. "Ficamos ao relento até sete da manhã, quando, normalmente, abrem os portões do posto”, reclama José Carlos dos Santos, que saiu de casa na Chácara do Paraíso antes das 3h. "Estou enfrentando essa fila só para conseguir uma ficha para mostrar o exame que o médico solicitou na última consulta. Acho que não tinha que ter necessidade de fila só para mostrar exame”, reivindica José Américo, que mora em Campo do Coelho e felizmente tem um carro, o que facilitou sua ida ao posto de saúde. "Para o médico pneumologista só liberam sete fichas. É muito pouco para tanta gente. Ainda mais nessa época do ano, em que as pessoas ficam mais propícias a ter problemas respiratórios”, alerta a costureira Daniele Brito, que chegou ao posto por volta das 4h. "Moro no condomínio Terra Nova e vim até aqui para ver se, dessa vez, consigo marcar uma consulta”, desabafa o aposentado Manoel Araújo, que acordou às 3h30. "Desci de casa a pé, passei por uns caras suspeitos no caminho, até conseguir pegar o primeiro ônibus com destino ao Centro. Não tem jeito, é só eu e Deus mesmo”, afirma, conformado. "O tempo médio que levamos para ser atendidos no dia em que pegamos a ficha é de no máximo uma semana. Acho um prazo bom. O ruim é quando precisamos marcar exames; demora no mínimo dois meses”, revela Maria Helena Freitas, que chegou às 5h30.
Corroborando com a denúncia, uma mulher que não quis se identificar apresentou um pedido de ressonância magnética de crânio feito no dia 12 de maio — mas que só foi marcado para o dia 22 de agosto, como mostra uma das fotos que ilustram esta matéria.
Já Maria Elisa Tavares, 76 anos, não conseguiu pegar sua ficha. Teria que voltar outro dia para tentar novamente marcar uma consulta. "Isso é uma vergonha. Venho sozinha de casa até aqui pra descobrir que não tem o médico que preciso. Já tentei para ginecologista e cardiologista, mas também não tem. Acho muito desrespeito”, reclama Maria, que mora no Centro e chegou ao posto de saúde às 5h30. Ela foi orientada pela funcionária do posto a voltar na segunda-feira seguinte para tentar uma ficha novamente.
Quem chega a essa hora corre risco de não conseguir ficha
José Américo enfrentou o frio da madrugada para conseguir ficha para a esposa
A VOZ DA SERRA entrou em contato com a Secretaria Municipal de Saúde de Friburgo a fim de obter esclarecimentos sobre os problemas citados nessa matéria. Confira.
A VOZ DA SERRA - Como é feita a definição quantitativa de fichas por médico? Quais os critérios?
Secretaria Municipal de Saúde: No posto Sylvio Henrique Braune são marcadas sete consultas por semana para atendimento com o pneumologista e outras 22 consultas pelo Sisreg (Sistema de Regulação). A Secretaria de Saúde já está providenciando um aumento neste número de atendimentos. Vale destacar que na gestão atual as unidades já conseguem marcar este atendimento de uma semana para a outra — o que representa um avanço no setor. Busca-se o aprimoramento do Sisreg para solucionar os problemas de marcação de consulta.
A população também reclamou da falta de abrigo para os adultos e, principalmente, idosos que ficam ao relento até as 7h, horário em que normalmente é aberto o portão do posto. Qual o posicionamento da Secretaria em relação a esse caso?
Os atendentes dos postos pedem aos pacientes que se dirijam apenas às 7h, no momento em que as fichas para atendimento são distribuídas, contudo a Secretaria está buscando uma solução para evitar este problema de espera dos pacientes.
Ouvimos reclamações quanto ao fato de não haver algumas especialidades como cardiologista, ginecologista e ortopedista para atender aos pacientes. Por que isso acontece?
Sobre a falta de algumas especialidades, a Secretaria espera solucionar este problema com o processo seletivo e o concurso público previstos.
E quanto à demora para a realização dos exames?
Devido ao aumento do número de médicos clínicos, a demanda por exames aumentou também, ocasionando uma demora maior na marcação dos mesmos. Quando o exame necessita de urgência, o médico faz a solicitação sinalizando o pedido em caráter de urgência.
Matéria produzida pela estagiária Karine Knust sob supervisão da chefia de redação
Esta ressonância magnética de crânio foi pedida e autorizada no dia 12 de maio, mas a paciente só vai fazer o exame dia 22 de agosto
Só mesmo com muito agasalho para suportar o frio intenso na
madrugada nas filas do SUS. Uma rotina já conhecida pelos pacientes
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