Dalva Ventura
Os alto-falantes tocam no quartel. "Equipe de salvamento a postos. Popular vítima de mal súbito caído na Rua Galeano das Neves, próximo ao posto do INSS.” Em menos de minuto, os bombeiros sobem no carro-ambulância, que se dirige a toda velocidade, abrindo caminho no trânsito até o local anunciado. Chegando lá encontram um senhor de cerca de 70 anos que, depois de receber os primeiros socorros, é levado imediatamente para o Hospital Raul Sertã. Missão cumprida. Os bombeiros retornam para o quartel.
Meia hora depois a sirene toca novamente. Desta vez, o sinistro era num apartamento em Olaria. Os vizinhos ligaram avisando que uma fumaça negra estava tomando conta do corredor e parecia não haver ninguém em casa. Já passava das 18h e o trânsito estava terrível. Mesmo com a sirene ligada os bombeiros tiveram a maior dificuldade para chegar ao local. Felizmente, o sinistro não foi tão grave. Uma pessoa da família tinha esquecido uma panela de pressão no fogo e ido dormir. Apesar de os vizinhos baterem insistentemente na porta, ninguém ouviu nada. Os bombeiros tiveram que arrombá-la para entrar, esgueirando-se no chão até chegar à cozinha. Só então os moradores — um casal e um bebê — se deram conta do risco que haviam corrido.
Pensam que acabou? Que nada! Mal a segunda equipe sai, as sirenes tocam. Desta vez tratava-se de um incêndio na mata e outra equipe, preparada com mangueiras, é acionada. E assim vai, dia após dia.
Situações como estas são rotina no Corpo de Bombeiros não só em Nova Friburgo, como em qualquer cidade. É com justa razão, portanto, que os "valorosos homens do fogo” são encarados como heróis pela população. Mais que profissionais muito bem preparados, os bombeiros são tidos como uma espécie de anjos, que aparecem nas situações mais difíceis para socorrer quem quer que esteja em perigo.
Para dar conta do serviço os bombeiros trabalham com três equipes distintas
A dura vida de um bombeiro militar
Até meados dos anos 70 o município não dispunha de uma guarnição do Corpo de Bombeiros. O 6º Grupamento de Bombeiro Militar só foi instalado na cidade em 1976, e hoje, quase 35 anos depois, não dá nem para imaginar como estaríamos sem ele. Pelas três ocorrências citadas no início desta reportagem os leitores podem ter uma ideia do quanto trabalham. Sim, os bombeiros dão um duro danado!
De segunda a quinta-feira atendem a uma média de oito a dez ocorrências por dia, englobando acidentes em geral e incêndios em matas. De sexta a domingo esta média quase dobra devido ao aumento no número de pessoas na cidade e dos acidentes de trânsito, causados em grande parte pelo uso de bebida alcoólica ao volante. Por falar em acidentes, vale destacar o quanto eles têm se multiplicado na cidade e no país. Numa média de 45 mil por ano, caracterizam uma verdadeira endemia. Os campeões, é claro, são os acidentes de motocicleta — de três a cinco por dia no município. Alguns, simples quedas, sem maiores consequências. Outros, porém, muito graves ou mesmo fatais.
Para dar conta de todo este serviço, os bombeiros militares trabalham com equipes distintas, que se integram no caso de eventos onde é necessária a participação de todas elas. Se for um atropelamento, por exemplo, seguem para o local numa ambulância. No caso de uma capotagem de veículos são acionadas três equipes. A médica, para prestar os primeiros socorros; outra de busca e salvamento, que vai procurar fazer a retirada das vítimas e abrir caminho para a equipe médica atuar; e mais uma, de combate a incêndios.
O Corpo de Bombeiros atende também emergências médicas, que ocorrem com bastante frequência — enfartos do miocárdio, envenenamentos, acidentes domésticos ou no trabalho, partos, enfim, uma gama de atendimentos deste tipo, a mais diversificada possível.
Para tanto, 18 militares se revezam por dia nos plantões, entre os quais um oficial médico, um enfermeiro e um motorista socorrista. Mas o batalhão conta ao todo com 180 militares, incluindo os destacamentos nos municípios que integram o grupamento — Bom Jardim, Cantagalo, Cordeiro e Cachoeiras de Macacu. Segundo o comandante, coronel José Ricardo Leal, eles dão conta do recado, a não ser em casos especiais, como na tragédia climática de janeiro de 2011, quando o efetivo local teve de ser reforçado.
Bombeiros do 6º GBM se preparam para tentar apagar um incêndio na mata
Poder ajudar é apaixonante
"Quem é bombeiro sente o dever de ajudar”, resume o coronel ao descrever o cotidiano da profissão. Ainda bem que eles são preparados para agir nas mais diversas situações. Ou seja, o trabalho não se encerra no quartel. Na sua vida cotidiana, mesmo quando não estão de plantão, acabam esbarrando com pessoas ou circunstâncias que demandam seus cuidados. Isso acontece tanto que alguns bombeiros já andam com um kit dentro da mochila ou do carro.
Um bombeiro desempenha a sua atividade de salvar vidas 24 horas todos os dias. Mesmo em suas folgas, ao passarem por local onde esteja acontecendo algum problema, têm a obrigação de ajudar. "Esta é a nossa missão, nosso compromisso e também a necessidade que todos sentimos de ajudar o próximo”, enfatiza.
"Já ando preparado, pois sou bombeiro. A gente incorpora isso. Duvido que a gente passe direto quando se depara com um acidente de carro numa estrada num dia em que estamos de folga”, diz o comandante da corporação, que confessa ser impossível não se emocionar com certas cenas que acaba presenciando.
Pergunto ao coronel qual o atendimento que mais mexeu com ele nesses anos no Corpo de Bombeiros. Por acaso ilustra bem o que colocamos acima. Depois de pensar um pouco, o coronel conta que passava por uma estrada quando viu um carro da corporação. Naturalmente parou para ver o que estava acontecendo. Era um incêndio numa casa de fundos, onde duas crianças haviam morrido carbonizadas. "Meu colega tinha uma filha da mesma idade que uma das crianças”, lembra, quase chorando.
Quem disse que bombeiro não chora? Pois foi com a voz embargada que o comandante do 6º GBM continuou. "Eu me emociono até hoje ao lembrar daquela cena e nem estava participando do salvamento. A gente aprende nos treinamentos a ser forte, mas baqueia em certos momentos. Pois naquele dia eu e meu colega nos abraçamos e choramos muito. A população acha que a gente é super-herói, mas na verdade somos apenas profissionais . Não somos imunes às tragédias que acontecem na nossa frente”, completa.
Dá para perceber que o coronel não gosta de ser tido como uma espécie de guerreiro e, muito menos, anjo protetor. "Somos homens comuns, de carne e osso. Apenas nos preparamos para exercer nossa profissão aprendendo técnicas eficazes que ajudam a garantir a segurança de todos e a salvar vidas”, declara.
Claro que os bombeiros acabam desenvolvendo seu senso crítico para não apenas ajudar o próximo em qualquer situação como a lidar com as emoções. O coronel José Ricardo gosta de citar uma frase dita por um colega durante um curso e que, em sua opinião, ilustra bem o que significa sua profissão. "O bombeiro é aquele que entra naquele lugar onde todos estão saindo.”
"Poder ajudar é apaixonante. Só uma pessoa que gosta de ajudar entra para o Corpo de Bombeiros. Muitas pessoas que não são bombeiros fazem atos heroicos. Todos temos potencial para isso. A diferença é que nós estudamos e somos treinados, portanto, temos melhores condições de enfrentar circunstâncias adversas”, completa.
O comandante do batalhão, coronel José Ricardo Leal, confessa ser um homem
emotivo diante de certas cenas que é obrigado a presenciar
Um médico que já participou de mais de cinco mil resgates
Para elaborar esta reportagem entrevistamos também um oficial médico, que depois de atuar 15 anos nas ambulâncias agora está atuando internamente no batalhão. O médico e hoje major Leonard Eyer já participou de mais de cinco mil resgates, e tem uma maneira completamente diferente de lidar com as emoções. "A gente não pode misturar a emotividade com o profissionalismo necessário. Ela transborda quando termina o dever, no silêncio do nosso quarto”, diz.
Dá para entender. O médico Leonard já teve que assistir a cenas terríveis. E é por isso mesmo que diz: "Se misturarmos a emotividade com o trabalho não conseguimos realizar o trabalho”, diz. Durante a tragédia que assolou a Região Serrana em janeiro de 2011, por exemplo, os bombeiros foram obrigados a ter muito sangue frio. Leonard conta que a cena que mais o marcou foi quando chegou ao Ginásio Celso Peçanha durante a madrugada para que fosse estabelecido o número preciso de mortos que ali estavam. "Estava um silêncio sepulcral e só eu contei 198 corpos perfilados”, diz. "Ali foi preciso muito preparo psicológico para não chorar”, diz.
Leonard Eyer só soube da catástrofe no momento em que se dirigia ao quartel para começar seu plantão. Ao passar pela Rua Augusto Spinelli deparou-se, perplexo, com aquele cenário de destruição. A Rua Cristina Ziede interditada, todas aquelas casas indo abaixo, um caminhão dos bombeiros dos mais modernos soterrado e os rumores de que havia quatro colegas seus ali. "Claro que já se sentia a magnitude da tragédia. Permaneci no local quase dois dias, até que fossem retirados os corpos”, afirmou.
Ele também presenciou o resgate do menino Nicholas, então com menos de 1 ano, e que permaneceu durante mais de 15 horas debaixo dos escombros de uma das casas das proximidades da Rua Cristina Ziede, amparado por uma viga de ferro, sem nenhuma lesão, alimentado apenas pela saliva do pai. "Pude assistir a um milagre, uma cena pungente, inesquecível”, conclui.
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