Dalva Ventura
Na década de 60 surgia a pílula anticoncepcional, provocando uma verdadeira revolução social e nos costumes. De alguns anos para cá, outra revolução se anuncia, prometendo modificar novamente os modelos que regem a vida sexual feminina. Um número crescente de mulheres está utilizando pílulas anticoncepcionais de uso contínuo, que prometem acabar com os problemas acarretados pela menstruação, como os sangramentos em excesso, as cólicas e a tensão pré-menstrual (TPM).
“A tendência no futuro é que nenhuma mulher queira menstruar. As meninas vão até dizer que a vovó é do tempo em que as mulheres menstruavam.” A afirmação é do ginecologista friburguense Noberto Rocha, ele próprio um defensor do método. Sua experiência mostra que hoje em dia a menstruação não é nem um pouco bem-vinda. Isso acontecia no passado, porque as regras eram a prova viva de que a mulher não estava grávida. O que não faz mais nenhum sentido nos dias atuais.
Por enquanto, o número de mulheres que faz uso contínuo de pílulas anticoncepcionais ainda não é muito grande, mas não é difícil prever que esta situação vai se inverter em curto espaço de tempo. Há um interesse crescente pelo tema e, segundo o médico, a maioria só menstrua—ainda—porque tem receio dos pretensos males que estas pílulas causariam.
Mas a verdade é que suspender as regras ininterruptamente não faz mal algum, garante o médico Noberto Rocha, amparado por estudos e trabalhos que comprovam sua afirmação. Ou seja, não passam de puro mito as afirmações de que o uso contínuo de pílula anticoncepcional causa infertilidade, que a menstruação serve para “limpar” o organismo do sangue e mais um montão de blablablá.
Portanto, afirma, as mulheres que acham que menstruar é coisa do passado já podem ficar sossegadas. Ele cita um trabalho feito por um dos maiores ginecologistas do país, o médico baiano Elsimar Coutinho, consultor da Organização Mundial de Saúde para Reprodução Humana e Planejamento Familiar, cujo título diz tudo: “Menstruação: Uma Sangria Inútil”, onde defende, com unhas e dentes, as pílulas de uso contínuo.
Ele também cita um trabalho brasileiro publicado na revista norte-americana Contraception, comprovando que o uso contínuo da pílula anticoncepcional tem os mesmos efeitos e contraindicações que a pílula tomada com pausa mensal. Segundo o coordenador do estudo, doutor Rogério Bonassi Machado, alguns médicos acreditavam que o uso contínuo poderia deteriorar o perfil metabólico das usuárias. O estudo mostrou que não, “e confirmou que a pílula contínua se comporta da mesma maneira que a usada com intervalos, podendo ser uma boa alternativa de contracepção”.
Menstruar ou não deve ser uma opção da mulher
Noberto Rocha explica que as pílulas sequenciais—ou de uso contínuo—não são propriamente uma novidade. Os ginecologistas já recomendam seu uso a alguns anos em diversas circunstâncias. Ela nada mais é que a velha pílula anticoncepcional de sempre, nossa velha conhecida, só que ingerida sem intervalos, de forma sequencial, isto é, acaba uma caixa hoje e começa outra, amanha. À medida que seu uso começou a se tornar mais corriqueiro, porém, alguns laboratórios começaram a colocar no mercado embalagens com quatro ou cinco pílulas a mais.
Pelo sim, pelo não, ainda hoje muitas mulheres relutam em apelar para este recurso, apesar da maioria achar que a menstruação é, no mínimo, muito desagradável.
“Inúmeras pacientes minhas optaram por não menstruar já há muitos anos e estão satisfeitas. Fazem o preventivo, está normal, exames de sangue, idem, ultrassom de útero, tudo bem. Quando querem engravidar, param de tomar pílulas e engravidam. Temos estudos científicos comprovando que elas não fazem mal. Então, eu pergunto, por que não? Por que submeter mulheres a este sacrifício?”
Na prática, a pílula de uso contínuo é recomendada para mulheres que, por alguma razão, detestam menstruar, que sofrem com isso, seja por motivos psicológicos ou físicos. Sim, o desejo da paciente também é levado em conta pelos médicos.
“O fato de a mulher não querer menstruar já é uma indicação. A decisão de menstruar ou não deve ser dela, a não ser que tenha algum problema de saúde, como trombose, histórico de câncer, pressão alta, grandes varizes, ou seja, as mesmas contraindicações das pílulas comuns.”
A TPM é um capítulo à parte e constitui uma das maiores indicações para uso de pílulas sequenciais, até porque afeta 30 a 40% das mulheres. Como se sabe, a TPM ocorre devido às oscilações hormonais que acompanham o ciclo menstrual, pois emendando uma caixa na outra estas oscilações diminuem muito.
Quem sofre de cólicas também se beneficia muito com seu uso, assim como aquelas que têm uma menstruação exagerada sem causa definida e que, por este motivo, acabam vindo a sofrer de anemia crônica.
Opiniões de quem já usa
“Minha menstruação era exagerada, já passei muita vergonha na rua por causa disso. Não tenho nenhum problema ginecológico que justifique isso, como miomas ou pólipos, mas muitas vezes fiquei anêmica por causa disso. Só consegui resolver depois que comecei a usar pílulas continuamente, uma caixa depois da outra. No começo achei estranho, mas como os sintomas só foram piorando com a idade, acabei aceitando a novidade. Acho que nunca mais vou querer comprar absorventes na vida.” (Áurea Jardim, 37 anos)
“Nem acredito que fiquei livre da irritação, das cólicas e da enxaqueca que sentia antes de menstruar. Depois que meu médico conversou comigo sobre a possibilidade de fazer uso contínuo de pílulas, resolvi optar pelo novo medicamento. No começo, fiquei insegura, pois achava a menstruação um fenômeno natural e coisa e tal, mas hoje não quero outra vida. Para mim, pelo menos, menstruar sempre foi muito ruim.” (Tânia Maria Soares, 32 anos)
“Uso anticoncepcionais orais desde os 18 anos, mas quando interrompia os comprimidos, ao fim de cada cartela, minha vida virava de pernas para o ar. Primeiro vinha a TPM, nem eu me aguentava. Depois, quando as regras vinham, junto com elas vinham também as cólicas, a enxaqueca, que chegavam a provocar vômitos e outros desconfortos. Comecei a tomar comprimidos sequenciais e tudo isso agora é coisa do passado. Agora vou partir para o implante subdérmico [refere-se ao implante que é inserido sob a pele e liberado lentamente em doses constantes], pois assim não tenho de lembrar de tomar comprimidos. Você põe e esquece.” (Rita Schneider, 40 anos)
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