ENTREVISTA - O que é crossing-dresser

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014
por Jornal A Voz da Serra
ENTREVISTA - O que é crossing-dresser
ENTREVISTA - O que é crossing-dresser

Robério Canto 

Na véspera do Natal de 2013, ao cumprimentar uma amiga, fui surpreendido ao encontrar o marido dela, Antônio (nome fictício), maquiado e vestido com roupas de mulher. Curioso, comecei a ler sobre esse comportamento que, vim a saber depois, chama-se crossing-dresser ou, em português, travestismo. Passado mais de um ano, entrevistei Antônio sobre sua experiência como cross-dresser. Embora exista há tempos, só recentemente o comportamento crossing-dressing passou a ser objeto de atenção e reflexão. Essa é a prática de pessoas – sobretudo homens – que usam roupas, maquiagem e adereços do sexo oposto. 

A primeira ideia que se tem é que todo cross-dresser é homossexual. Na verdade, há entre eles bissexuais,  héteros e homos, ou quantas variedades possam haver de expressão da sexualidade. Casados e solteiros, homens e mulheres, jovens e adultos, pedreiros e diplomatas, em todos esses grupos podem ser encontrados adeptos do cross-dressing. A maioria age assim apenas na intimidade do lar ou em reuniões com amigos. Mas não é raro que outros ousem se apresentar publicamente e que o cross-dressing se torne uma forma de relacionamento habitual entre casais, circunstância na qual um parceiro sente não apenas que tem o outro, mas que é o outro. O que leva um homem a vestir-se e maquiar-se como mulher ou vice-versa? O que significa para eles/elas essa experiência, que emoções lhes proporciona a troca momentânea de gênero? 

Um cross-dresser bastante conhecido é Laerte Coutinho, um dos principais quadrinistas do Brasil, com trabalhos publicados na revista Veja, no O Pasquim e em O Estado de São Paulo, entre outros órgãos de imprensa. Como roteirista, escreveu para programas como Sai de Baixo, Fantástico e TV Pirata. Laerte foi casado três vezes, é pai de três filhos e, em 2010, assumiu publicamente sua condição de travesti (termo que ele prefere a cross-desser). Deixando de lado questões de ordem moral, religiosa ou social que a prática do travestismo possa suscitar, aqui o consideramos tão somente como uma das manifestações mais incomuns, e ao mesmo tempo, cada vez menos secreta, da eterna busca humana pelo autoconhecimento. Conheça o cross-dresser Antônio.

 

A VOZ DA SERRA - Antônio, quantos anos você tem e desde quando se veste e se maquia como mulher?

ANTÔNIO - Sessenta e um. Comecei aos cinquenta anos. Tomei essa iniciativa por opção exclusivamente minha.


Você é casado e tem filhos. Como sua família se comporta em relação a esse seu procedimento? 

Primeiro me mostrei para minha esposa. Foi uma aposta que fiz com ela. Usei isso como artifício, porque eu já estava decidido. A gente estava separado na ocasião. Mas voltei a viver com ela e comecei a trabalhar em casa, como se fosse a diarista. Aí achei lógico trabalhar "montado”. ("Montado” significa, entre os cross-dresseres, estar vestido e maquiado como pessoa do sexo oposto ao seu). Depois comecei a andar assim também na rua. Quer dizer, saí do armário. Meu filho às vezes comenta: "Meu pai se veste de mulher!”, mas não liga muito, não. Minha mulher se afastou de mim, disse que só queria viver comigo como irmã. É como estamos vivendo. 


E outros parentes e amigos?

Andando na rua, fui reconhecido por uma vizinha, que ligou para minha irmã. Ela ficou me vigiando e seguindo, e quando eu não pude mais despistar, ela se mostrou furiosa, dizendo que aquilo era uma vergonha. Mas a vizinha intercedeu e disse que era problema meu e que ela me deixasse em paz. Tem uma sobrinha que, no começo, ficava meio envergonhada, mas já se acostumou e hoje até me dá sugestão de roupa.


Como você se sente ao incorporar essa persona feminina? Homem? Mulher? As duas coisas ao mesmo tempo?

Para ser sincero, depois que me produzo, conhecidos não me reconhecem - e eu me divirto com isso. Procuro me caracterizar da melhor maneira possível, inclusive nos trejeitos e no andar. Vestido assim, não tem como eu me sentir um machão. Não tenho relacionamento com mulher, minha esposa não quer mais saber de sexo. Sempre fui tímido e tive dificuldade de arrumar namorada. Nunca fui muito bom com mulher, tive várias namoradas e alguns relacionamentos, mas não deram certo e não me fazem falta. Só deu errado quando tive relacionamento com mulher. Então, me sinto apenas o que sou.


Você se veste como mulher apenas em casa ou também sai à rua  assim?

Às vezes vou de saia e os caras se interessam por mim, o que não acontecia quando eu saía como homem. Nunca ninguém falou que eu era um homem bonito e me abordou na rua. Nunca entrei em carro de desconhecido, mas pode acontecer, se alguém me inspirar confiança.


O que acontece quando você está montado, à noite, na rua?

Uma noite um garotão me abordou e queria sair comigo. Eu recusei e ele perguntou: "Você não gosta de homem, não?”. Escapei. Os caras ficam doidos, mas nunca tive relacionamento com homem.


Você já foi tratado por alguém de forma desrespeitosa ou agressiva?

Nunca ninguém me tratou com agressividade ou desrespeito, mas a gente ouve muita abobrinha. O travesti é um  homem vestido de mulher e às vezes desperta mais interesse do que o homossexual, porque os homossexuais em geral têm namorado fixo. Já fui seguido, mas consegui me livrar. Nesse dia o cara estava com má intenção.


Quando está vestido como mulher, você usa pseudônimo?

Uso o pseudônimo de Suzy. Nem por isso tenho romance ou relações sexuais com homens ou mulheres. As mulheres não aceitam isso, mas reparam muito quando estou bem montado. Me orgulho de me vestir muito melhor do que muita mulher, tem umas que parecem um trapo. Só gosto de sair de salto alto, saia, pintura.

 

Você participa de algum grupo ou associação?

Conheço o Centro de Referência LGBT Hanna Suzart, que dá apoio psicológico, distribui camisinha, etc. Conheço gente de lá, mas não faço parte do Centro. Outro dia eles fizeram um almoço pra nós, mas não pude ir. Nunca vou lá com roupa comum. 


É possível que alguma mulher tenha marcado tão profundamente sua vida que seja dela a influência para que você  tenha se tornado um cross-dresser?

Não, não sofri influência de nenhuma mulher, foi iniciativa minha e não tem mais volta, gosto de ser assim, me divirto muito. Minha mãe soube que eu era cross-dresser quando minha irmã me seguiu na rua. É uma escolha minha, ninguém tem nada com isso.


Enfim, ser um cross-dresser faz você mais feliz, mais infeliz ou não afeta sua vida?

Tirando essa atividade, levo uma vida normal. Sei que isso não é convencional. mas é o que me impede de entrar em depressão, de fazer como amigos meus que vivem no álcool. Meu pai se afastou de minha mãe e arrumou uma namorada, porque, ele mesmo disse, mamãe era "fria”. A namorada foi o escape de meu pai. O cross-dresser foi a válvula de escape para mim, em face das dificuldades que tenho na vida. 


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