Jornalismo em época de mudanças

quarta-feira, 04 de julho de 2012
por Maurício Siaines
Jornalismo em época de mudanças
Jornalismo em época de mudanças

Maurício Azêdo, presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), praticou jornalismo desde 1956, condição que lhe permitiu acompanhar mudanças na vida social do país, assim como as diversas transformações vividas pelos meios de comunicação. Ele recebeu A VOZ DA SERRA, na sede da ABI, no centro do Rio de Janeiro, na última sexta-feira, 29 de junho, ocasião em que tratou de diversos assuntos, como a relação da internet com outros meios de comunicação, sobre o jornalismo e a política, e a regulamentação da profissão de jornalista.

Sobre os duelos políticos travados através dos jornais e das diferentes mídias, acha que “não é novidade” e que até há “uma diminuição da presença da política no jornalismo”. Sobre a regulamentação e o controle da profissão de jornalista, diz que “a ABI tomou posição contra a criação do Conselho Federal de Jornalismo [proposto em 2004 e desarquivado na Câmara Federal em 2011] por um aspecto essencial que diferencia nossa atividade profissional de advogados, médicos, fisioterapeutas, porque o jornalismo se dá no campo das ideias, trava-se no campo da informação, que não pode ser objeto de cerceamento e condicionamento”.

Diz também ser posição da ABI que “a atividade profissional dos jornalistas deve exigir formação em nível superior porque o exercício do jornalismo pressupõe a exigência do domínio de técnicas e de concepções, inclusive do ponto de vista da ética, que só as faculdades de comunicação podem proporcionar”. Diz ainda que, antigamente, a formação dos jornalistas era feita nas redações, mas que estas, hoje, “não têm a mesma conformação”, lembrando que “os jornalistas, em uma redação moderna, nem se comunicam”.

Abaixo, trechos da entrevista.

 

A VOZ DA SERRA – Fale um pouco de sua carreira como jornalista.

Maurício Azêdo – Comecei no jornalismo primeiro como amador, fazendo uma seção estudantil para o diário comunista Imprensa Popular, no ano de 1956, sob o título Movimento Estudantil; depois fui tradutor do espanhol de uma publicação também do Partido Comunista, chamada Democracia Popular; depois voltei como repórter ao jornal Imprensa Popular. Na crise provocada pelo chamado relatório Kruschev, no XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, abriu-se uma dissidência no jornal e o grupo da direção do partido, que fazia silêncio sobre o relatório secreto do [secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética, Nikita] Kruschev, conseguiu expelir os que se opunham e defendiam a abertura das discussões sobre o relatório. Aí, me afastei do jornalismo por um tempo, até 1958, quando voltei, depois de ter trabalhado como escriturário em uma empresa privada, a Companhia Internacional de Seguros. Através de um tio, que foi professor da Faculdade de Direito, Joaquim Pimenta, consegui uma apresentação para o jornalista que dirigia o Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, o Luiz Paulistano, que me deu uma possibilidade de trabalho, primeiro como noticiarista da seção internacional, depois, assim que se abriu uma vaga, como repórter da geral. E aí, engajei-me profissionalmente no jornalismo, fiz o curso de Direito, mas quando me formei verifiquei ter um enraizamento e uma receita econômica no jornalismo que dificilmente obteria de imediato na advocacia. Então, prossegui na atividade profissional de jornalista e trabalhei em, pelo menos, sete jornais diários do Rio de Janeiro: o Jornal do Commercio, o Diário Carioca, o Jornal do Brasil, a Última Hora, o Jornal dos Sports, o Diário de Notícias e o O Jornal. Trabalhei, durante algum tempo, como chefe de reportagem da sucursal no Rio de Janeiro do O Estado de São Paulo e trabalhei também em São Paulo na revista Placar, de que fui um dos fundadores, junto com o jornalista Aristélio Travassos de Andrade e o jornalista Paulo Patarra, ambos falecidos; e trabalhei uns dois meses na Folha de São Paulo, quando a direção da Editora Abril resolveu diminuir de forma radical a equipe de Placar. Alegavam que os salários eram muito altos e eles queriam um projeto mais econômico. Aí, demitiram praticamente toda a equipe. E prossegui no jornalismo até 1983, quando, a instâncias de amigos, concorri a vereador na cidade do Rio de Janeiro, elegi-me [em 1982] pela legenda do PDT [Partido Democrático Trabalhista], exerci três mandatos de vereador, entre 1983 e 1996 e, por fim, fui escolhido pelos vereadores para integrar o Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro. Encerrado o mandato, os companheiros me convidaram a disputar a eleição na ABI por uma chapa de oposição, em abril de 2004. Aceitei o desafio, concorri, ganhamos e nos elegemos pela chapa Prudente de Morais Neto—que foi o grande baluarte da defesa dos direitos humanos através da ABI, nos anos 1970, principalmente a partir do episódio do assassinato do jornalista Vladimir Herzog, no Doi-Codi de São Paulo, em 1975. Nas duas eleições subsequentes, indicado como candidato, fui reeleito.

 

AVS – O que você acaba de relatar dá conta de uma vivência de todas as alterações mais importantes do jornalismo brasileiro. Em que jornal você estava, por exemplo, na ocasião do golpe de 1964?

Maurício Azêdo – Na Última Hora, como redator copidesque, e como secretário de redação do Semanário, um jornal político criado e dirigido pelo jornalista Osvaldo Costa, que fazia uma defesa vigorosa dos interesses nacionais e, na época, a defesa das reformas de base propostas pelo então presidente João Goulart. No Semanário, chegamos a editar um número que deveria circular no dia 1º de abril de 1964. Embora com os originais na oficina, esse jornal não chegou a ser composto nem impresso.

 

AVS – Você usou a expressão “ser composto” para designar tudo que se fazia entre a redação e a impressão das matérias jornalísticas. Hoje estamos vivendo essa época em que tudo isto se simplificou e existe a internet. Fale um pouco dessas mudanças a que você assistiu e sobre o que você pensa das perspectivas.

Maurício Azêdo – Fui contemporâneo do começo dessas transformações na forma de fazer jornalismo diário no Rio de Janeiro. Lembro-me de que, na Imprensa Popular, nosso editor, o jornalista Nélson Lontra Costa, queria que a página de geral da cidade do Rio de Janeiro, feita por nós, tivesse como padrão, referência e inspiração o Diário Carioca, que tinha introduzido o lide no Brasil, da técnica norte-americana, e criado, através do jornalista Luiz Paulistano, o sublide. Então, o Lontra procurava nos iniciar nessa nova técnica com extrema competência, porque, além de observador, ele era um intelectual, um jornalista que veio de Campos em 1950 e se radicou no Rio de Janeiro até seu falecimento nos anos 90.

Nós acompanhamos essas transformações, inclusive com a modificação da imprensa do ponto de vista tecnológico: a substituição da chamada composição a quente, feita através das linotipos, máquinas que serviram durante mais de um século no mundo inteiro à imprensa, e impressão em rotativas. Havia uma marca de rotativas famosa na época, que parecia dominar o mercado de impressoras, a Marinoni. Assistimos também à implantação, primeiro através da Folha de São Paulo, do sistema de composição fria. As páginas eram diagramadas na redação, projetadas graficamente. Até que, posteriormente, em meados dos anos 1980, esse sistema foi substituído por aquele que atualmente predomina na imprensa em geral, a editoração eletrônica. E aí criou-se e está em curso o advento da técnica do jornalismo eletrônico através da internet. Essa discussão está em curso no mundo inteiro e também aqui no Brasil. Pessoalmente, partilho a ideia sustentada por jornalistas e estudiosos do processo de comunicação de que a internet não constitui uma ameaça ao jornalismo impresso, tradicional. Porque o jornalismo tradicional depende da captação da notícia em numerosas fontes e, por mais recursos que se apliquem ao jornalismo eletrônico, através da internet é impossível instituir-se um sistema de captação de informação como o mantido pelos veículos tradicionais.

Por outro lado, há um argumento de muitos estudiosos, observadores e jornalistas, segundo o qual nenhum meio de comunicação eliminou o meio de comunicação precedente. Quando houve o fastígio da televisão, houve quem achasse que ela iria constituir uma forma de esmagamento e conduziria ao desaparecimento do rádio como meio de comunicação jornalística e isto não ocorreu. Assim como, agora, os meios eletrônicos não podem substituir nem o jornalismo tradicional nem o feito através da televisão, que têm um ritmo, uma intensidade e uma força junto à sociedade e à opinião pública que a internet levará muitos anos para superar e se constituir em uma forte concorrente.

 

AVS – E o jornalismo do ponto de vista econômico?

Maurício Azêdo – O jornalismo impresso exige uma massa de capital de que nem todo empresário, nem todo grupo econômico, dispõe nem tem interesse em investir, exatamente por haver uma exigência de grande capital e o retorno desse capital ser muito baixo. Inclusive, lembro-me que aí por meados dos anos 1970, em avaliações que fizemos aqui na ABI, verificávamos que aqui, na cidade do Rio de Janeiro, mesmo jornais poderosos como O Globo e o Jornal do Brasil tinham um retorno de capital, lucro sobre os recursos aplicados, muito baixo. Se as empresas investissem em qualquer outro ramo teriam uma lucratividade muito maior do que a proporcionada pelo jornalismo. O que mantinha e manteve a atração pelo jornalismo é que o jornalismo representa poder. Então, na verdade, havia um sacrifício da possibilidade de obtenção de lucros diretamente no jornal, mas isto era compensado pela obtenção de um poder, que inclusive se manifestava na possibilidade de investimentos em outros negócios e outras atividades empresariais. Um exemplo disto foi O Globo, que deu um salto, não só através da criação da TV Globo, mas também pelo tino empresarial de seu dono, o Roberto Marinho, que em determinado momento tinha aplicações e recursos investidos em uma série de negócios, inclusive na geleia de mocotó. Então isto se reflete na situação de jornais locais porque a possibilidade de circulação é muito limitada e a aplicação de recursos não teria a contrapartida necessária.

 

AVS – Mas a internet pode deixar ao jornal impresso determinadas questões e se voltar para outras, com um custo muito menor, não é?

Maurício Azêdo – Penso que, tal como o rádio, a internet tem a possibilidade de fazer a informação chegar logo ao público, porque há uma certa instantaneidade, é fácil acionar o computador e botar uma informação no ar, digamos assim, e isto ser objeto de alcance de um número de pessoas muito maior do que um veículo impresso. Mas tenho comigo que, para questões de maior fôlego, o meio internet não oferece a possibilidade de manutenção de um nível de leitura porque se torna cansativo o processo de leitura de uma matéria muito extensa. Então, neste aspecto, lembro que assisti, há uns três ou quatro anos, a um debate, de que participava o jornalista Ancelmo Gois, que tem a coluna mais lida de O Globo, e talvez uma das mais lidas da imprensa brasileira. Posto diante desse confronto entre jornalismo impresso e jornalismo eletrônico, ele declarou sua confiança e sua preferência pelo jornalismo impresso porque, disse ele, “nunca vi uma informação importante, ou um assunto importante, um furo de reportagem significativo, ou algo que tivesse influído significativamente nos destinos do Brasil, através de uma notícia na internet”.

 

AVS – Estamos lidando com questões que requerem grandes discussões, mas nosso espaço é limitado. Você teria alguma coisa especial que gostaria de dizer ainda aqui?

Maurício Azêdo – Penso que caberia uma afirmação da ABI sobre a importância da imprensa nos municípios fora das capitais e dos grandes centros porque ela constitui um elemento essencial de avanço e de progresso material. Jornais como A VOZ DA SERRA cumprem um papel fundamental nas comunidades a que chegam.

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