Márcio Madeira da Cunha
Poderá existir amor entre um homem e um objeto inanimado? Será possível chamar de afeto o sentimento que um colecionador nutre pelos objetos que garimpou, restaurou e acumulou ao longo da vida? E a emoção de, já adulto, reencontrar os primeiros brinquedos da infância? Eles por acaso não falavam, não tinham vida, não foram testemunhas de uma história pessoal?
Há quem diga que não, que tudo não passa de um apego materialista, de uma dedicação estéril a algo fútil, ou ainda de uma forma melancólica de fechar os olhos ao passar do tempo. A arte, contudo, é pródiga em expressões deste anseio pela humanização de objetos que alguém poderia apontar como uma manifestação direta daquilo que mais identifica a espécie humana: a vocação para criar.
Desde desenhos infantis, como o clássico Pinocchio ou as animações de Toy Story, a suspenses como Christine — o carro ciumento imaginado por Stephen King —, passando pelas comédias da série Herbie e pela ação de Transformers, são várias as histórias dedicadas a este tipo de roteiro. E note: a maioria delas utiliza automóveis como plataforma.
As razões para este tipo de fascínio são muitas. Símbolos de status e liberdade, automóveis extrapolam sua condição de funcionalidade e oferecem a jovens e adultos uma grande e poderosa gama de sonhos em potencial. Para todos os bolsos e tipos de uso sempre existirá um modelo naquela exata e estimulante faixa de preço capaz de tornar a compra a um só tempo possível e desafiadora. Um modelo que terá de ser sonhado antes de ser adquirido, que exigirá sacrifícios e, muitas vezes, uma busca paciente também. E, claro, a relação com o dono continuará estreita mesmo após a oficialização do enlace. É o carro, afinal, a grande testemunha de tantos namoros, de tantas viagens, de tantos momentos solitários...
Sonho. Esta certamente é a palavra-chave para explicar a crescente valorização deste mercado de automóveis antigos ou personalizados. Sonhos, afinal, não envelhecem, e não surpreende que esta bela frase, atribuída ao compositor Márcio Borges, tenha sido escolhida pela Associação de Carros Antigos de Nova Friburgo (Acanf) como lema do XIII Encontro de Veículos Antigos de Nova Friburgo, a ser realizado neste fim de semana, no Nova Friburgo Country Clube.
Realizando os sonhos da infância
Antônio Lugon, advogado tributarista e colecionador de automóveis nas horas vagas, explica o sentimento: “Meu pai trabalhava numa antiga concessionária de veículos Ford e eu passava todo o tempo que tinha na oficina. Adorava quando um carro novo de outra marca apresentava defeito com difícil solução e vinha o senhor Pirazzo, dono da loja, com o jargão pronto: ‘Carro bom é carro antigo, e não essas porcarias...’"
“Eu adoro carros e sou apaixonado por coisas antigas. Assim, naturalmente dei início a uma coleção de carros antigos de tamanho proporcional ao que meu bolso permitisse. É uma brincadeira de gente grande, e eu coloquei como objetivo a busca daqueles carros que eu tinha vontade de ter quando pequeno e, na ocasião, o bolso (do meu pai) não permitia. Ou seja, de uma forma bem objetiva, realizo hoje os sonhos que um dia foram adiados pela falta de grana”, diz Lugon.
A lógica, portanto, é simples e de fácil compreensão. O garoto sonha com carros em sua infância, mas só terá os meios para adquirir seu próprio automóvel anos mais tarde, quando a indústria já terá inundado as ruas com novos e mais modernos objetos de consumo. Os velhos carros que povoavam os sonhos infantis ainda rodam, mas em menor número. E os que sobreviveram acusam os desgastes do tempo, adquirindo aquele ar humilde de quem já viveu seu auge e em essência pertence a outro tempo.
Talvez, aliás, seja esta a grande identificação entre o dono e seu carro antigo. Ambos têm história e sobreviveram a dias difíceis... Ambos viveram trajetórias paralelas e — felizmente — hão de ser substituídos por gerações mais preparadas. Adquirir um carro antigo, portanto, é uma opção que tem contornos de fidelidade aos sonhos da infância, e de resgate da própria história. É algo que vai muito além da mera funcionalidade, porque traz em si outros significados. E, como vimos, é algo que também evoca lembranças de gerações anteriores.
“E a história se repete. Eu tenho em casa dois incentivadores que colocam ‘gasolina na fogueira’. São o meu filho Breno e meu sobrinho Rafael Monerath. O Rafael é um aficionado e busca ler tudo que está ao seu alcance em matéria de carro antigo, participa de todos os encontros. Assim, na medida do possível, tento alimentar essa paixão, deixando um legado a ser seguido”, diz Antônio Lugon.
“Essa questão de sonhar com os carros da infância é tão recorrente que acabou inspirando a existência de detetives de automóveis”, acrescenta Lugon. “Pessoas que se especializaram em encontrar determinados carros que, por alguma razão, marcaram a vida de seus clientes. Nesses casos, não basta comprar e restaurar um veículo igual ao que o avô tinha; é preciso comprar aquele modelo especificamente, esteja ele onde estiver”, declara.
O papel da internet
Colecionar objetos que há muito não são fabricados obviamente não é o mais simples dos hobbies. Encontrar carros ou peças específicas é algo que passa pelo estabelecimento de uma vasta rede de contatos e, neste aspecto, a internet tem sido um divisor de águas. “Eu comprei minha Kombi pelo Mercado Livre”, explica o preparador Bruno Molina Torres, mais conhecido como “Paulista”.
Referência na preparação de carros no cenário nacional, Bruno é o responsável por diversos carros premiados e tem conseguido peças e clientes através do Facebook. “Eu estou no meio do caminho entre a restauração e o tunning. Recupero carros antigos, mas costumo adaptar acessórios atuais de conforto e estética também. Neste momento eu estou preparando carros para todas as categorias do Encontro de Carros Antigos e já estou há dois meses envolvido com isso.
As dificuldades na montagem dos veículos, no entanto, são muito mais estimulantes do que desanimadoras a este público que aprendeu a cultivar a paciência. “Nada paga a alegria da realização de um projeto seu e a lembrança de cada vitória nas mais diversas etapas, que vêm desde a mera vontade, passam pela compra da ‘sucata’ e vão até a identificação e a compra das peças necessárias, além da escolha dos profissionais competentes para realizar cada fase do trabalho”, explica Antônio Lugon. “A localização de uma peça que parece colocar por terra o complemento do projeto vira um troféu. Assim, em minha opinião, o que leva uma pessoa a restaurar em vez de comprar pronto é a satisfação pessoal de realizar algo”, atesta.
Mais de 250 dessas “realizações” estarão expostas neste fim de semana (4 e 5 de maio) no Nova Friburgo Country Clube. Maiores informações podem ser obtidas na página da Acanf na internet (http://acanfrj.wix.com/home#!).
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