O Hino Nacional Brasileiro nunca foi tão ouvido e cantado quanto nos últimos dias, por conta das manifestações de protesto nas ruas e da Copa das Confederações. Emocionados, todos nós vibramos ao entoar seus versos, mesmo sem entender muito bem o real significado de alguns trechos. Natural. Como era costume na época, muitas frases deste poema foram escritas em ordem inversa. Além disso, ele contém algumas palavras rebuscadas, de difícil entendimento, e seus versos são alexandrinos, isto é, compostos por 12 sílabas.
É uma pena. Este poema composto por Joaquim Osório Duque Estrada lindamente musicado por Francisco Manuel da Silva, que virou o Hino Nacional Brasileiro em 1922 e tanto nos sensibiliza, merece ser "traduzido” para que se possa entender melhor seu significado. Para ajudar o leitor a compreender o que o poeta quis exprimir, pesquisamos cada expressão, colocamos os versos na ordem direta. O resultado está aí. Confira.
Joaquim Osório Duque EstradaFrancisco Manoel da Silva
*Ouviram do Ipiranga às margens plácidas. / De um povo heroico o brado retumbante.
Às margens calmas do rio Ipiranga se ouviu o grito estrondoso de um herói (Dom Pedro I), que representava todo o povo brasileiro.
* E o sol da liberdade em raios fúlgidos. /Brilhou no céu da Pátria nesse instante.
Fúlgido significa brilhante. Como o autor não podia dizer "raios brilhantes” e, logo a seguir, "brilhou”, apelou para o "fúlgidos”. Ele quis dizer que naquele instante o país deixava de ser uma nação colonial, dependente de Portugal, para se tornar um novo país, autônomo e livre.
* Se o penhor dessa igualdade. / Conseguimos conquistar com braço forte. / Em teu seio, ó liberdade,/Desafia o nosso peito a própria morte!
Penhor quer dizer garantia. Com a independência, o Brasil conquistava "o penhor da igualdade”, ou seja, a garantia de que a partir daquele momento, Portugal deixava de ser superior ao Brasil. Na frase seguinte, Osório afirma que "o nosso peito desafia a própria morte”. Para ser melhor compreendida, a frase poderia ser reescrita assim: através de nossa coragem conquistamos uma igualdade de condição em relação a nossos colonizadores. E mais: se tivermos de lutar e morrer para manter esta liberdade, o povo não sentirá medo.
* Ó Pátria Amada, Idolatrada, Salve, salve!
Uma das poucas frases claras do hino. Como é de conhecimento geral, a expressão "idolatrar” significa transformar algo ou alguém em ídolo. E "salve” nada mais é que uma saudação.
* Brasil, um sonho intenso, um raio vívido/ De amor e de esperança à terra desce,/Se em teu formoso céu risonho e límpido /A imagem do Cruzeiro resplandece!
Vívido é intenso, ardente, vivo. Formoso é belo. Límpido significa transparente, claro. E resplandecer equivale a brilhar. Nesta estrofe, o poeta lembra que, a partir daquele momento, o país ainda tem muito a realizar. A comparação com o Cruzeiro do Sul, que tem a forma de uma cruz, certamente remete a Jesus Cristo e as práticas cristãs, ou seja, o Brasil está sob o amparo e a proteção de Cristo.
*Gigante pela própria natureza / És belo, és forte impávido colosso,/E o teu futuro espelha essa grandeza.
O Brasil é o quinto país do mundo em extensão geográfica, daí o "gigante”. As expressões "és belo, és forte...” foram usadas porque os poetas têm o costume de se referir diretamente às coisas, como se fossem pessoas . "Impávido” nada mais é que sem medo e "destemido” é corajoso. E não custa lembrar que "colosso” é uma pessoa ou objeto de tamanho muito grande. "Traduzindo”: Tu, Brasil, és belo, forte e graças a seu gigantismo dado pela natureza, não tens medo de nada. Além disso, no futuro será revelada a tua grandeza.
*Terra adorada, entre outras mil,/ És tu Brasil, ó pátria amada! /Dos filhos deste solo és mãe gentil,/ Pátria amada, Brasil
Embora utilize algumas inversões, este trecho é mais fácil de entender. Trata-se de uma declaração de amor ao país. Quer dizer que entre mil terras, escolhemos o Brasil, pois esta é a nossa mãe, adorada e carinhosa.
*Deitado eternamente em berço esplêndido /Ao som do mar e à luz do céu profundo, /Fulguras, ó Brasil, florão da América,/ Iluminado ao sol do Novo Mundo!
A frase "Deitado eternamente em berço esplêndido” tem gerado controvérsias. Alguns chegam a afirmar que a palavra "deitado” exprimiria a ideia de "cansado” ou "que não luta”. Duque Estrada, porém, jamais diria isso num poema destacando a grandeza e a glória do Brasil. A imagem certamente foi escolhida por ele para se referir a um país espetacular — que tinha nascido num berço de ouro. O poeta até explica a imagem no segundo verso desta estrofe, lembrando as belas praias do nosso continente e a imensidão do território brasileiro. A seguir, o autor do hino se refere a um país que brilha (fulgura) e se destaca como uma coroa de ouro no chamado Novo Mundo, isto é, no continente americano.
* Do que a terra mais garrida /Teus risonhos lindos campos têm mais flores,/ "Nossos bosques têm mais vida”,/ "Nossa vida” no teu seio, / "mais amores”.
A natureza brasileira seria mais florida que a de outras terras. Equivale a dizer que nós, brasileiros, por vivermos no Brasil, somos mais capazes de amar. Duque Estrada usou aspas no original, pois são citações de versos de Gonçalves Dias em "Canção do Exílio”: Minha terra tem palmeiras, Onde canta o sabiá... ...Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas têm mais flores, Nossos bosques têm mais vida, Nossa vida mais amores”.
*Brasil, de amor eterno seja símbolo/ O lábaro que ostentas estrelado
Ostentar é mostrar com orgulho. Lábaro era uma espécie de flâmula usada pelos romanos e estaria representada na nossa bandeira, com suas estrelas. No Hino Nacional, a bandeira é comparada a um estandarte que representaria o amor eterno dos brasileiros.
*E diga ao verde-louro desta flâmula /Paz no futuro e glória no passado
Flâmula aqui é usada como sinônimo de bandeira. Quanto ao "verde-louro” simbolizaria poder e glória, por remeter ao coroamento dos imperadores romanos. Duque Estrada diz que devemos torcer para que signifique paz no futuro e assim como simboliza glória no passado.
* Mas se ergues da justiça a clava forte/ Verás que o filho teu não foge à luta,/ Nem teme quem te adora a própria morte
Clava é um pedaço de madeira pesado que era usado como arma. No verso anterior, o poeta sonha com a paz no futuro, mas garante aqui que os brasileiros enfrentarão o que for necessário se o país tiver de lutar contra a injustiça.
*Terra adorada, entre outras mil, /És tu, Brasil, ó pátria amada! /Dos filhos deste solo és mãe gentil,/ Pátria Amada, Brasil!
Embora também utilize algumas inversões, este trecho é fácil de entender. Uma declaração de amor ao Brasil.
Curiosidades
* A propriedade plena e definitiva da letra do Hino Nacional foi adquirida por cinco contos de reis pelo decreto n.º 4.559 de 21 de agosto de 1922 pelo então presidente Epitácio Pessoa e oficializado pela lei n.º 5.700, de 1º de setembro de 1971, publicada no Diário Oficial de 2 de setembro de 1971.
* A música do Hino Nacional do Brasil foi composta em 1822 por Francisco Manuel da Silva, sendo chamada inicialmente de "Marcha Triunfal”, em comemoração à independência do país. Tornou-se bastante popular durante os anos seguintes e recebeu duas letras. A primeira, de autoria de Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, foi feita em 1831, quando Dom Pedro I abdicou do trono, passando a se chamar "Hino ao Sete de abril”, em alusão à abdicação de Dom Pedro I.
* A segunda letra, de autor desconhecido, foi interpretada pela primeira vez quando Dom Pedro II foi coroado e era executado nas solenidades oficiais que tivessem a participação do imperador.
* Depois da Proclamação da República, em 1889, foi realizado um concurso para escolher um novo Hino Nacional. Entretanto, a música vencedora ("Liberdade, liberdade! Abre as asas sobre nós!...”) foi hostilizada pelo público e pelo próprio Marechal Deodoro da Fonseca, sendo oficializada mais tarde como Hino da Proclamação da República e a música original, de Francisco Manuel da Silva, continuou como hino oficial.
* Somente em 1906 foi realizado um novo concurso para a escolha da letra que melhor se adaptasse ao hino e o poema vencedor foi o de Duque Estrada, sendo oficializado em 6 de setembro de 1922, véspera do Centenário da Independência do Brasil, pelo presidente Epitácio Pessoa.
* A parte instrumental da introdução do Hino Nacional Brasileiro possuía uma letra, que acabou excluída da sua versão oficial. Essa letra é atribuída ao então presidente da província do Rio de Janeiro, cargo hoje equivalente a governador.
Uma lei que não é cumprida
Os alunos do ensino fundamental de todas as escolas públicas e particulares de todo o país devem cantar semanalmente o Hino Nacional Brasileiro, um dos quatro símbolos oficiais do país. A lei foi sancionada pelo presidente José Alencar e publicada no Diário Oficial no dia 21 de setembro de 2009.
A ideia dos legisladores é levar o povo brasileiro a se tornar mais patriota, valorizando mais seus símbolos. Até aí tudo bem. Alguns educadores, porém, acham que o patriotismo não é estimulado por decreto. Outros alegam até que muitas escolas não possuem sequer pátios onde seja possível reunir todos os alunos para estas cerimônias. A maioria, porém, acredita que a obrigatoriedade estimula, de fato, o espírito de cidadania. Pelo sim, pelo não, o fato é que os colégios, de uma maneira geral, continuam não levando muito a sério a obrigação, limitando-se a executá-lo apenas em cerimônias e ocasiões especiais.
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