Ex-atleta, Chiminga troca os campos pela oficina e mostra a mesma habilidade com as mãos

Um artista com a bola nos pés e as ferramentas nas mãos. Durante os anos dourados do futebol amador de Nova Friburgo, Carlos Erick Kramer, o Chiminga, desfilou toda a classe pelos campos do município e região. Aos 81 anos, se o corpo já não corresponde como antes, a mente expõe uma outra face não menos talentosa. O ex-atleta de Bom Jardim, Esperança, Fluminense e Seleção Friburguense é craque também na fabricação de brinquedos — cerca de 300 por ano são produzidos na própria oficina. Nenhum deles é vendido. O pagamento para Chiminga é o sorriso no rosto das crianças.

"Eu faço e distribuo para as pessoas carentes e entidades, que repassam a quem precisa. Eu me sinto feliz e realizado por poder ajudar à quem realmente necessita”, conta.

Friburguense, Chiminga nasceu em 23 outubro de 1932. Ele revela a idade sem restrição alguma, e ainda brinca: "Pelé nasceu nessa mesma data dez anos depois.” De fato, há motivos para ter orgulho. Lúcido, relembra com detalhes a trajetória de sua vida. Nos campos, ela teve início no Lumiar. O primeiro clube oficial foi o Esperança, por onde conquistou o título juvenil em 1950. Apenas sete anos depois, após uma pequena pausa na carreira, ascendeu ao primeiro quadro. "Foi um torneio início no campo do Conselheiro. Nós conquistamos o título, e eu substitui o Zei naquela ocasião. Comecei como titular e não saí mais da equipe.”

Polivalente e dono de chute forte e bom poder de marcação, conta que apenas não atuou como goleiro. Passou pelas demais posições nas equipes que defendeu. Entre 1957 e 1963, o "Diabo Loiro” — como era chamado carinhosamente pelo radialista Rodolpho Abbud — defendeu o Esperança. No ano seguinte, defendeu o Bom Jardim. "Eles levaram quase todo o time pra lá. Eu, Alau, Gerson, Pardal, Natal, Jocélio e outros jogamos no Bom Jardim e levamos o título ao vencer uma melhor de três partidas contra o Friburgo. A última terminou 5x0, no Eduardo Guinle. Alguns jogadores daquela época contam que essa foi a maior tristeza dele.” As negociações entre as equipes aconteciam na Liga Friburguense, na Rua Marques Braga, no último dia de inscrições. "Eles davam 5 mil cruzeiros pra um, 2 mil pra outro, ofereciam bicicletas e os negócios aconteciam”, conta.

Dentre outros jogos marcantes, Chiminga participou da inauguração do campo do Bom Jardim, em amistoso vencido pelo Bangu de Paulo Borges, Parada e cia., por 5x1. Em 1965, pelo Fluminense de Friburgo, enfrentou o Flamengo de Carlinhos, Valdomiro e outros nomes consagrados. "Os estádios ficavam lotados. As pessoas chegavam pela manhã para acompanhar desde o infantil e ficavam até a noite”, recorda. 

 

Seleção Brasileira de 1970 é um dos times de botão fabricados por Chiminga

Paralelo à vida de atleta, Chiminga sempre trabalhou. Em um dos primeiros empregos, participou da construção do Edifício Folly como apontador de obras, em 1964. Foram quatro anos e meio até a finalização do empreendimento. "O pessoal de Bom Jardim vinha me buscar toda quinta-feira para treinar. Joguei lá por um ano.”

Nas passagens — algumas breves e outras duradouras — pela Fábrica de Rendas Arp, Sinimbu, Friburgo Automóveis e Friburgauto, desenvolveu a amizade com Antônio Felipe Deccache, ex-presidente de Fluminense e Friburguense, com quem trabalhou por 35 anos. "Ele era administrador ou contador de algumas dessas empresas, e sempre me indicou. É um grande amigo que tenho.” 

Chiminga procurou aprender sobre tudo o que pôde. Na Sinimbu, ao observar os desenhos dos cadarços e outros produtos, descobriu o talento para a arte. Há 40 anos, fabrica brinquedos pelo prazer de trabalhar com madeira. Antes mesmo da aposentadoria, produzia para distribuir no final de ano. Quando saiu do apartamento para a casa, teve o espaço suficiente para fabricar em grande escala. "Tem dias que fico até tarde na oficina, em outros eu nem apareço. Quando eu vejo alguma coisa, corro pra lá. Depende da inspiração”, explica.

Em sua oficina, localizada nos fundos da casa onde mora, na Vila Guarani, transforma os sonhos em realidade. Botões, carrinhos, trapezistas, ioiôs, peões e o que mais a imaginação e a habilidade permitirem são produzidos no espaço. Inclusive escudos dos clubes de futebol em material de acrílico. "Fiz um escudo do Botafogo e ficou mais ou menos. Esse escudo eu entreguei para o Maurício Assumpção (atual presidente do clube carioca).”

Ao todo, são 104 emblemas de equipes da Europa. Mas há também espaço para os clubes do país e da cidade. Serrano, Fluminense, Friburgo, Esperança, Nova Friburgo, Conselheiro, Filó e Bom Jardim estão devidamente reproduzidos na vasta coleção. O processo para a fabricação não é simples. Chiminga desenha, faz os cálculos geométricos necessários e depois trabalha o acrílico. Cada detalhe exige quatro furos, pelo menos, para serem fixados. "Tem que ter cuidado para não rachar o material”, alerta. O artista possui seis tipos de lixas diferentes, e as utiliza conforme a necessidade. Por isso, alguns trabalhos demoram mais que o planejado para ficarem prontos. "Alguns acrílicos vêm com defeito e isso dá diferença de diâmetro. Temos que nivelar, essa parte dá um trabalho grande. Depois ainda tem o polimento. Os escudos menores são feitos com resina. A gente faz no computador primeiro, depois preenche com o material.”

Em 2013, Chiminga produziu 300 brinquedos e distribuiu para a Afape, Apae, Igreja São Francisco, Associação Fraternal e Espírita, Lar Abrigo Amor a Jesus e para grupos que fazem a distribuição. Para este ano, a meta é pelo menos alcançar o mesmo número. "Já fiz 35 carrinhos pré-montados e 14 prontos, já esperando a finalização.” Mais importante que a quantidade, a intenção torna a arte admirável.