Muito além do esporte...
Nesta edição, A VOZ DA SERRA apresenta um novo quadro para contar a história de personalidades do esporte friburguense. O ex-jogador Eduardo inicia esta série e fala sobre a carreira, polêmicas, vida pessoal e o novo desafio profissional pelo Friburguense.
Em uma noite como outra qualquer, na cantina do Friburguense, Jorge Eduardo Gomes de Souza participa de uma reunião descontraída entre amigos. A rotina ilustra o jeito simples de ser e agir, e quase esconde o passado de um dos maiores ídolos do clube. Os cabelos brancos revelam as marcas do tempo, mas não ofuscam uma carreira marcada por títulos, polêmicas e uma grande frustração: vinte e quatro anos depois, o ex-lateral-esquerdo da Seleção Brasileira ainda lamenta não participado da Copa do Mundo de 1990 e revela ter vibrado com a eliminação do Mundial.
"No jogo entre Brasil e Argentina, eu vibrei com o gol do Caniggia. Alguns queriam até me bater. Mas eu disse que teria que estar naquela Seleção. Eu sempre digo que o lateral-esquerdo da Seleção de 1990 era o Eduardo. Infelizmente, o Lazzaroni não me convocou. Eu tinha os meus problemas, sim, mas todo mundo tem. Faltou realmente o mundial e por isso não sou realizado. Faltou esse detalhe. Tenho minha vida tranquila em Nova Friburgo e, graças a Deus, meus filhos estão criados, já não dependem mais de mim.”
Sucesso e títulos: início de carreira intenso
Em 1982, aos 16 anos, Eduardo chegou ao Fluminense. O jovem costumava atuar como ponta-esquerda e foi aprovado nesta posição nos três primeiros testes no clube carioca. A necessidade fez Eduardo se transformar em lateral-esquerdo — o então técnico, Ernesto Paulo, sugeriu que ele trocasse de posição. "O mais engraçado é que na época tinha o Paulinho, ponta-esquerda, o Antônio Carlos e o Siqueirinha. Dentro dos vestiários, ele me aconselhou a trocar de posição.”
O Siqueirinha citado por Eduardo é o atual gerente de futebol do Friburguense. Coincidências da vida. "Ele foi e continua sendo uma pessoa muito bacana. Digo pra todo mundo que ele foi uma das pessoas que me ajudaram a construir a carreira da forma como ela aconteceu. Foi uma brincadeira produtiva.”
De fato, Eduardo fez história no futebol brasileiro com a camisa seis. Na base do Fluminense, conquistou o Carioca no juvenil, disputou três Copas São Paulo de Futebol Junior e em 1985 passou a fazer parte do elenco principal. No ano seguinte, o jogador assinou o primeiro contrato profissional com o clube das Laranjeiras. Era o início de uma carreira vitoriosa. O lateral permaneceu no Rio de Janeiro até 1989, período no qual acumulou passagens pela Seleção Brasileira — em 1987, conquistou o Pré-Olímpico com a amarelinha e passou a ser convocado com frequência para o time principal.
No fim da década de 80, Eduardo foi vendido para o Cruzeiro e conquistou um título mineiro durante as duas temporadas em Minas Gerais. O retorno ao Rio de Janeiro se deu através de uma troca com Boiadeiro, do Vasco da Gama, onde Eduardo voltou a comemorar uma conquista estadual. Na sequência, vestiu as camisas de Grêmio, Santos, Ponte Preta e outros clubes de menor expressão. "Tive alegrias em times pequenos também. Ajudei a levar o Volta Redonda a uma série B de Brasileiro e cheguei à final do Campeonato Carioca pelo Madureira contra o Botafogo. Rodei em outras equipes também.”
Polêmicas, desistência e Friburguense
Se dentro de campo Eduardo brilhou, fora das quatro linhas a carreira foi marcada por episódios polêmicos. A fama de boêmio afastou o lateral da Copa do Mundo de 1990 e rendeu inúmeros questionamentos nos clubes onde jogou. Em 1994, em passagem pelo Botafogo, esteve no time que perdeu um clássico por 7x1 para o Fluminense e sofreu com a perseguição dos alvinegros. "Eu, Marcelo Carioca, Rogerio Pinheiro e Perivaldo. Mas a culpa maior caiu pra mim, por já ter jogado no Fluminense. Poucos meses depois, recebi o convite para voltar às Laranjeiras e aceitei”, relembra.
Do céu ao inferno, Eduardo chegou a desistir do futebol. O jogador anunciou a aposentadoria em 1997, segundo ele, por conta de problemas pessoais e decepções em alguns clubes por onde passou. "Recebi até um convite do Nacional de Manaus. Fizemos uma partida pela Copa do Brasil, mas perdemos para o Flamengo e fomos eliminados. Fiquei decepcionado, pois não recebi, e como eu tinha uma condição mais ou menos, resolvi parar. Mas eu percebi que tinha condições de voltar a jogar e enxerguei o futebol como um novo projeto pra mim.”
O destino colocaria Siqueirinha novamente no seu caminho, e em 1998, houve o convite para o recomeço. "Cheguei ao Olaria e encontrei o Mimi (Almir Fonseca, ex-jogador do antigo Fluminense de Friburgo). Quando ele me disse que o Siqueira estava aqui, eu entrei em contato na hora. Eu me reuni com ele, o Kurti, que era vice-presidente, e o Alexandre, presidente, e falei sobre a vontade de voltar a fazer o que eu sempre gostei.”
O Friburguense, então, montou uma equipe forte para a disputa do módulo extra do Carioca daquele ano — e Eduardo era o grande líder. "Eu cheguei cercado de questionamentos. As pessoas pensavam que eu iria viver na noite, que não seria o mesmo Eduardo. Mas eu coloquei na minha cabeça e prometi aos dirigentes dar a volta por cima. Abracei a causa junto com o Adriano e os outros jogadores. Hoje, tenho o carinho de todos no clube e de toda a cidade. E não foi só porque eu joguei na Seleção, mas por tudo o que eu fiz aqui. Formamos uma verdadeira família e conquistamos o título. Depois jogamos contra os grandes e alcançamos uma das melhores colocações da história do clube, o quinto lugar.”
"Vivi a vida e não me arrependo”
Casado durante 25 anos, optou pela separação há quatro. Os frutos da união foram Carlos Eduardo, 26, e Carolina, 20. Em breve, o ex-jogador será avô pela segunda vez. "O primeiro presente foi dado pela minha filha. Estou tentando fazer a cabeça do meu neto pra ver se ele me dá uma alegria. O avô já fez muita besteira na vida e ele pode ser a minha mina de ouro. Ele já bate de canhota”, brinca.
A orientação talvez represente o auxílio que ele próprio não teve durante a carreira. À época, os salários não eram tão altos quanto na atualidade, mas os atletas ganhavam o suficiente para construir uma vida estável. Eduardo admite que não investiu como deveria, e traz as lembranças como maior patrimônio. Apesar de tudo, garante: não se arrepende de nada. "Eu vivia muito bem. Na época, só ficava rico quem jogava na Europa. No Brasil, dava para comprar um, dois apartamentos. Eu comprei um apartamento e uma casa em São Pedro da Aldeia, onde meu pai mora. Mas eu joguei muita coisa fora, não nego. Quando eu fui para o Cruzeiro, ganhei um XR3 e um GL de luvas. Hoje o pessoal fala que eu estaria milionário. Eu vivi a vida. Hoje eu não faria muitas coisas, mas não me arrependo de nada.”
Desafio à beira do campo
Eduardo comanda o time de juniores do Friburguense no Carioca
Gonçalense de nascimento, Eduardo diz ser friburguense de coração. O estádio Eduardo Guinle transformou-se literalmente na casa do ex-jogador — ele mora na concentração do clube —, que encara um novo desafio na vida profissional: comandar o time de juniores no Campeonato Carioca. Motivado, não descarta investir na carreira, mas revela a preferência por trabalhar com jovens atletas. "Eu gosto mais da garotada, mas quem sabe eu não possa dirigir os profissionais? O meu objetivo é continuar na base e ver um jogador com quem eu trabalhei chegar à Seleção Brasileira.”
À beira do campo, Eduardo é bastante participativo. Grita, reclama com a arbitragem, orienta e, quando preciso, chama a atenção dos jogadores. Postura esta repetida na última quarta-feira, quando o Friburguense venceu a Cabofriense em casa por 2x0, gols de Lohan e Bruno, em jogo válido pela 13ª rodada do estadual. As "broncas”, de acordo com ele, são apenas conselhos de quem já escreveu o nome na história do futebol nacional. "O Friburguense é uma passagem. O mérito é chegar num clube grande, na seleção brasileira. Jogador tem que pensar grande, não pode achar que só jogar em clube pequeno é o suficiente. Procuro passar tudo o que eu vivi dentro de campo.”
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