Dalva Ventura
Tem coisa mais linda numa escola de samba que a ala das baianas? Difícil. A bateria pode até ser a mais empolgante. Os carros alegóricos podem ser os mais maravilhosos do mundo. Os mestres-salas e porta-bandeiras merecerem nota mil. Mas são elas, as baianas, que reinam no carnaval.
Não tem para ninguém. Os anos passam, o carnaval muda, mas a magia das baianas permanece a mesma. Aquelas maravilhosas senhoras rodopiando na avenida representam a ligação entre o carnaval moderno e os tempos românticos.
O que todo mundo se pergunta é como elas conseguem girar com tanta arte e desenvoltura com aquelas roupas pesadas e, mais difícil ainda, aqueles chapéus magníficos que muitas vezes causam até dores e ferimentos. O tal chapéu, aliás, não podia receber um nome mais sugestivo: esplendor.
Vocês sabem o que representa para uma senhora, por vezes com mais de 60, 70 anos, carregar todo este peso e ainda rodopiar e cantar durante um desfile que dura mais de uma hora? Não é brincadeira. Por isso mesmo, a cada ano aumentam as dificuldades para as escolas complementarem esta ala. Além do desconforto da fantasia, tem outro problema, ainda pior. As baianas mais idosas estão deixando de desfilar. As de meia-idade não querem sair nesta ala, que é considerada um atestado de velhice. E as mais novas, claro, querem sair de destaque, de preferência num carro alegórico, nunca na ala das baianas. É ou não é?
Seja como for, as baianas vêm recebendo cada vez mais atenção por parte dos carnavalescos e nem poderia ser diferente. Elas representam a tradição, a própria alma feminina da escola. Apesar de não serem quesitos, são obrigatórias, sob pena de perda de pontos no desfile.
A baiana mais antiga da cidade
Celice Martins, a Dona Celice, está com 83 anos, mas a idade avançada não a impede de curtir o carnaval com tudo o que tem direito. Foi uma das fundadoras da Imperatriz de Olaria e há 34 anos sai na ala das baianas da escola. Hoje, além de dirigir a ala, é membro do Conselho Deliberativo.
No ano passado, pela primeira vez, Dona Celice foi obrigada a se apresentar de baiana, mas em cima de um carro alegórico. Ficou com medo de tropeçar e cair. O problema, diz, é o piso da Avenida Alberto Braune, muito propício a quedas. “E aí, na minha idade, blau blau, não é? Como é que vai ficar o meu carnaval?”, diz.
A paixão pelo carnaval vem de longe. Sua tataravó já desfilava como baiana e a empolgação de Dona Celice conseguiu envolver o próprio marido, que no começo não ligava a mínima para isso. Hoje ele é integrante da comissão de frente da escola e seus dois filhos também seguiram o caminho do carnaval. Orgulhosamente, desfilam como mestre-sala e porta-bandeira da Imperatriz.
Lamenta que as moças mais novas não queiram sair de baiana. “Não sabem o que estão perdendo”, afirma. Ela sabe o que está falando. Conhece muito a admiração e respeito que esta ala desperta nos que acompanham o desfile. Na contramão desta tendência, Dona Celice tem incentivado muitas moças a saírem na ala e se orgulha de já ter conseguido levar uma menina de 16 anos para a avenida. Vestida de baiana, naturalmente. E adivinhem quem fez a roupa? Claro que foi ela!
Corina diz que o peso da roupa não atrapalha em nada as evoluções na avenida e garante: “Quando chego no final da avenida, me sinto leve como um passarinho”.
“Desfilar de baiana é minha paixão”
A família toda respira carnaval. E, naturalmente, a esta altura, a casa de Yeda Corguinha já virou uma espécie de barracão, com fantasias espalhadas por todo lado, confeccionadas com o maior carinho por seu filho, Alexandre Corguinha.
A mais querida, ela diz, em tom de confidência, é a de baiana da Saudade, sua escola de coração.
Yeda está com 70 anos e pisa na avenida com a desenvoltura de uma passista. Desde os 40 anos ela desfila de baiana. Sem problemas. Acha a fantasia pesada para mais velhos, mas garante que dá para suportar.
Sua paixão, porém, não se resume à Saudade, embora seja ela que faça seu coração bater ainda mais forte. É, isso sim, o carnaval, que a motiva e emociona. Desfila como destaque de chão no bloco Raio de Luar e todo ano participa “para ganhar” do concurso de fantasias. Há um mês do desfile, sua casa já fica parecendo um barracão. Seu filho, Alexandre Corguinha, também carnavalesco em tempo integral, é quem confecciona as fantasias.
Ela acredita que as mulheres mais jovens estão descobrindo a beleza da ala das baianas. “Pode reparar, tem muita coroa, mas tem muita menina de baiana. Este tabu está caindo por terra.”
Baiana da Vilage com muita honra
Comparada com as veteranas, a costureira Lenilda Pinto é uma jovem. Com 48 anos, aparentando bem menos, ela simplesmente adora desfilar nesta ala. Já saiu de baiana várias vezes, sempre na Vilage do Samba, sua escola de coração.
Toda a sua família é Vilage doente. Quando Lenilda era bem pequena e ia com os pais assistir ao desfile na Alberto Braune, ela e seus irmãos só podiam jogar confete quando a Vilage passava. Desde então, dizia para si mesma que quando crescesse iria desfilar na escola. E foi assim. Durante anos ela desfilou como passista, mas se encontrou mesmo na ala das baianas, onde já está há 11 anos.
Sua família inteira respira carnaval e está toda dentro da Vilage. O marido e o filho saem na bateria, os irmãos na harmonia, a sobrinha de destaque e ela é baiana, com muita honra. “É a ala mais bonita da escola, todo mundo presta atenção, respeita, aplaude a gente. Quer coisa melhor?”
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