Os gigantes que tombaram na Praça de todos nós

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013
por Jornal A Voz da Serra

Alda Maria de Oliveira*
Lá pelos idos, talvez meados, do século 19, mãos generosas abriram berços e neles deitaram as pequenas mudas desse milagre em verde que a Austrália socializou com todo o mundo tropical e temperado—o eucalipto. Mais de duzentas espécies ganharam o mundo, a maioria delas nas naus portuguesas e mesmo, em navios brasileiros. O território ainda se chamava Praça Dom João VI e se avizinhava com o segundo aglomerado de casas construídas para os suíços que chegaram a estas montanhas.
Plantaram eucalipto na tentativa de “secar” um dos brejos, áreas de riquíssima biodiversidade em flora e fauna, talvez porque o agrônomo que veio junto com os suíços—Nicolin escreveu que veio—pouco conhecedor das plantas tropicais não sabia que tomateiro absorve muito mais água por dia (120 litros/dia) e mais, poderia ter plantado a variedade de tomate Alcobaça, de cor alaranjada, lindamente paisagística e genuinamente portuguesa, de Portugal, selecionada por aquele país o que muito agradaria a real figura de Dom João VI. Dura anos e anos na porta das cozinhas portuguesas do interior, de onde se vão colhendo os frutos a cada dia. Imagine só.
Mas não teríamos a nossa Catedral de Eucaliptos. E como o que é vivo precisa de cuidado se descuidaram dos eucaliptos e hoje (depois que a Natureza através das chuvas da primavera passada e deste verão deu sinal derrubando seis desses eucaliptos), para preservar a segurança das pessoas, estão tendo poda, poda drástica e mesmo abate daqueles mais adoecidos. É pena, é. É triste, é. Mas é necessário.
Vi, de perto, toquei, alguns dos enormes troncos dos eucaliptos abatidos e lá estavam muitos grupos de insetos que se alimentam de madeira apodrecida, alojados em buracos traiçoeiros que tornaram as árvores fragilizadas para resistir, de pé, a nossas chuvas mais pesadas.
Lamento que não se tenha planejado o aproveitamento de parte da madeira dos eucaliptos abatidos em pequenos mimos (com o nome da cidade, da espécie Eucaliptus rotunda e a data aproximada de plantio no verso) para venda aos turistas internos e externos. E mais, não se planejou a coleta das bromélias e orquídeas hospedadas nos eucaliptos abatidos para transferi-las para outros eucaliptos da Praça ou para árvores de outro lugar escolhido. Imagine se num deles estivesse hospedada uma Gomesa glaziovii—a mais botânica homenagem do nosso querido e saudoso David Miller ao paisagista idealizador da Praça; não é uma orquídea de rara beleza mas de extrema delicadeza. Quem sabe um dia, o visitante passeará na Praça lendo o nome das árvores lá existentes, dos arbustos, das flores, das bromélias e orquídeas visitando o marco geodésico, marco que faz Nova Friburgo absolutamente especial dentre os 92 municípios fluminenses—somos exatamente o centro geodésico do estado, isto quer dizer, aqui na nossa Praça Getúlio Vargas fica o centro do Estado do Rio de Janeiro.
Fiquei na Praça neste domingo que passou catando algumas relíquias com a devida autorização de quem levou embora, por direito em cláusula contratual, os eucaliptos cortados encontrando e conversando com as mais variadas pessoas que contaram as mais diferentes histórias e estórias dos eucaliptos centenários. 
Teve a senhora fina e educada que lamentou o “massacre” das árvores pois o avô ajudou a plantá-las no início do século passado; as duas senhoras que elogiaram a poda e pontuaram que agora já se podia ter o sol no centro da praça e vislumbrar algumas montanhas; o senhor que passou dizendo que deviam ser cortados todos os eucaliptos e plantar flores muitas flores o ano todo; a senhora que recolhia galhos de azaleias que se quebraram por ocasião da queda dos eucaliptos para replantar em casa—deverão “pegar” todos eles pois a lua não poderia ser mais apropriada nesse início de crescente; a amiga Irene que sempre fez da Praça o seu lugar de encontro consigo mesmo e com os outros; um senhor com um grande conhecimento sobre a história da Praça e da cidade que partilhou parte dele conosco e a senhora de vestido muito colorido que posava para foto num dos enormes troncos que apresentava ao mundo uma gradação de cores dignas da prancheta dos estilistas que se deliciariam com ela nas estampas da próxima estação.
Alguns eucaliptos tombaram, se foram, mas ficamos nós que seguramente podemos plantar novos eucaliptos e construir políticas públicas de cuidado com eles, principalmente podas que o laudo técnico-científico de nossos profissionais emitirem colaborando para que os gestores do município, em especial a nossa premiada defesa civil, possam sempre cuidar para que a segurança das pessoas que fazem da Praça Getúlio Vargas um dos seus espaços de sociabilidade fique assegurada. Nossos netos e netas e as demais gerações chegantes saberão ser gratas como nós somos hoje aos que um dia plantaram nossos eucaliptos, nossos maravilhosos gigantes. Continua sendo tarefa de todos e de todas.

*Engenheira agrônoma pela Universidade Federal de Pelotas, RS; M. Sc. pela Universidade de Londres; especializada em Engenharia Ambiental pela Universidade Cândido Mendes e membro da Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Nova Friburgo.  
aldah.olive@bol.com.br                                              

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