Sessenta minutos com Leonardo Boff

segunda-feira, 05 de agosto de 2013
por Jornal A Voz da Serra
Sessenta minutos com Leonardo Boff
Sessenta minutos com Leonardo Boff

Márcio Madeira

O nome de Leonardo Boff tem lugar de destaque entre os pensadores mais controversos de sua geração, em escala mundial. Nascido Genézio Darci, há 75 anos, na cidade catarinense de Concórdia, Boff equilibra-se no difícil ponto de encontro entre a veemência e a delicadeza; entre o respeito e o inconformismo; entre as doutrinas cristãs, a ecologia e alguns valores caros ao marxismo. Ao longo de sua longa e fértil carreira, sempre se aventurou por caminhos muito próprios, unindo sob a bandeira do pragmatismo, e com a criatividade de um bricoleur, linhas de pensamento a priori contrastantes.

Cultuado e condenado pelos mesmos posicionamentos, Boff é daqueles raros personagens cuja reverência extrapola o patamar da concordância. Sua coerência, seu entusiasmo e suas crenças nas ideias que defende são inegáveis, garantindo-lhe a credibilidade necessária para cumprir a missão maior de afastar o comodismo ideológico e provocar questionamentos a quem quer que o escute.

Em passagem por Nova Friburgo, onde veio divulgar seu mais novo livro, Boff dedicou cerca de uma hora à imprensa local, antes de palestrar para o público que encheu as dependências do Teatro Municipal Laercio Rangel Ventura. Entre os temas abordados, destaque para o momento atual vivido pela igreja; a relação entre o homem e a Terra que habita; e os problemas vividos por Nova Friburgo e as demais cidades da Região Serrana desde antes das chuvas de 2011.


Muito mais do que palavras

De imediato, não é apenas a capacidade de articulação do antigo frade que chama atenção. Ao ser perguntado a respeito da melhor forma de tratamento, a resposta brota com um sorriso e dá o tom da simplicidade: "Você pode me chamar como preferir”. Em seguida, ainda com malas nas mãos e seguindo rumo à recepção do hotel onde deveria fazer o check-in, é abordado pela parte mais apressada da imprensa, sempre em busca de uma sonora exclusiva. Apesar de enfrentar essa mesma rotina há tantos anos, Leonardo Boff não ensaia qualquer oposição. Não fosse pela proteção da educadora e companheira Márcia Monteiro da Silva Miranda, a entrevista teria começado ali mesmo.

Mais tarde, já com a coletiva em andamento, ele ganha a companhia insistente de um marimbondo, voando ao redor de seu rosto. O inseto, por fim, encontra abrigo em sua longa barba, e durante alguns minutos passeia por sua face, sem provocar a menor reação. A coerência de quem há tanto tempo defende a harmonia com a natureza vai além do discurso, e se confirma em sutilezas deste tipo.

 

 


O Papa Francisco

A maior parte da entrevista gira em torno do novo Papa. Boff está nitidamente entusiasmado com a perspectiva de mudanças na Igreja, após décadas de desavenças doutrinárias com a Cúria Romana, em especial com o Papa Emérito Joseph Ratzinger. Cabe lembrar que tão logo soube da renúncia de Bento XVI, Boff declarou que o próximo pontífice deveria adotar o nome de Francisco, e restaurar a Igreja rumo aos valores originais e ao desapego financeiro, seguindo os passos do cultuado santo de Assis.

Desnecessário descrever a satisfação de Leonardo ao ver sua sugestão se realizar, não apenas no nome adotado pelo Papa, mas sobretudo na maior proximidade de Jorge Mario Bergoglio em relação à linha de pensamento que o próprio Boff defendeu durante tantos anos. E se a Teologia da Libertação continua a ter pontos estranhos ao catecismo, isso não diminui sua esperança de ver a Igreja vivenciando as ideias que brotaram e se desenvolveram na América Latina.


Ecologia e Nova Friburgo

A conversa flui naturalmente rumo à ecologia, tema que Boff vem explorando cada vez mais nos últimos anos. E, também aqui, seus pensamentos parecem encontrar interseções por vezes impossíveis. Problemas da relação entre o homem moderno e seu planeta são apresentados com o respaldo de dados científicos atualizados, sem jamais esquecer postulados da sabedoria empírica de índios ou caboclos. Estatísticas misturam-se a um convite por voltar às origens e reaprender a linguagem da terra, prestando atenção aos seus sinais e suas necessidades.

A tragédia climática vivida pela Região Serrana é abordada com a intimidade de quem a vivenciou nas três principais cidades atingidas, e serve de exemplo tanto para sua argumentação sobre a importância de uma relação de intimidade e respeito para com a Terra, como para descrever os problemas sociais que residem nas causas e nas consequências do evento. Reaprender com os animais, que perceberam o problema surgindo no horizonte, sem esquecer de cuidar dos pobres, dos desvalidos, daqueles que foram mais duramente atingidos pelo que chamou de "verdadeiro tsunami”.


Emoção

A entrevista está se encerrando, e já não se fala mais sobre religião ou o novo papa. Uma pergunta, no entanto, ainda precisa ser feita: qual a sensação pessoal de ter vivido o suficiente para ver a Igreja, na figura de seu maior líder, se aproximar das ideias que ele, Leonardo, defende há tantos anos, e pelas quais sofreu diversas condenações.

A resposta começa com um longo período de silêncio e incontida emoção. Aos poucos uma voz trêmula confessa: "Eu nunca pensei que fosse estar vivo para ver isso acontecer”.


Uma obra apressada?

Ao lançar um livro dedicado ao novo papa menos de quatro meses após o início de seu pontificado, e tendo já publicado mais de 60 obras ao longo de sua tão fértil carreira, Leonardo Boff pode passar a impressão de estar divulgando um projeto casual ou apressado. Nenhuma interpretação, no entanto, poderia se revelar mais equivocada a respeito de seu atual momento.

Se o livro "Francisco de Assis e Francisco de Roma: Uma Primavera na Igreja?” nasceu rapidamente, a causa é uma só: esta foi a obra que Leonardo Boff esperou a vida inteira para poder escrever.

 

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