Texto: Márcio Madeira
Fotos: Lúcio Cesar Pereira
A menos de um quilômetro da agitação dos carros em torno da Faculdade de Filosofia Santa Dorotéia e do Colégio Nossa Senhora das Dores, um tatu atravessa tranquilamente uma estreita estrada de asfalto. Um pouco mais acima, no caminho para o Seminário Diocesano, galinhas e cavalos circulam soltos, postes de iluminação estão instalados no meio da pista, entre casas antigas com banheiros localizados no quintal. Definitivamente, nenhum dos limites do centro de Nova Friburgo é tão brusco e bem definido quanto o caminho que leva ao Tingly.
Tudo começa, ou termina, na bifurcação entre a Rua Adolfo Lautz e a Estrada do Tingly. É ali, naquele ponto, que o som da cidade parece encontrar uma barreira invisível e a agitação subitamente fica para trás. Não existem casas, nesse ponto. Entre a água que corre de um lado, e o barranco acentuado de outro, os únicos sinais de que existe sim um bairro à frente estão nas pichações, nos entulhos de obras abandonados em local irregular, nos carros que esporadicamente passam em alta velocidade, e na espuma que de vez em quando polui a beleza do córrego.
.jpg)
Bifurcação entre a Rua Adolfo Lautz e a Estrada do Tingly. Onde o Centro termina e o bairro começa
.jpg)
O mato tomou conta da Rua Rio Tocantins. Bueiros da via também estão entupidos
Ainda nem chegamos ao Tingly, e já nos deparamos com as duas principais características do bairro, presentes em todas as declarações de moradores: sossego — e abandono. O primeiro nota-se pelo canto dos pássaros, o barulho da água e do vento. O segundo pelas calçadas sem capina, pelos bueiros entupidos, pelos buracos no asfalto.
Os moradores não estão satisfeitos. Pela primeira vez em muito tempo, uma reportagem de bairro não conseguiu um único residente que aceitasse dar sua opinião sendo identificado e fotografado. "Ah, se eu disser o que penso vai dar problema”; "Aqui é um bairro pequeno, todo mundo se conhece, prefiro não me identificar não”, foram suas justificativas. Posições típicas de quem tem reclamações a fazer. E fizeram, de fato.
"Há 15 dias eu telefonei para a prefeitura pedindo uma capina, porque está tudo cheio de mato, e até hoje não apareceu ninguém”, afirmou uma moradora da Rua Rio Tocantins. "Os ônibus passam de hora em hora, o lixo é recolhido nos dias certos, e o policiamento é constante. Mas os bueiros aqui da rua estão todos entupidos, e a iluminação pública também é precária.”
Continuando a caminhada rumo à parte mais alta do bairro, é possível ver o campinho de várzea, única opção de lazer para as crianças da localidade. Além de mal cuidado, ele fica também às margens do asfalto, gerando uma situação de risco permanente e desnecessário. "Eu mesmo consertei uma das traves um dia desses” afirmou um morador que passava pelo local.
.jpg)
Entulhos de obras descartados à margem do córrego, na subida do bairro
.jpg)
Pouco movimento, pichações e mato na calçada. O sossego e o abandono surgem logo de cara
.jpg)
Única opção de lazer para as crianças, o campinho precisa de reformas
e fica às margens do asfalto, que também está em mau estado
Próximo à ligação entre a estrada do Tingly e a Rua Asth, a revolta se acentua. "Nós vimos várias vezes ser divulgado que foram construídos três muros de contenção no Tingly, mas isso não é verdade”, afirmou um morador da Rua Asth. "As obras ocorreram lá embaixo, próximas à Rua Cristina Ziede, e não fazem parte do bairro. Aqui nós não tivemos nada, a barreira está do mesmo jeito. Cerca de 10% das casas do bairro estão interditadas, e quando chove o ônibus não vai até a parte mais alta, na Rua Bom.”
Outra reivindicação dos moradores gira em torno de uma escola municipal, pelo menos para os primeiros anos de ensino. Desde 2006 a Escola Estadual Municipalizada Luiz Mastrangelo foi desativada, sob alegação de demanda insuficiente. "Na época havia poucos alunos, mas a região cresceu muito, principalmente com a ocupação do Bairro Suíço. Acreditamos que atualmente já seja possível a instalação de alguma unidade de educação para nossas crianças”, defendeu uma moradora da Rua Bom, que faz, justamente, a ligação com o Bairro Suíço.
Área de lazer, muro de contenção, capina, iluminação, escola... Quase invisível, apesar de tão próximo ao Centro, o Tingly anseia por pequenos cuidados e atenção, enquanto conserva em sobrenomes e histórias a herança colonial que tanto remete à trajetória de nossa cidade.
E aos moradores, fica um pedido: por favor, não corram nas ruas que cortam o bairro. O tatu citado no início da matéria escapou por pouco de ser atropelado.
O que diz o governo
De acordo com a secretaria de Serviços Públicos, um mutirão de limpeza contando com 35 funcionários estará trabalhando na localidade no próximo dia 14 de dezembro. Na ocasião, serão realizados os serviços de limpeza, capina, roçada e desentupimento de bueiros.
Segundo a secretaria de Obras, a obra do muro de contenção está inserida no Programa Somando Forças, do governo estadual.
Conforme informou a secretaria de Educação, a Escola Estadual Municipalizada Luiz Mastrangelo foi desativada em 2006 em razão das condições inadequadas do prédio, que não abrigava os alunos com segurança e salubridade necessárias, e em virtude do baixo número de alunos para séries iniciais. Na época, informa a secretaria, os alunos foram transferidos para o Ienf, unidade mais próxima.
.jpg)
A barreira que desabou em 2011 praticamente não sofreu intervenções.
Diversas casas do bairro continuam interditadas
.jpg)
Esse muro, particular, desabou após as últimas chuvas

A coleta de lixo funciona a contento, e o bairro dispõe de coleta seletiva
Deixe o seu comentário