Esporotricose: epidemia da doença em Nova Friburgo preocupa veterinários

segunda-feira, 02 de julho de 2012
por Juliana Scarini
Esporotricose: epidemia da doença em Nova Friburgo preocupa veterinários
Esporotricose: epidemia da doença em Nova Friburgo preocupa veterinários

Pouca gente já ouviu falar, mas a esporotricose é uma zoonose, ou seja, doenças de animais transmitidas para o homem através de fungos, bactérias ou vírus. O médico veterinário Ronald Gibaja Gripp, há 16 anos na área, alerta para o aumento de casos da doença na cidade que, segundo ele, já pode ser considerada uma epidemia. Só em sua clínica ele já atendeu nos últimos meses mais de dez casos de esporotricose, com incidência da doença em seus proprietários. Em entrevista, Ronald explica um pouco mais da doença e as formas de prevenção.

A VOZ DA SERRA - O que é a esporotricose?

Ronald Gibaja Gripp - Esporotricose é uma doença fúngica que acomete gatos, cães e o ser humano. Isso significa que ela é uma zoonose e tem que ser dada a devida importância pela municipalidade, neste caso, a Secretaria de Saúde, porque está se difundindo com uma frequência jamais vista pelos profissionais da área. Com 16 anos de profissão, nunca tinha visto esporotricose. Nos últimos meses, eu já atendi mais de dez casos. Imagina outras clínicas veterinárias e outros colegas, que eu já tomei conhecimento e têm recebido vários casos.

AVS - Como os gatos adquirem essa doença?

Ronald - A esporotricose está sendo transmitida de um gato para outro com uma maior frequência, porque os felinos têm hábitos noturnos de caça, de afiar suas unhas em tocos, madeiras, esconder suas fezes no solo e, caso vá acasalar, eles brigam entre si, disseminando a doença mais facilmente. Nessa briga acontece a arranhadura, então a facilidade de um gato contaminado passar para os demais é muito grande. Esse fungo tanto dá no solo quanto em exsudatos (material proveniente de processos inflamatórios) , lesões e feridas. Uma vez que o gato coça essa ferida, fica contaminado. Podendo transmitir o fungo dessa doença para outros gatos, cachorros e o ser humano. Essa doença acomete gatos que têm o hábito de sair de casa, de frequentar um bosque, por exemplo.

AVS - Qual o sintoma da doença nos gatos?

Ronald - Geralmente o gato vai ao veterinário porque o dono já está tratando insistentemente uma lesão que não cura, não fecha. Já usou todos os cicatrizantes, todos os antissépticos indicados por lojistas, conhecidos, enfermeiros e, apesar de tantos medicamentos, não tem melhora. O dono só vê piorar e se alastrar as lesões. E as lesões são ulcerativas, descamativas e sanguinolentas, fazendo com que o proprietário traga o animal ao veterinário, relatando todos os tipos de medicamentos usados. Nestes casos, o medico veterinário faz uma biópsia, uma coleta daquela lesão, leva para laboratório e é diagnosticada a esporotricose. São feridas que não cicatrizam e vão se disseminando pelo corpo, principalmente, nas patas, região dorso lombar e cabeça (principal parte do corpo onde esses sintomas aparecem).

AVS - Como os gatos transmitem a doença para o ser humano?

Ronald - Primeiramente não devemos falar que os gatos são os grandes vilões. Essa doença pode pegar em humano através de contato com esses animais ou através de solo contaminado. A esporotricose era muito vista em profissionais que mexiam com a terra e cultivo de rosas, pois uma vez esse solo contaminado, muitas vezes as rosas também ficavam contaminadas. E essa doença precisa de uma lesão para se apresentar na pessoa ou no animal. Essa lesão precisa ter um agravo, seja através de um furo ou de uma arranhadura. Então, geralmente, a esporotricose era vista em profissionais que trabalham com rosas, causando uma lesão, que geralmente aparece em forma de nódulos.

AVS - Qual a importância de alertar a população sobre a doença?

Ronald - No gato, ela é de difícil resolução. Tem cura, mas é de difícil resolução. Um gato em estágio avançado da doença tem que se submeter a seis meses de tratamento com remédio diário senão morre. Os gatos são muito difíceis de administrar o remédio, principalmente os que têm hábitos noturnos, pois são mais ariscos. O gato é muito mais difícil de medicar, pois para que o tratamento tenha sucesso, tem que todos os dias aplicar remédio via oral. O dono consegue até três vezes, mas depois ele fica tão irritado que ele sequer aceita a atitude do proprietário de dosar a medicação. Existem vários tipos de gatos, alguns dóceis e outros muito ariscos que não permitem a administração adequada desse remédio. Está aí a dificuldade dos profissionais, não só veterinários e enfermeiros, como os proprietários, em manipular esse gato. E é aí que está a facilidade de contaminar o ser humano que pode se ferir através de uma arranhadura ou mordedura.

AVS - Qual o tratamento para os seres humanos?

Ronald - Tem tratamento, mas não é a melhora não é imediata. O paciente vai ter que tomar um medicamento disponibilizado pelo serviço público (SUS) e se submeterá a um tratamento de, no mínimo, três meses. Mas o chato disso tudo são as lesões que aparecem e que, dependendo da localidade, deixam a pessoa com a autoestima baixa, pois os nódulos aparentes são feios, parecidos com um tecido cicatricial. Então, a pessoa fica querendo esconder, como qualquer outra lesão. Porém, a doença não é transmitida de uma pessoa para outra. A transmissão maior que eu tenho visto é entre os animais e por estar evoluindo muito rápido entre os animais e se tornando uma rotina costumeira nos consultórios, o ser humano também está muito sujeito a pegá-la. Eu já conheço alguns clientes que pegaram essa doença e estão sendo tratados na Fiocruz, que disponibiliza o tratamento para a doença.

AVS - O aumento da doença entre esses animais se deve à tragédia climática que atingiu a cidade em janeiro de 2011?

Ronald - Não posso afirmar isso. Teria que se fazer um estudo comparativo. Por ser uma doença de não notificação compulsória pelo Ministério da Saúde, não temos dados anteriores. E por esse motivo, não tem o efeito comparativo, mas, eu não tinha conhecimento dessa doença aqui em Nova Friburgo e nunca havia pegado casos da doença antes da tragédia. Veio acontecer esse “boom”, essa epidemia de animais afetados, pós-tragédia. Pode estar relacionado à movimentação da terra que houve na nossa cidade, que acabou favorecendo o aparecimento da doença. Como já expliquei anteriormente, o gato tem o hábito de afiar as unhas em tocos, cavar buracos para enterrar suas fezes, fazendo com que eles se contaminem e transmitam a doença para outros gatos, através de brigas, por exemplo. Este é um fungo que está no solo, ele é dimorfo, surge no solo e em exsudatos.

AVS - É um fungo que demora para se propagar?

Ronald - Não. O fungo, desde que tenha ambiente favorável, se propaga com facilidade.

AVS - Tem muito tempo que começou a surgir esses casos?

Ronald - O meu consultório, por exemplo, está localizado bem no centro da cidade; os clientes que vêm aqui são pessoas com mais conhecimento, maior poder aquisitivo. Porém, e eu já estou recebendo casos de esporotricose nessas classes sociais. Colegas que trabalham na periferia têm tido o dobro ou o triplo de casos a mais do que no meu consultório. Essa doença também pode estar relacionada à situação socioeconômica de cada região da cidade. As periferias e as regiões rurais têm apresentado vários casos. Já tive casos em Olaria e Cônego. Segundo colegas dessas regiões, Conselheiro Paulino tem apresentado muitos casos.

AVS - Cachorros também podem pegar a doença?

Ronald - Cachorro também pega a doença, no entanto, é mais difícil ver. Eu não peguei nenhum caso até o memento. O cachorro é muito territorialista, ele define um território que passa a ser dele. Os cães, hoje em dia, são mais confinados. Não se vê mais à revelia, soltos, ao contrário dos gatos que não tem território definido. Os gatos frequentam o quintal do vizinho, por exemplo, favorecendo a proliferação dessa dentro da própria espécie. Porém, os cães também podem pegar, mas o foco são os gatos.

AVS - Por quais motivos os donos devem ficar atentos?

Ronald - Isso é importante a gente informar, porque a saúde nem sempre vai ter condição de averiguar esse caso. Nós, profissionais da área de veterinária, somos os primeiros a ver esse tipo de doença, porque os animais vêm até nós e acabamos constatando o fato nos donos dos animais. Os proprietários de animais contaminados chegam até a emergência de um hospital e nem sempre terão o diagnóstico correto. Por isso, o serviço público de saúde tem que ter consciência de que esta doença é uma zoonose e têm sido descoberto muitos casos. É importante alertar que o gato com esta doença morre e, se não tratado adequadamente, adquire doenças internas que o leva à morte. O corpo desse gato, nem sempre, vai ter o devido destino, que é a cremação. Caso o proprietário enterre o animal portador de esporotricose, ele estará contaminando todo o solo, facilitando a propagação da doença. Nós não temos na cidade um crematório público e não temos também um Centro de Controle de Zoonoses (CCZ), assim como não temos a notificação compulsória desses casos. Por esse motivo, o setor público está desconhecendo o número de casos acometidos aqui na região, sendo mais um fator determinante para aumentar esta doença e perder o controle da disseminação do fungo. Afinal, nenhuma medida está sendo tomada pelo poder público para que a população tome consciência da esporotricose.

AVS - Qual o papel do poder público para evitar a disseminação da esporotricose?

Ronald - É importante evidenciar para a população que existe uma doença que está aparecendo muito em gatos e que, quem tem contato com os gatos, está exposto a essa doença. Também devemos alertar o serviço público de que é possível conter o avanço dessa doença com medidas adequadas, como por exemplo, cremar esses animais para não contaminar o solo. Qualquer pessoa que manipule o solo contaminado pode adquirir a doença. Imagine se todo gato que for eutanasiado ou morrer da doença for enterrado no quintal de casa? Todo aquele espaço está contaminado. O Esporotrix schenkii, nome científico do fungo da esporotricose, vai se prosperar no solo. As pessoas que manusearem o solo, seja jardineiro e, principalmente, as crianças, correm um sério risco de se contaminar. Onde o poder público entra? Cremando esses animais, tornando essa doença de notificação obrigatória. Todo veterinário que pegar esse caso deveria notificar a saúde pública e ela tem que dar destino adequado a este animal. Além de disponibilizar o remédio que é muito caro para o proprietário. Para se ter uma ideia, o remédio para o tratamento está em torno de R$50 uma caixa com dez comprimidos, sendo que o tratamento dura de cinco a seis meses. Então o dono do animal realiza o tratamento durante um ou dois meses, se conseguir manipular o remédio no animal, correndo o risco de se contaminar. E aí o proprietário decide pela eutanásia, já que ele pode pegar a doença e terá que se medicar. Além do constrangimento das lesões pelo corpo. Então, aí que está a atenção que o serviço público deve dar a estes casos, tornando esta doença de notificação obrigatória. Se tem o caso, é preciso instigar e ver quais medidas tomar. Outra coisa relevante que as autoridades devem tomar consciência é a castração desses animais de forma gratuita, pois os animais vão à luta, à briga e acasalar quando eles são “inteiros”. Uma vez castrados, eles não vão acasalar, brigar, nem sair do seu território, no caso dos gatos, para ter vida noturna. Os gatos ficam mais caseiros após a castração. As regiões da cidade menos privilegiadas não castram esses animais. A castração está em torno de R$120 a R$200 e isso vai interferir no orçamento da família, já que geralmente essas pessoas têm mais de um gato. A castração é uma forma de evitar a proliferação desta doença. Mas esta não é medida para esperar eleições ou o ano que vem, isso teria que ser feito o mais rápido possível, pois o processo de ação do poder público já está atrasado.

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