Ricardo Zouein é promotor de justiça no estado do Rio de Janeiro há 28 anos, sendo 23 deles como titular na Comarca de Conceição de Macabu, além de ter atuado em outros municípios do interior e na capital. No início da década de 90, destacou-se na defesa do meio ambiente, tendo participado pessoalmente de operações de combate aos desmatamentos e transporte ilegal de madeira. Por ocasião da ECO-92, acusou o Ibama de omissão na defesa das florestas brasileiras e suas denúncias foram divulgadas na mídia nacional. Na década de 2000, dedicou-se à investigação da corrupção política, conseguindo que a Justiça afastasse do cargo o prefeito de Macabu, candidato à reeleição, quando faltavam apenas três semanas para as eleições. Em 2005, conseguiu na Justiça o afastamento, por abuso do poder político nas eleições, do sucessor do prefeito anteriormente cassado. Mas ele teve maior sorte e acabou conseguindo retornar ao cargo através de polêmica decisão do TRE. Em 2012, após receber inúmeras denúncias da população do município, deu início às investigações que acabaram levando à prisão o delegado de polícia da cidade, seus três policiais de confiança, um guarda municipal e um advogado, todos denunciados por extorsão e formação de quadrilha. As vítimas eram comerciantes da cidade que apresentavam alguma irregularidade em seus comércios, por mais simples que fosse. O fato foi noticiado na imprensa da capital e do interior do Estado. Nesta entrevista exclusiva para A VOZ DA SERRA, Ricardo Zouein fala sobre a Lei de Acesso à Informação, que completou dois anos no dia 16 de maio.
A VOZ DA SERRA – A data de 16 de maio, aniversário de Nova Friburgo, é também a data em que a Lei de Acesso à Informação entrou em vigor em 2012. Como o senhor analisa o impacto desta lei em seus primeiros dois anos?
RICARDO ZOUEIN – Na prática, acho que pouca coisa mudou, por dois motivos. Primeiro, porque as leis anteriores já garantiam ao público o acesso à maioria das informações referentes aos atos de governo, como a Lei de Licitações, de 1993, que já previa o acesso dos processos licitatórios a qualquer cidadão. Segundo, porque as leis em nosso país custam muito a "pegar”, especialmente quando impõem deveres e obrigações aos próprios governantes. A mais importante e visível mudança veio com a criação da Comissão da Verdade, instituída para apurar atos da ditadura militar. Estamos assistindo pela TV cenas jamais imagináveis, até então: militares sendo interrogados sobre as torturas e homicídios praticados durante o regime militar.
Os órgãos públicos têm respeitado a lei?
Em parte. O poder público em nosso país sempre foi resistente a mudanças, especialmente porque tem o hábito de omitir, distorcer ou camuflar informações que, aos seus olhos, não deveriam chegar ao conhecimento do público. Mesmo assim, houve avanços, ainda que tímidos.
Existe alguma restrição para se fazer perguntas aos governantes?
Para se fazer perguntas, não há restrições, mas o governante poderá recusar-se a prestar informações que resguardem a segurança nacional, o sistema financeiro, a pesquisa científica, a segurança das altas autoridades brasileiras e estrangeiras e as investigações de atos ilícitos. Conforme se observa, são informações que dizem respeito, essencialmente, ao governo federal. No âmbito do município, é difícil imaginar a existência de alguma informação que possa ser resguardada por sigilo.
Precisamos que esta lei seja regulamentada em âmbito municipal para que comece a valer?
Não. A lei começou a valer para todos, inclusive para os municípios, desde que entrou em vigor em maio de 2012. O que as esferas do poder precisam fazer é orientar e divulgar quais são os procedimentos que o cidadão deve adotar para ter acesso a determinada informação. Outra obrigação que a lei trouxe foi a criação, pelos órgãos públicos, do Serviço de Informação ao Cidadão (SIC). Mas não são condições para que o poder público inicie o cumprimento da lei.
Como o cidadão pode requerer estas informações? Há custos envolvidos?
Basta fazer um pedido por escrito, em que o cidadão se identifique e esclareça qual a informação desejada. Não é necessário informar os motivos do pedido. O serviço de busca e fornecimento da informação é gratuito, mas se o interessado solicitar cópias de documentos, estas poderão ser cobradas, pelos custos do serviço e do material utilizado. Assim, se alguém pedir a cópia de um processo de licitação que contenha 200 folhas, o Poder Público poderá cobrar os custos da extração de cópias que, pelo espírito da lei, jamais poderão custar mais do que o preço cobrado pela cópia no comércio em geral.
O senhor poderia esclarecer que tipo de perguntas podem ser feitas através desta lei e quais as mais comuns?
Qualquer pergunta que se refira a atos do governo, tais como contratação de servidores, licitações, compras e serviços. A população costuma ter mais interesse em informações que se refiram a gastos do governo, como o valor de uma obra ou serviço, os vencimentos e demais vantagens de servidores públicos, mas toda e qualquer informação pode ser solicitada, como o texto do programa nacional de combate à dengue, de desenvolvimento da educação, dentre outros.
Se o governante não responder dentro do prazo ou der informação incorreta, há alguma sanção?
Sim. Há várias sanções. É cabível o recurso administrativo a uma autoridade superior. Assim, se um secretário municipal deixa de prestar a informação solicitada, cabe recurso ao prefeito. Se o prefeito mantiver a recusa, caberá uma ação na Justiça, inclusive com pedido de tutela antecipada, com ordem para a imediata prestação da informação. De qualquer modo, o servidor ou autoridade que recusa informação comete ato de improbidade administrativa e pode ter o mandato ou cargo cassado por decisão da Justiça, ter seus direitos políticos suspensos por até cinco anos e ser condenado a pagar uma multa de até cem vezes o valor de sua remuneração pública. Quem presta informação incorreta comete crime de falsidade ideológica, previsto no art. 299 do Código Penal, com pena de até cinco anos e 10 meses de reclusão, além de multa e perda do cargo. Enfim, existem vários instrumentos que podem ser utilizados para obrigar a autoridade a prestar as informações solicitadas, bem como sérias sanções para aquele que recusar-se a prestá-las.
A Lei de Acesso à Informação trouxe alguma mudança no que diz respeito à publicação dos atos do governo?
Não. Os atos oficiais, como leis, decretos, portarias, editais e também as licitações, contratos, nomeação de servidores, dentre outros, sempre foram de publicação obrigatória, ou seja, não dependem que o cidadão faça um pedido ao governante para que sejam divulgados. A novidade trazida pela Lei de Acesso à Informação foi estabelecer que até mesmo os atos de governo que não são de publicação obrigatória têm que estar disponíveis a qualquer cidadão. Os atos oficiais, nos âmbitos federal e estadual, sempre foram publicados nos respectivos diários oficiais. Nos municípios, a Constituição Estadual (art. 354) estabeleceu que a publicação deve ser feita em um jornal de circulação local ou, se não houver, no próprio Diário Oficial do Estado. No município em que houver mais de um jornal local a escolha deverá ser feita através de licitação. Portanto, uma imprensa livre e forte nos municípios, especialmente do interior do Estado, é a garantia de maior transparência dos atos do poder, em benefício da população. Este foi o maior objetivo da Lei de Acesso à Informação.
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