Atriz Neuza Amaral lança autobiografia em Nova Friburgo

quarta-feira, 13 de agosto de 2008
por Jornal A Voz da Serra

Aos 78 anos, que não faz a menor questão de esconder, a atriz Neuza Amaral continua sendo uma mulher “bela, exótica e profundamente enigmática”, como a definiu Ricardo Luiz Adriano da Silva no prefácio de seu livro recém-lançado, Deixa comigo. O livro foi lançado na quinta-feira, 7, na Universidade Candido Mendes (Ucam) de Nova Friburgo, com renda revertida para o Asilo de Idosos São Francisco de Assis, em Araruama.

O livro, que define como uma “colcha de retalhos, uma massaroca”, resume uma vida de lutas e desafios que ela sempre enfrentou “atrevidamente e com muita autoconfiança”. Recheado de fotos garimpadas através do tempo e recortes de jornal, Deixa comigo foi escrito na primeira pessoa, numa linguagem simples e muito coloquial, sem preciosismos nem pretensões de qualquer espécie. “Não quero ganhar o Prêmio Nobel de Literatura, apenas levar a minha vivência, o meu recado”, diz.

Durante a noite de autógrafos, o pró-reitor da Ucam, Alexandre Gazé, ressaltou a importância de Neuza Amaral para a dramaturgia e a política brasileiras, lembrando seu trabalho na área social e comunitária, especialmente com hemofílicos. “Neuza é uma pessoa que não se deixou endeusar pelas lentes azuladas da tevê”, destacou.

Presente ao lançamento, o filho e grande companheiro, o dentista, médico e coronel da aeronáutica Pylyp destacou as dificuldades vividas pela mãe ao longo da existência, sugerindo que ela escreva logo um segundo volume. “As pessoas que leram estão pedindo para que mamãe o complemente. Ela podia mesmo aproveitar esta veia literária que se manifestou tardiamente, pois muitas histórias ainda ficaram para contar”, diz.

No livro Neuza revela com franqueza e sem reservas a intensidade de seus afetos e desafetos. Fica claro, por exemplo, a mágoa que guarda da TV Globo, onde gravou 40 novelas. “Não obstante minhas novas funções como vereadora, coloquei-me, como sempre, à disposição da Globo. Fui sacrificada sem ser ouvida e nem cheirada pela senhora Marluce Dias da Silva, após 26 anos de casa e de sucessos, injustiças que não aconteciam no tempo do Boni. Artistas com menos tempo de casa do que eu receberam a aposentadoria da Globo, mas eu não era figurinha carimbada, tive um não redondo, totalitário. Faz-me falta, por que não? Mas, como minha mãe dizia, tem Deus para dar”.

Neuza Amaral foi não apenas vereadora, em 1989, mas secretária da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, onde implantou a política da colher de pau, em alusão à dona-de-casa, à cozinheira, à mulher. Ela realizava reuniões semanais com toda a diretoria, munida de uma enorme colher de pau e afirma, no livro, que uma vez fez um galo de verdade na testa do engenheiro Mauro Barata, de sua própria equipe. A atriz conta no livro que, simbolicamente ou não, o fato é que a colher de pau a ajudou a zerar os 4.100 processos que encontrou parados ao tomar posse.

Livro revela uma mulher intuitiva, forte, briguenta

O nome do livro saiu naturalmente. Afinal, Neuza Amaral costuma usar a expressão deixa comigo diante de toda e qualquer dificuldade que se lhe apresente. E estas não foram poucas. Ela e seu irmão foram criados por uma mãe analfabeta, que lavava roupa para fora. “Nós morávamos em cortiço, passamos miséria, comemos resto de comida da casa dos outros, mas eu nunca vi uma lágrima no rosto de minha mãe”, diz. “Apesar de ignorante, ela, assim como eu, sempre quis mais. Acordava rindo, cantando e dormia rindo, cantando, também. Era um animal, como eu também me sinto às vezes. Filha de Naninha tinha de ser assim. Intuitiva, briguenta”, conta.

A artista conta que escreveu o livro para dar uma satisfação a seus fãs, que são inúmeros, apesar de ela estar afastada da telinha há mais de dez anos. “Todo mundo pensa na Neuza cheia de jóias, que tem dois carros, casa grande e bonita, mas eles precisam saber que eu não nasci assim, que o buraco foi mais embaixo”, diz. “Meu nascedouro foi o mais humilde possível, mas eu, ambiciosa, teimosa, não conformada com o tipo de vida que tinha, dizia, eu quero mais, eu quero ir além, e ia em frente”, explica.

Neuza Amaral sempre foi muito bonita. O caricaturista Jimmy, que a retratou uma vez, escreveu embaixo de sua gravura: “Fantástica! Sem precisar de plástica. A mãe de meus sonhos de incesto. A filha de meus sonhos de maníaco. A amante de meus sonhos de luxúria”. E, bem mais sutil, o poeta Carlos Drummond de Andrade descreveu, na crônica Narizes, “a linha maravilhosa do nariz da Neuza Amaral”.

Ela começou fazendo anúncios e logo ganhou o título de “a primeira garota propaganda do Brasil”. Na época bolou a faixa branca nos cabelos e nas unhas, que voltou a usar depois da aposentadoria e chegou a registrar a dita cuja no Departamento de Marcas e Patentes. Desde então, passou a ser conhecida como a “faixa branca” da televisão, só vindo a dispensá-la quando começou a gravar telenovelas.

Foram, ao todo, 58 anos de carreira artística. Depois de um difícil começo no Rio de Janeiro, Neuza passou a fazer radionovela na cidade de São Paulo, o que impulsionou sua vida e trabalho. Ela participou da primeira telenovela diária da televisão, 2-5499 Ocupado, na TV Excelsior, em 1963. Em televisão são mais de 40 trabalhos, entre telenovelas e participações em especiais. Uma das interpretações mais marcantes da atriz foi em A grande mentira, em 1969, onde fez a personagem Veridiana , considerada a primeira grande vilã da televisão. Outro papel inesquecível foi a Nara, de Fogo sobre terra, na década de 1970, também na Globo. No cinema atuou em cerca de 20 produções nacionais. Estreou em 1967 em A lei do cão, Memórias de um gigolô, Os machões, Quem tem medo do lobisomem e Como é boa nossa empregada.

Há dez anos mora em Araruama, ao lado de seis cachorros, num paraíso particular, onde capina, cuida da horta, pomar e jardim. Ela se define como uma pessoa muito feliz. “Eu puxei a mamãe, sou alegre de manhã à noite”, diz.

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