A luta pelo saber e a democracia

quinta-feira, 29 de março de 2012
por Jornal A Voz da Serra
A luta pelo saber e a democracia
A luta pelo saber e a democracia

Maurício Siaines

Diretor do Sindicato dos Professores do Rio de Janeiro, Paulo César Azevedo Ribeiro, 63 anos, é professor universitário de história e participa de movimentos sociais e políticos desde a juventude, nos anos 1960. Mestre em história pela UFF (Universidade Federal Fluminense) e doutor em Planejamento Urbano e Regional pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) trabalhou como historiador no Iphan (Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), foi diretor do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro.

Na luta contra a ditadura militar foi preso duas vezes, a primeira em 1970 sendo libertado em 1972 após um ano e dois meses, empenhando-se, então na formação universitária, deixada de lado, até então, em benefício da militância. Engajou-se em movimentos pela democratização do país e militou, mais tarde, no MDB, no PSB e atualmente está filiado ao PT. Ele conversou com A VOZ DA SERRA, fazendo reflexões sobre o ensino universitário, sobre política e problemas da democracia.

A VOZ DA SERRA – Nova Friburgo é uma cidade para onde convergem muitos estudantes universitários de toda a região. Como você vê realidades como esta em que as universidades privadas têm papel importante?

Paulo César Ribeiro – Hoje, a educação superior no Brasil está muito mais concentrada nas instituições privadas do que nas públicas. Mais de 75% das matrículas dos estudantes do terceiro grau estão nas universidades particulares. Embora as universidades públicas tenham dobrado a quantidade de matrículas nos últimos dez anos, ainda a proporção, ou melhor, a desproporção, é esta. O que é pior é que os centros universitários não cumprem a Constituição Federal, nem a LDB [Lei de Diretrizes e Bases]. Pela Constituição, uma universidade tem autonomia para criar e extinguir cursos e alterar currículos, mas para isto precisaria cumprir uma série de exigências. Em primeiro lugar, a Constituição define que a universidade precisa se dedicar a três atividades indissociáveis: pesquisa, ensino e extensão. As universidades particulares não pagam professores para fazer pesquisas nem projetos de extensão. Segunda coisa fundamental: o processo decisório nas universidades precisa ser, segundo a LDB de 1996, dos professores, através de seus colegiados e estes devem ser constituídos majoritariamente por representantes do corpo docente, com mandato de um ano não renovável. Seriam os conselhos universitários e os conselhos de ensino e pesquisa.

A Constituição prevê que o ensino é público e é uma concessão do Estado. As universidades públicas, bem ou mal, cumprem o que é previsto. Elegem-se reitores, chefes de departamentos, diretores de centros, conselhos universitários e conselhos de ensino e pesquisa. As universidades privadas não têm feito isto, motivo por que a qualidade do ensino tem piorado cada vez mais. Há a substituição de aulas presenciais por cursos on-line, cursos semipresenciais com teleaulas, enfim, há uma série de irregularidades.

O ensino à distância foi desenvolvido inclusive em universidades públicas como uma forma complementar para quem já tem uma formação e para quem mora em lugares distantes dos grandes centros. Mas isto tem sido feito como maneira de reduzir custos. Algumas empresas de educação, que antes eram filantrópicas estão adotando o modelo de sociedades anônimas.

AVS – E qual o significado dessa mudança?

Paulo César – Ao lado da universidade, que é filantrópica, e continua filantrópica—não paga, por exemplo, a contribuição patronal para o INSS—existe a mantenedora. Agora, criou-se outra instituição de participações. Esta última é uma gestora dos recursos da universidade, acima da mantenedora, sem respeitar a legislação brasileira do ramo educacional. As decisões acabam sendo tomadas pela lógica da especulação financeira, respondendo ao que é melhor para o negócio em vez de respeitar a necessidade do que é melhor para o ensino, para os direitos dos professores e dos estudantes.

AVS – Você diria que hoje há financiamento público do ensino superior privado?

Paulo César – Aí a questão é a seguinte: uma parte dos recursos da educação é colocada no Prouni [Programa Universidade para Todos] e no Fies [Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior]. Então, na realidade, são recursos públicos que estão financiando universidades privadas. Se as universidades privadas não cumprirem a lei precisam ser descredenciadas e não podem mais ter autonomia para criar e extinguir cursos ou fazer alterações de currículos. Estas mudanças acabam atendendo às necessidades da lógica da reprodução do lucro e não às necessidades reais da sociedade brasileira. Fazem-se, por exemplo, cursos na área de petróleo que a Petrobras não reconhece. Então o sujeito se forma, gasta dinheiro, investe mas a Petrobras não contrata. Há um processo de mercantilização da educação—que não é mais que venda de diplomas—através da internet e até mesmo de TVs a cabo.

AVS – E este processo não tem limite? É, de alguma maneira, orientado?

Paulo César – Estão surgindo grupos monopolistas que agem dentro da perspectiva de um Projeto de Educação para a América Latina, Preal. A OMC (Organização Mundial do Comércio) já definiu que a educação é um setor estratégico fundamental para os negócios e há um movimento para que, no âmbito das Nações Unidas, a educação saia da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e vá para a OMC. Há uma tentativa no Brasil de se tirar a educação superior do Ministério da Educação e passá-la para o Ministério da Ciência e Tecnologia e, talvez, quem sabe, da Indústria e Comércio. Esta é a lógica. Não há uma percepção de que o investimento em educação é uma questão estratégica para um Estado nacional. Estamos tratando a educação aqui neste país como se fosse um negócio como outro qualquer e admitindo um processo acelerado de oligopolização, a tal ponto que um dia venhamos a ter uma única grande empresa educacional. Não teríamos mais professores nacionais, pois seria possível ensinar à distância desde Angola e Moçambique, e teríamos monitores ganhando 50 dólares por mês, textos já elaborados e reciclados.

AVS – Você está acenando com perspectivas não muito animadoras. Está tratando da educação como uma questão nacional. Desde sua juventude, você tem se envolvido em lutas pela cidadania, fale um pouco dessa sua experiência e dessa relação entre passado e presente.

Paulo César – Acredito que sem a participação dos cidadãos não se pode fazer muita coisa. A democracia precisa ser fortalecida com a efetiva participação popular para a solução dos problemas de cada comunidade, de cada bairro, de cada cidade. A erradicação dos graves problemas sociais não pode ser feita pelas elites ou por tecnoburocratas, por mais bem intencionados que sejam. Saúde, educação, saneamento, geração de riqueza e de renda e tudo o mais de que precisamos só teremos com participação cidadã.

AVS – Hoje, muita gente se mostra desencantada com a ideia de democracia, como se esta fosse a responsável por problemas como a corrupção. O que você tem a dizer a respeito?

Paulo César – A corrupção é própria dos sistemas econômicos e políticos fechados. Onde há muita concentração de riqueza, de renda e de oportunidades, e onde há muita concentração de poder político haverá sempre muita corrupção. Raymond Baker, um especialista da Universidade de Harvard escreveu sobre a corrupção que ele denominou “O calcanhar de Aquiles do capitalismo”. Infelizmente o livro não foi traduzido para o português. Mas há uma vasta literatura que analisa profundamente as raízes históricas da corrupção e comprova a tese acima. Logo, a democratização do poder político e a melhor distribuição da riqueza, da renda e das oportunidades andam juntas. Lutando pela democratização e contra uma das piores concentrações de riqueza estaremos no caminho certo para acabar com a miséria e com a pobreza. Não sou pessimista. Acho que devemos—como dizia Gramsci—aliar “o pessimismo da razão com o otimismo da vontade política”.

Em outros tempos, luta política e prisão

Em 1968, Paulo César acreditou na luta armada contra a ditadura militar, perspectiva adotada por muitos militantes. Dentre as ações políticas de sua organização—a VAR-Palmares—destaca-se o episódio do “cofre do Adhemar”, em 1969.

O ex-governador de São Paulo Adhemar de Barros guardava um cofre com cercamais de 2 milhões de dólares, desviados de fontes públicas, na casa de uma amante, no bairro de Santa Teresa, no Rio. Descoberto por membros de organização de esquerda, uma ação foi montada para a apropriação do butim do político paulista em benefício da luta revolucionária contra o regime.

Preso em 1970, Paulo sofreu torturas no quartel da Polícia do Exército da Rua Barão de Mesquita, no Rio, usado pelo Doi-Codi, onde foram mortos muitos opositores ao regime, entre eles o ex-deputado Rubem Paiva. Nessa época, havia prisões sem processo e era difícil descobrir onde os presos se encontravam.

O primeiro passo na luta para dificultar o desaparecimento de um preso era encontrá-lo e criar meios para que sua localização fosse conhecida. Jornalistas estrangeiros e religiosos contribuíam nesse processo de determinar a localização de presos políticos. O recurso encontrado pela então namorada de Paulo César foi casar-se com ele, dentro do quartel. Um juiz de paz comprovou o fato de ele estar naquele local, sob custódia do Exército. Dois outros presos testemunharam o casamento e também foram, assim, localizados formalmente, inclusive através de certidão de casamento emitida por cartório. (MS)

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