(*) Luis Felipe Tourinho
Foi num domingo, dia 3 de novembro de 2013, que o Elevado da Perimetral foi definitivamente fechado para ser finalmente demolido.
O viaduto levou 10 anos para ser construído. As obras tiveram início em 1950 e foram concluídas no ano em que nasceu Brasília, 1960. Aos 53 anos de serviço no escoamento de até 70% do trânsito entre as Zonas Norte e Sul da cidade do Rio de Janeiro, o elevado vai dar lugar a um túnel subterrâneo escavado na rocha que comportará todo o fluxo do antigo viaduto.
Assim, podemos falar do enterro do Elevado da Perimetral de três modos: como a morte desse viaduto, como sua passagem para um túnel debaixo da terra, e, também, como o fim de uma concepção de cidade focada no automóvel, nas grandes obras viárias e nos grandes empreendimentos imobiliários espalhados pelos subúrbios e baseados no binômio condomínio fechado-shopping center.
É mais um passo na história das transformações urbanísticas pelas quais, de tempos em tempos, a cidade do Rio passa.
A primeira onda de urbanização que rompeu com o passado colonial e estabeleceu uma cidade planejada moderna foi a abertura da Avenida Central entre 1904 e 1906 pelo prefeito Pereira Passos. Esta avenida se tornou um canteiro de experimentação arquitetônica no qual o estilo chamado de eclético ganhou força com construções como o Teatro Municipal, a Escola Nacional de Belas Artes e o Palácio Pedro Ernesto.
Depois, no início da década de 20 do século XX, uma demolição, a do Morro do Castelo, foi feita com o objetivo de acabar com cortiços e favelas e de abrir espaço para uma exposição mundial. O Morro do Castelo se situava no local onde é hoje o trecho da Avenida Presidente Antônio Carlos próximo à igreja de Santa Luzia.
Da terra que foi retirada do Morro do Castelo foram aterrados muitos lugares como a Urca, o Jardim Botânico e a Lagoa Rodrigo de Freitas.
Vieram, então, sucessivas ondas de transformações urbanísticas impulsionadas por obras como a do Aterro do Flamengo, o Túnel Rebouças, os Calçadões das praias da Zona Sul e, por último, com a expansão da cidade para a Zona oeste, incluindo aí Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes.
O que vemos de comum em todas essas obras é que o transporte individual por meio do automóvel foi ganhando cada vez mais espaço através de obras viárias que o viabiliza e estimula. É assim por toda parte.
O Elevado da Perimetral foi uma obra dentro deste contexto, o da priorização do transporte privado sobre o público. Ele surgiu nos anos JK, quando o país tomava a iniciativa de ter sua própria indústria automotiva.
A última onda, a no sentido da Barra e do Recreio, começa a perder sua força. A ligação prevista para 2016 entre o Metrô e o BRT vai garantir ainda algum crescimento para essa parte da cidade.
Porém, como ideia de cidade, o modelo Barra vai ficando para trás como um exemplo de urbanismo segregante e dependente da queima de combustível para o deslocamento diário de milhares de carros.
As atenções se voltam, então, para o Centro da Cidade, que encarnará nos próximos anos os novos paradigmas da cidade contemporânea: 1) escala humana; 2) escala do pedestre; 3) usos diversificados nos bairros; 3) parques lineares alagáveis ao longo dos rios; 4) ciclovias; 5) adensamento populacional para otimizar os custos dos serviços públicos; 6) uso dos andares térreos como transição entre o público e o privado; 7) a volta do bonde; 8) aumento de locais de encontro nas calçadas.
Será um reencontro da cidade com suas origens e, principalmente, com a natureza sociável e extrovertida do carioca.
Ao redor da Avenida do Binário, via paralela à Perimetral aberta para escoar o trânsito por um novo caminho, estão a Cidade do Samba, o Aquário Municipal, a nova Biblioteca Municipal e a Fábrica de Espetáculos.
A Praça Mauá está sento totalmente repaginada e nela está o Museu de Arte do Rio (MAR) e está sendo construído o Museu do Amanhã no seu pier.
A Avenida Rio Branco, antiga Avenida Central, vai ganhar também uma reformulação passando a ter mais espaço para os pedestres e uma linha de bondes circulará integrando as diversas regiões do Centro da Cidade.
É possível que existam críticas pertinentes ao projeto Porto Maravilha, como objeções ao fato da Avenida Rodrigues Alves ainda vir a comportar uma via expressa e ao abandono de outras áreas da cidade também carentes de atenção e investimentos.
Porém, é preciso reconhecer que o Rio está se movimentando para entrar numa onda que é tendência mundial: a revitalização do centro das cidades. E um novo paradigma urbanístico está emergindo disto.
Luis Felipe Tourinho, médico (lftourinho@oi.com.br)
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