Maria Luísa ficou absolutamente perdida após o derrame sofrido por sua mãe, com 87 anos, que a deixou de cama, exigindo cuidados especiais, talvez para sempre. O que fazer? Era filha única e não poderia contar com a ajuda de nenhum parente. Além de morar numa casa pequena e longe do centro da cidade, Luísa trabalha o dia inteiro e tem três filhos pequenos. Ou seja: não tinha a menor condição de cuidar da mãe. Por outro lado, não queria interná-la numa clínica para idosos e muito menos num asilo.
Assim como ela, milhares de pessoas vivem este mesmo dilema quando o pai, a mãe ou outros familiares necessitam de cuidados especiais. Antigamente era bem mais fácil. As mulheres não trabalhavam fora, as casas eram grandes e não raro as famílias moravam num mesmo endereço, o que facilitava bastante as coisas. Hoje, porém, a situação é bem diferente.
Os idosos com 60 anos ou mais formam o grupo que mais cresceu na última década. Segundo o Censo 2010, eles já representam 12% da população brasileira, nada menos que 18 milhões de pessoas. Mesmo quando não estão doentes ou acamados, muitas vezes exigem cuidados especiais e companhia. Neste cenário, a profissão de "cuidador”, ou simplesmente acompanhante, vem crescendo a olhos vistos, pelo menos no Brasil. Não existem dados, mas o mercado com certeza está em alta, pois a demanda é muito grande e falta gente interessada na profissão.
Cabe a este profissional ajudar nas atividades rotineiras dos pacientes, como a alimentação, a higiene e a administração dos medicamentos prescritos pelo médico. Já os procedimentos invasivos não são de sua responsabilidade, competem a pessoal da área médica. Os principais requisitos de um bom cuidador são mesmo a dedicação, o carinho e a habilidade para lidar com idosos. Na hora de contratar um acompanhante para alguém de sua família, estes atributos são indispensáveis. Também é importante pedir e verificar referências, pois não são raros os casos em que idosos são maltratados e até agredidos por seus acompanhantes.
A profissão ainda não é regulamentada e, por enquanto, reina uma tremenda confusão no que se refere aos aspectos trabalhistas nela envolvidos. Na prática, o que vem acontecendo é que as pessoas combinam a remuneração e o horário de trabalho, e pronto. Mas não resta dúvida de que este é um serviço que nem todas as famílias podem bancar, e nem poderia ser diferente. Além de ser extenuante, necessita de requisitos muito especiais.
O cuidador tem que estar preparado para passar noites e noites em claro, cuidar da higiene íntima do paciente e, dependendo do caso, passar toda a semana fora de sua casa. Por isso mesmo, tem mais é que ser muito valorizado — e não estamos falando apenas do aspecto financeiro, mas humano. Os familiares da pessoa que está sendo cuidada devem entender que o acompanhante está fazendo o que, talvez, eles teriam que dar um jeito de fazer. A outra opção seria interná-la mesmo num asilo ou, na melhor das hipóteses, numa clínica de idosos, sendo que esta última opção ficará ainda mais caro. Com a desvantagem de tirar o idoso de sua casa, o que certamente o deixará muito infeliz, podendo até apressar sua morte.
"A gente tem que entender que o idoso fica mais sensível, melindrado, e as mínimas coisas podem perturbá-lo”, diz Tarzira Vieira, a Tatá, que já atua como cuidadora há alguns anos. Não lhe falta serviço, muito pelo contrário. Antes de entrar para o mercado fez um curso da Cruz Vermelha e recomenda aos que estão buscando um cuidador que exijam preparo e experiência dos candidatos. "A gente lida com uma vida, e uma vida frágil, que precisa de cuidados muito especiais, por isso devemos ter noção de primeiros socorros, saber tomar uma pressão, fazer um curativo, como tratar e evitar as escaras, essas coisas.”
Ela destaca, porém, que isso não basta. O cuidador deve gostar do que faz e ser profundamente humano. "Acho que quando nascemos Deus nos colocou como cuidadores um dos outros, então esta é uma profissão linda”, declara. "A gente acaba funcionando como uma espécie de anjos, pois ficamos lado a lado com o idoso até o fim”, garante Tatá. Os olhos dela brilham quando lembra de alguns idosos que cuidou. "Eles têm coisas maravilhosas para compartilhar conosco. Costumo dizer que ninguém tem a percepção que os idosos têm. São como joias humanas”, diz.
Tatá costuma comparar os velhinhos a crianças. "Precisamos ter um jeito todo especial para lidar com eles e, sobretudo, gostar da sua companhia, de ouvir as histórias que têm para contar”, diz. Reconhece também que muitas vezes precisam ser até mais firmes que os parentes na hora de um procedimento ou das refeições, já que até por causa da doença, alguns ficam mimados e rebeldes. "O mais importante, porém, é que eles se sintam protegidos e muito, muito amados por nós”, conclui.
Nelson também tem um jeito todo especial para lidar com os pacientes que ficam sob seus cuidados. Chama todos eles de "meu neném”, puxa conversa, pergunta os nomes dos netos, as situações da vida deles, como foi sua infância e sua juventude, ouve o que eles têm a dizer, enfim. Divertido e bem-humorado, até canta e dança para diverti-los. Com isso, acaba cativando os que ficam sob seus cuidados. Já cuidou de um senhor que não saía da cama, mas era totalmente lúcido e lhe contava histórias de quando trabalhava na Leopoldina, da Nova Friburgo de antigamente. Nelson diz que nem sentia o tempo passar.
Infelizmente, nem todos são assim. Alguns são mesmo rebeldes e difíceis de lidar, até por causa da doença. Nelson garante, porém, que com jeitinho consegue cuidar de todos eles numa boa. Ele considera a alimentação a parte mais difícil do trabalho. "Eles costumam reclamar muito, querem mais sal, acham tudo ruim, é problemático”. As noites mal dormidas ficam em segundo lugar. Às vezes dá até para tirar um soninho, o mais comum, porém, é que os cuidadores passem as noites em claro.
Por essas e outras, esta é uma profissão que precisa ser bem remunerada mesmo. "Claro que a gente precisa de dinheiro, é um trabalho como qualquer outro e exige demais de nós. Muitas vezes faço plantões de 24 horas, já dobrei muitos fins de semana, isso depois de passar a semana toda fora de casa, não é brincadeira. Quem escolhe esta profissão, porém, não pode pensar só no dinheiro. Se você não tiver carinho, amor e jogo de cintura, não aguenta mesmo”, atesta.
A auxiliar de enfermagem Mônica Serrano encontrou esta profissão por acaso, quando foi cuidar do pai de um médico que já estava na fase terminal de um câncer. "Eu revezava as noites com um rapaz e durante o dia a esposa dele cuidava, o que foi muito bom para o paciente, pois assim ele se distraía e não se cansava da gente”, diz.
Agora Mônica está cuidando de uma senhora de 101 anos, que ainda anda e está completamente lúcida. "É muito tranquilo, só acompanho mesmo, supervisiono tudo, ela é uma gracinha”, diz. Nem todos são assim tão fáceis. Ela se lembra de um que, apesar de ser muito rico, era um pão-duro de marca maior. "Nem a médico ele queria ir para não gastar, para tomar banho era uma dificuldade, nem as filhas aturavam ele. Foi definhando, definhando, até morrer. Levou da vida o quê?”, questiona.
Mesmo com pacientes assim é preciso levar na maciota. "O segredo é ir conversando e fazendo, com muito tato e paciência”, diz. Ela está sempre injetando otimismo, levantando o astral da pessoa. "Digo que tinha gente na mesma situação e ficou boa, enfim, essas coisas que todo doente gosta de ouvir, eu acredito mesmo nisso”, afirma. Outro de seus segredos é repetir incansavelmente que ama aquela pessoa e não está com ela só por causa do dinheiro que está recebendo. Mônica tem um orgulho danado da profissão que abraçou. "Ajudar quem precisa de nós é uma glória”, afirma.
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