Dalva Ventura
Houve um tempo—e bota tempo nisso!—em que a Câmara de Vereadores era denominada “Câmara Municipal dos Homens Bons”. A expressão “vereadores” sequer existia. Sem entrar em julgamentos de mérito, hoje, dificilmente os vereadores seriam conhecidos e reconhecidos por este adjetivo. Como o nome sugere, os “homens bons” eram líderes comunitários, pessoas que exerciam diversas funções em suas comunidades, movidos unicamente por amor à coletividade e o desejo de servir ao próximo.
Desde que a Câmara Municipal foi instituída em Nova Friburgo, em 1820, os vereadores nada recebiam para exercer o ofício de representantes de sua coletividade. Davam a sua contribuição pessoal à administração da cidade sem qualquer remuneração. Hoje, a realidade é muito diferente. Um vereador ganha R$ 7.300 reais por mês, tem direito a três assessores, gabinete, carro oficial à disposição e outras benesses pagas com dinheiro público. Não sem razão, centenas de pessoas passaram a pleitear uma cadeira na Câmara, na tentativa de fazer carreira na política. E o movimento contra o aumento do número de vereadores acabou dando em nada.
Atualmente estão inscritos nada menos que 335 candidatos a vereador nas próximas eleições. Em tempos idos, os partidos tinham a maior dificuldade para compor uma chapa, como afirmou dona Laura Milheiros de Freitas para A VOZ DA SERRA em 2004. Ela foi a primeira mulher a ocupar um cargo de vereador no Estado do Rio, exercendo a função por diversos mandatos. Dona Laura nunca aceitou que um vereador tivesse vencimentos e deixou de se candidatar quando o exercício da vereança passou a ser remunerado. “A função pública não pode redundar em ganhos pessoais”, dizia esta grande líder comunitária e política, que chegou a recusar um cartório oferecido pelo então governador Roberto Silveira.
Sem salário, sem assessor e nem carro à disposição
O ex-vereador Dirceu Spitz, importante líder político do distrito de Lumiar, hoje com 85 anos, também foi vereador por vários mandatos seguidos—seis ao todo, de 1967 e 1993—sendo que nos dois primeiros, sem nada receber. Depois é que começou a haver uma gratificação, diz ele. Mesmo assim, ressalta, apenas uma ajuda de custo—o equivalente a cerca de uns R$ 1.000 em valores atuais, calcula ele, não mais do que isso.
“Hoje, ser vereador é uma profissão como qualquer outra. Naquela época, só podia ser vereador quem tivesse uma fonte de renda, porque mesmo no período em que nós recebíamos alguma coisa, era uma quantia muito pequena, não dava para sustentar a família. Quem era eleito continuava trabalhando, não podia parar não. Hoje é emprego mesmo”, compara.
Na primeira vez que se elegeu, Dirceu estava com 41 anos, mas desde os 14 anos, acompanhava seu pai na política. “Eu sempre tive tendência para isso e como Lumiar não tinha recurso algum, procurava atender o povo em suas necessidades: levava para o hospital, para a maternidade, as pessoas batiam na nossa porta quando precisavam de alguma coisa”, lembra.
O ex-vereador conta que fazia tudo isto em seu próprio carro, sem pensar em receber nada. Seu partido era o PSD (Partido Social Democrata), que depois virou MDB (Movimento Democrático Brasileiro) e, mais tarde, PMDB. Foi eleito vereador seis vezes, a primeira em 1967, exercendo a função por 26 anos consecutivos. “Havia duas sessões por semana, como hoje, e eu passava mais tempo na estrada do que em casa. Tinha de dormir na casa de meu concunhado na cidade, só voltando para Lumiar no outro dia de manhã”, continua.
Atualmente, Dirceu Spitz mora com a filha e um de seus filhos numa casa na Vila Amélia, mas passa os fins de semana em sua casa, no centro de Lumiar, onde continua exercendo uma importante liderança. Ele faz questão de ressaltar que, antigamente, ser vereador era bem diferente. “Éramos uma espécie de prefeito, de administrador. E a gente trabalhava mesmo, lutava pelos nossos ideais e pelo interesse do povo”, diz, contando que organizava muitas comissões para ir até o governador brigar para conseguir atender as necessidades dos eleitores. “A estrada Mury-Lumiar foi asfaltada graças aos esforços de um grupo de vereadores que eu organizei para ir até o governador Chagas Freitas explicar por que ela era tão necessária”, diz.
Sem querer criticar ninguém nem entrar em polêmicas, Dirceu Spitz acha que falta “vontade de trabalhar” aos vereadores atuais. “Na minha modesta opinião, um vereador não precisava ter tantos assessores nem fazer tanta indicação, moções e projetos de lei que não dão em nada”, conclui.
O ex-professor Benício Valladares, hoje aposentado, foi eleito vereador pela primeira vez em 1966, pela Arena. Na época, o presidente Castelo Branco havia cortado os subsídios dos vereadores através do Ato Institucional nº 2, promulgado em 27 de outubro de 1965. Estes foram restabelecidos em 1975 pelo presidente Ernesto Geisel. Benício concorreu, portanto, sabendo que a função não seria remunerada, pelo simples prazer de ser útil à sua coletividade. “Era mais ou menos como ser presidente de um clube, a gente aceitava a candidatura porque o partido indicava nosso nome e queríamos servir, colaborar com o município”, diz. Benício destaca que, na época, era difícil preencher uma chapa, porque poucas pessoas tinham o desprendimento necessário para “trabalhar sem receber”.
O ex-vereador, que exerceu a função durante 22 anos, conta que a Câmara, na época, tinha apenas seis funcionários. “Nenhum vereador tinha assessor nem carro à disposição como hoje. Quando havia alguma reunião no Rio de Janeiro, íamos num carro da prefeitura”, diz. Ele acha que a Câmara, hoje, está “inchada” demais, com mais vereadores do que seria necessário. A remuneração, a seu ver, também é alta demais. “Fica muita gente querendo ser vereador sem pensar no bem do município mas no seu próprio bem.”
O fato é que a partir do momento em que o cargo de vereador começou a ser remunerado, a disputa por uma cadeira na Câmara se acirrou. Até então, só podia ser vereador quem, além de líder comunitário natural, tivesse uma boa condição financeira e disposição para dar sua parcela de contribuição na administração pública. Assumidamente ou não, a função passou a ser vista como emprego. Tanto que o tempo que o vereador não recebeu subsídios pode ser contado para a aposentadoria. Muitos deles requereram certidão do tempo em que exerceram o mandato para juntar como tempo de serviço prestado. Também foi aberta a possibilidade de os vereadores receberem indenização junto à Comissão de Anistia do Governo Federal para receber os valores correspondentes ao período em que exerceram o cargo sem receber subvenção. No fim, porém, os processos foram indeferidos.
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