Laercio Ventura – trinta dias depois

segunda-feira, 04 de março de 2013
por Jornal A Voz da Serra

Nova Friburgo vem sofrendo experiências importantes nos últimos anos. Desde o remodelamento econômico da cidade, passando por situações climáticas calamitosas, até os descaminhos políticos vividos, nossa vida tem sofrido transformações verdadeiramente avassaladoras.

Além dessas questões maiores e mais abrangentes, há, também, aquelas mais pontuais, mas que tocam de forma mais profunda e, curiosamente, mais impactante.

O falecimento do jornalista Laercio Ventura é, talvez, o mais emblemático desses acontecimentos. 

A morte é parte integrante da vida. Apesar de dolorosa e carregada de emoções fortes, a experiência do falecimento de pessoas queridas é algo que não poupa ninguém. O luto e a saudade, certamente, povoam o coração dos parentes e amigos mais próximos. Despedir-se de alguém é, inequivocamente, a experiência mais impactante que podemos vivenciar.

Tanto a ciência quanto a religião, cada uma a seu modo e no seu lugar, nos ajudam a viver e, por consequência disso, nos ajudam a morrer também, com mais coragem e com maior dignidade! Isso porque a morte é consequência da vida. Ou, de outra forma, a morte é parte integrante da vida. Vida e morte são uma linha de continuidade. A morte não pode ser encarada como um ponto ao fim da vida. Isso faz dela uma tragédia sobre a qual a vida perde seu significado. A morte, ao contrário, cria a expectativa da realidade. Como não temos todo o tempo ao nosso dispor, e como não sabemos a hora de nossa morte, cada instante de vida adquire um status plenamente original: é o único que dispomos. Ou o gozamos bem, ou corremos o risco de jogar tudo fora!

Assim, morrer é uma tarefa que se constrói vivendo. A exemplo do que ocorre com a natureza—na medida que começamos a morrer no dia que nascemos, dada a provisoriedade dos sistemas vitais do corpo humano—importa-nos afinar nossa conduta de modo que cada dia vivido seja experimentado com a possibilidade de ter sido o último, sem que haja necessidade de um seguinte para corrigir alguma coisa. Quando isso ocorre, a morte ganha uma outra conotação: deixa de ser uma tragédia inevitável que nos toma de surpresa, e passa a ser uma amiga de todos os dias que nos lembra da fragilidade da vida e da importância de sua experiência radical, tanto no aspecto pessoal, como nas questões de natureza convivial.

Nesse sentido, a morte dos outros pode nos ajudar a morrer melhor! Os que amamos e já se foram podem nos servir de alerta sobre a provisoriedade da existência e, dessa forma, contribuir para que ousemos viver com mais radicalidade. Que bom seria se pudéssemos desde bem cedo enxergar a morte dessa forma e com ela nos relacionarmos sem muitos traumas. Seríamos mais sensatos e mais corajosos! Os mortos não podem ser relegados ao esquecimento dos CTIs, dos necrotérios e dos cemitérios. Precisam fazer parte de nós e conosco conviverem. Não numa relação de luto constante que deprime e impede a vida, mas como alimento antropofágico que nos dá força e ressignifica nossa existência.

Nesse sentido, o falecimento de Laercio Ventura transcende a despedida cotidiana que todos fazemos. A morte de Laercio sinaliza para o rumo que queremos tomar. Qual sacramento religioso, a despedida de Laercio representa um divisor de águas na história local.

É óbvio que houve (e ainda haverá) outras perdas significativas em nosso meio. Mas o falecimento de um jornalista, mantenedor de um jornal interiorano, de pé por mais de sessenta anos, é mais do que simples despedida. Trata-se de um sinal sobre os rumos que podemos ou queremos tomar.

Um jornal (nosso, da cidade) é o retrato da memória, da comunicação e da reflexão que fazemos, ou podemos fazer, sobre nós mesmos. E, então, manteremos o Jornal A Voz da Serra de pé?

Não é uma decisão, exclusiva, de sua direção. Tampouco é uma opção empresarial. Nem se trata, apenas, de uma questão de viabilidade econômica. Trata-se de uma opção que devemos, friburguenses, fazer como sociedade. Perder o espaço de um jornal local, com notícias que são relevantes para nosso desenvolvimento, com abertura para o debate e o contraditório, é o mesmo que calar a boca da crítica que pode salvar-nos de tantos desmandos e incoerências que já experimentamos.

Isso, todavia, é (deve ser) um esforço coletivo. Empresas, cidadãos, poder público, conselhos, associações devem, prioritariamente, concentrar seus esforços de comunicação e marketing nesse espaço. Fazê-lo sobreviver significa, também, prover-lhe de condições econômicas e infra-estruturais para tal.

A morte de Laercio Ventura, por mais triste que seja (e, verdadeiramente, é), dá seguimento à natureza da vida e sua finitude. Por outro lado, porém, qual semente que se planta e se cuida, sua morte deve nos inspirar na mobilização por uma nova Friburgo.

Não é por acaso que o palco dessa necessária e oportuna mobilização sejam as páginas (impressas e digitais) de um jornal. Um jornal que mantenham vivas a memória e a história; que noticie crítica e construtivamente o presente; e, sobretudo, espere, discuta e planeje um futuro melhor para cada Friburguense.

Que Deus acolha sua bondosa alma e conforte todos aqueles que, nestes últimos trinta dias, reaprenderam a conviver sem a sua inesquecível presença.

Prof. Ricardo Lengruber

Eng. Zury Maurer

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