Maurício Siaines
Friburguense nascida em 1969 e mãe de três filhas, Gil Panisset chegou à idade adulta em plena crise da indústria da cidade, no momento em que um modelo de sociedade chegava ao fim e que a necessidade de mudança se fez presente. Assim, tornou-se uma agente dessa transformação em que as mulheres foram decisivas, criando soluções a partir do desemprego. Foi a mão de obra feminina, principalmente, a força inicial do que hoje se chama de produção de moda íntima como característica da cidade.
Gil construiu seus caminhos e hoje é uma pequena empresária, dona de um salão de beleza no Paissandu. Recebeu A VOZ DA SERRA na última segunda-feira, 23 de julho, para falar do que tem colhido de sua experiência. Abaixo, trechos dessa entrevista.
A VOZ DA SERRA – Você, quando começou a trabalhar, chegou a viver o período da cidade organizada principalmente em torno da indústria?
Gil Panisset – Não, não cheguei a viver essa época.
AVS – E seus pais?
Gil – Meu pai foi motorista de ônibus e caminhoneiro, foi muita coisa. Ele hoje está com 72 anos e continua trabalhando. É uma pessoa muito ativa. E sempre cuidou muito da família. E essa coisa de cuidar da família era [papel] realmente do homem, o homem é que bancava tudo. Depois, quando começaram essas mudanças [na vida da cidade], minha mãe foi trabalhar na [fábrica] Filó. Ficou lá cinco anos e depois se aposentou por um problema de saúde. Era costureira. Eu não tive muito estudo, só o primeiro grau, e fui trabalhar em confecção. Trabalhei como embaladeira, depois passei a costureira. Mais tarde, já sabendo fazer unha e trabalhando nos finais de semana com isto, resolvi não trabalhar mais em confecção. Tinha as crianças pequenas. Aí comecei a trabalhar em casa, fazendo unhas, vendendo bijuterias, fazendo bijuterias. Sempre fiz o meu dinheiro, nunca fiquei parada. Já era manicure e fiz um curso de depilação e fui trabalhar em meu primeiro salão, aqui no Paissandu. Trabalhei ali uns três anos e fui contratada pelo Jonas Coiffeur, no Cadima Shopping, e fiquei ali nove anos. É um salão conhecido, grande. E aí, disse para mim mesma: “Agora chegou o momento de eu ter meu espaço”. Tinha sempre lutado por isto. E aí meu cunhado ofereceu ajuda e fomos comprando as coisas e montamos tudo em 20 dias e estou aqui desde novembro de 2011.
AVS – E você tem a perspectiva de ampliar o salão para outro lugar, não é?
Gil – Tenho. E neste ano, porque o espaço está ficando pequeno. Estamos precisando de um espaço maior. É que hoje as mulheres fazem as unhas no início da semana para trabalhar a semana toda. Pois todas trabalham, então todas querem estar arrumadas para trabalhar.
AVS – Ou seja: está tudo diferente do tempo de sua infância, não é?
Gil – Tudo diferente! As mulheres faziam unhas com manicures em casa, uma vez por mês.
AVS – Então, tornou-se mais importante esse cuidado com a aparência, com a beleza. Isto é mais das mulheres do que dos homens?
Gil – Antes, era mais das mulheres. Agora está crescendo, também, o lado masculino. Tenho muitos clientes homens. Desde os 14 anos até um de 90 anos.
AVS – E o que esses homens procuram?
Gil – Fazer unhas, das mãos e dos pés. Para se cuidar mesmo. Limpam sobrancelhas, tiram aqueles pelos das orelhas. Todo mundo se cuida. Os meninos se preocupam muito, agora, com as sobrancelhas. Dizem que agora há um tipo entre os homens que é o metrossexual. Eles se preocupam mesmo com a aparência, usam cremes. É aquele homem que disputa o espelho com a mulher. Sexualmente, ele é heterossexual, mais, na beleza, disputa com a mulher. Até trocam cremes. Hoje em dia não há mais idade para a pessoa se cuidar.
AVS – E esse “cuidar-se” diz respeito à aparência. As pessoas se sentem bem por planejar a própria aparência, é isto?
Gil – Planejar a aparência, de 15 em 15 dias arrumar tudo e ficar direitinho. E eles se arrumam mesmo. Até gastam mais do que as mulheres: com eles não tem problema de preço, nunca pedem desconto, sempre pagam pela tabela. Antigamente tinham vergonha por estar no mesmo espaço que as mulheres. Hoje, é tranquilo, sentam à minha mesa ali enquanto as mulheres estão cortando os cabelos aqui e batendo papo. E entram na conversa, são bem informados, também.
AVS – A conversa em um salão é uma coisa muito interessante. As antigas barbearias já eram lugares também de conversas.
Gil – Tenho clientes que gostam que marquem horários próximos aos de outros e fazem uma espécie de reunião. Por meu salão fazer um tipo mais aconchegante, as pessoas vêm, trazem uma lanchinho, reúnem-se e esperam a hora, enquanto outros não vão embora, vão tomar um café, um chá, comer um biscoitinho.
AVS – A pessoas vêm se encontrar, como se fosse um clube?
Gil – Vêm se encontrar. É incrível! E é muito bom isso, é saudável. As pessoas não falam da vida de ninguém, mas falam da própria vida, de seu cotidiano. E os homens também, quando estão presentes entram na conversa, falam sobre novelas, sobre futebol, falam sobre tudo. É muito bom!
AVS – Novela e futebol são coisas parecidas, não são?
Gil – São coisas parecidas. Eu não gosto de assistir [a jogos de] futebol, mas às vezes dou uma olhada, porque tenho que estar informada, porque o cliente chega e comenta. E é uma coisa que todo mudo acompanha, é incrível! Vai ter [campeonato] brasileiro não sei de quê, jogo não sei de quê; e as pessoas acompanham igual à novela. Tem gente que chega querendo fazer a unha antes do horário da novela. Ou tenho que ter uma TV porque alguns clientes vêm no horário da novela. Até novela da tarde, que já é reprise, as pessoas gostam.
AVS – Pois é comenta-se que o Ronaldinho Gaúcho estava jogando mal pelo Flamengo e agora joga bem pelo Atlético Mineiro, que o Seedorf veio para o Botafogo ...
Gil – Tudo isso se comenta. Semana passada foi [a relação] da Carminha com a Rita [na novela Avenida Brasil, da TV Globo], a semana inteira. E todo mundo sabia [pelo menos] uma parte.
AVS – Diz-se que “a culpa é da Rita” até para explicar as derrotas do Flamengo ...
Gil – Isso pegou. Hoje tenho que estar sempre conectada porque alguns clientes marcam [seus horários de atendimento] pelo Facebook. E ali, no Facebook, são muitas as frases da Carminha falando da Rita. Até mesmo: “Esse frio todo é porque a Rita quer nos matar congelados”, ou “o Flamengo jogou mal por causa da Rita”.
AVS – As coisas vão se misturando ...
Gil – Misturando. São duas coisas dos homens e das mulheres. Antigamente, os homens gostavam de futebol e as mulheres viam suas novelinhas. Isto, quando era possível, quando não tinha jogo.
AVS – Hoje, o horário do jogo na televisão ...
Gil – ... é depois da novela. E aí já fica todo mundo junto para ver a novela e o jogo.
AVS – E tudo isso se reflete aqui, neste ambiente?
Gil – Tudo isso se reflete aqui, é incrível. É muito legal! Tenho clientes que dizem que querem passar o dia inteiro aqui. Às vezes, é um cliente que chega com um problema e você acaba ajudando. As pessoas estão carentes de serem ouvidas.
AVS – Você percebe isto aqui?
Gil – Percebo, as pessoas precisam ser ouvidas. E sentar e ouvir outra pessoa é muito difícil. E prestando atenção ao que a pessoa está falando porque depois ela vai te perguntar o que você achou. Eu aprendi a ouvir. E isto foi importante até para minha vida familiar. Antes, eu não ouvia o que minhas filhas diziam. Quem estava com a palavra era sempre eu: a mãe sabe tudo. Mas não sebe nada, é preciso ouvir os filhos para se poder entendê-los e conhecê-los. E o meu trabalho foi fundamental para isto. Todo mundo diz que manicure é fofoqueira, mas eu não levo esse título.
AVS – Você não alimenta a fofoca, mas as pessoas procuram?
Gil – Procuram e eu vou cortando. Aprendi isso, a ir cortando. É ouvir e discordar. Muita gente não discorda por medo de perder o cliente.
AVS – Você entende, então que isto compõe um estilo?
Gil – Muita gente me procura e diz que sou profissional. Aí fui procurar saber o que é ser profissional. Na visão de minhas clientes é elas sentarem, contarem um problema e saberem que aquele problema não vai sair dali, vai ficar comigo. Uma cliente me diz que é um dom que eu tenho, não levar adiante o que eu ouço. E—como já trabalhei em salão grande—já vi coisas assim provocarem muitos problemas, com marido, filho, mãe.
AVS – E as pessoas tomam decisões para a vida a partir dessas conversas, resolvem o que comprar ou em quem votar não é?
Gil – Tem pessoas que chegam e eu ajudo a decidir qual carro vai comprar. Pedem-me essa opinião, embora eu não entenda de carros. Aí, como tenho outra cliente que entende do assunto, digo: “Fulana vai poder te ajudar, vou perguntar a ela”. Faço a ponte.
AVS – Embora você não venda um produto tido como de primeira necessidade como a comida, algumas pessoas podem até deixar de almoçar para virem ao salão. Então, o seu serviço está presente no dia a dia, faz parte da vida econômica da cidade. Nesta condição, o que você tem percebido dessa vida nos últimos tempos?
Gil – Melhoras, desde um mês e pouco atrás. Naquela tragédia [de janeiro de 2011] muita gente perdeu muita coisa.
AVS – As pessoas perderam muita coisa e perderam o ânimo também?
Gil – Muitas pessoas. Tive clientes que entraram em depressão, pararam de fazer unha, cabelo.
AVS – Você percebeu essa mudança para melhor...
Gil – ...de junho para cá. No início do ano ainda estava bem fraquinho.
AVS – Você é uma pessoa formada pela vida no trabalho e é também uma empreendedora. Como se combinam essas duas coisas?
Gil – É difícil, porque você tem que estar trabalhando e controlando tudo, o que entra e o que sai. Apesar de não trabalhar com venda de produtos, preciso repor [os produtos usados]. Então, tenho que calcular direitinho, ter os produtos, todas as coleções que saem.
AVS – A pessoa que está direto no dia a dia na produção ou da oferta do serviço, às vezes, deixa de se preocupar com a organização do trabalho e com a própria qualificação. Como você vê isto?
Gil – Sempre ofereci essa diferença. Já era uma coisa minha. Desde quando era empregada, sempre quis mostrar bons produtos, sempre fiz atualizações, por mais que as pessoas dissessem que manicure não tinha que fazer atualização.
AVS – E o que são essas atualizações, cursos?
Gil – São cursos, não aqui em Friburgo, no Rio, ou pela internet. É preciso estar atualizado, se não, fica-se para trás.
Chego aqui às 7h30, gosto de ser eu mesma a limpar a deixar o café pronto. Tenho estar em paz para poder transmitir paz.
AVS – Embora ofereça um serviço concreto, você lida com as diversas inclinações, sentimentos e fantasias das pessoas, isto é com esse aspecto não material do dia a dia. O que você poderia dizer sobre a alma de Nova Friburgo?
Gil – Friburgo é muito bonita. Quando se para para olhar ... sentar em um banco e ficar olhando as pessoas passarem e pensar no que elas vão fazer ... a alma de Nova Friburgo são, realmente, os trabalhadores. E Friburgo tem a alma bem doída e agora acho que está se curando, se renovando, acredito nisso.
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