Voluntários fizeram e fazem a diferença

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012
por Jornal A Voz da Serra

O ano de 2012 parecia que nunca chegaria. Boa parte da população aguardava a virada do ano como forma de também virar uma página em suas vidas. Ainda hoje muitas localidades exibem e padecem com o cenário de um ano atrás. E foi somente com a colaboração de voluntários que alguns moradores puderam ver uma luz no fim do túnel. Os voluntários deram um exemplo de superação e força de vontade para ajudar quem precisava, muitas vezes, apenas de um abraço

“O cenário de guerra, a destruição

e a dor estavam por toda cidade”

“Quando tomamos conhecimento da tragédia pela TV, estávamos fora do país. Foi um grande choque. Nós, que tivemos nossa fábrica por 15 anos no bairro Jardim Ouro Preto, sabemos, por experiência, o que as pessoas estavam sentindo. Passamos por cinco grandes enchentes. Conhecemos de perto a dor desta experiência. No dia seguinte retornamos para Nova Friburgo. Ao chegar, imediatamente nos envolvemos no trabalho voluntário. O cenário de guerra, a destruição e a dor estavam por toda cidade.

Quando reunimos nossos colaboradores, identificamos com cuidado a situação de cada um. As lágrimas e a dor tomaram conta de todos nós. Era preciso uma atitude imediata. Assim, decidimos minimizar o sofrimento de cada um repondo suas perdas materiais (móveis, eletrodomésticos e utensílios). Entendemos que as pessoas que trabalham conosco são os nossos próximos mais chegados. Temos um carinho especial por cada um. Somos gratos a Deus que nos deu condições de suprir esta necessidade. Esta foi a decisão e ação da diretoria da De Chelles, com muito amor pela nossa equipe.”

Paulo Chelles—empresário

“Nós tivemos a oportunidade de sermos úteis ao próximo. Isso é gratificante, isso não tem preço”

“Após conversar com todos os participantes, por consenso, primeiro pedimos que nossos nomes sejam mantidos em sigilo. Desde a nossa reunião para atuarmos até o dia de hoje, sempre que fazemos algo é no anonimato, pois entendemos que isso faz com que conservemos a pureza necessária para a caridade real.

Eu, como parte do todo, falo em nome do grupo que sempre agiu com foco no auxílio. Eu, logo que a tragédia aconteceu e por ser residente aqui na cidade, consegui atuar logo na madrugada, quando uma residência no bairro Santa Elisa desabou, vitimando uma pessoa.

Tão logo esse fato tenha ocorrido, fui em direção ao centro da cidade, vez que tinha recebido a informação do escorregamento na Rua Cristina Ziede. Lá chegando pude constatar que, de fato, o cenário que todos viram pelos meios de comunicação era real. Eu ainda consegui auxiliar no resgate de duas pessoas dos escombros com vida. Depois disso, infelizmente, não participei do socorro direto de mais ninguém com vida naquela quarta-feira. A partir do dia seguinte, quinta-feira, atuei no controle de trânsito e distribuição de alimentos. Na sexta-feira me apresentei ao 11º Batalhão de PM-RJ e atuei na remoção de corpos e no atendimento emergencial com equipes de fora da cidade.

Assim, passados aqueles sete dias da tragédia climática, fiz contato com seis amigos de infância que residem no Rio de Janeiro, sendo eles, dois engenheiros civis, um médico, um veterinário, um advogado, um dentista e um empresário, e propus compor uma equipe multidisciplinar, mas que pudesse agir de maneira eficaz. Para minha alegria, todos aceitaram. E a partir de então durante os seis fins de semana seguintes ao ocorrido visitávamos comunidades atingidas e, cada um na sua área profissional, prestava serviços aos moradores que quisessem. Decidimos auxiliar nos aspectos onde era evidente que o poder público naquele instante não priorizaria, por questões estruturais. Porém, eram aspectos importantes para os que foram atingidos diretamente pelas chuvas.

A cada semana cada um trazia algo novo que nos estimulava a continuar. Conseguíamos remédios, roupas, alimentos, os engenheiros orientavam como proceder e informavam quais caminhos seguir para conseguir os laudos necessários para interdição do imóvel; enfim, todos nós sentíamos que estávamos retornando à sociedade uma parte do que ela tinha nos dado ao longo de nossas vidas.

Eu, particularmente, presenciei tanta dor e morte que o cheiro ficou muitos dias em mim, por mais que eu tomasse banho. Mas, no fim desses quase dois meses de atuação, consegui retirar tudo de ruim que tinha guardado. A lição ficou, pois estava participando de um grupo que trabalhava pela vida e pelo recomeço. Isso foi o que ficou de tudo. Nós sete tivemos a oportunidade de sermos úteis ao próximo. Isso é gratificante, isso não tem preço.”

Os Andarilhos—grupo de voluntários (brazpenna@gigalink.com.br)

Voluntários da Cruz Vermelha ajudam a reerguer o município

Hoje, 12, a Cruz Vermelha presta homenagem às vítimas da tragédia. É uma corrente que também ocorrerá simultaneamente no vizinho município de Teresópolis. A Cruz Vermelha pede que todos coloquem um pedaço de fita branca em suas roupas, casas, sacadas de prédios e nos retrovisores dos carros e às 18h será realizado um minuto de silêncio em homenagem às vítimas não apenas de Nova Friburgo, mas de toda a região.

Além disso, hoje a Cruz Vermelha também irá aos municípios de Sapucaia e Além Paraíba para levar o máximo de ajuda para mostrar toda gratidão e solidariedade dos friburguenses ao povo brasileiro. A sede da instituição, na Praça Getúlio Vargas 92, Centro, ainda está recebendo donativos, como, por exemplo, alimentos não perecíveis, brinquedos, produtos de limpeza e higiene pessoal, colchões, fraldas e roupa de cama, mesa e banho.

Desde o dia 12 de janeiro de 2011, uma coisa ninguém pode negar: a Cruz Vermelha foi uma das grandes e principais aliadas dos friburguenses. Já nas primeiras horas da tragédia climática, prestou o atendimento necessário à população atingida e arrecadou donativos para quem precisava.

A comunidade do Loteamento Floresta, por exemplo, foi atendida com ajuda humanitária. O bairro foi um dos mais atingidos pela tragédia climática, onde morreram 38 pessoas somente em uma rua. Ali estão cadastradas 150 famílias. Outras localidades também recebem ajuda da Cruz Vermelha.

A real situação de cada bairro foi levantada com lideranças locais e profissionais voluntários, além de se basear em laudos da Defesa Civil. Comprovada a situação, a pessoa ou família é cadastrada. Este cadastro também foi feito em outras comunidades, totalizando 300 famílias assistidas, principalmente com cestas básicas completas, além do kit de higiene, contendo sabonete, escova e pasta de dente, absorvente feminino, papel higiênico, entre outros itens.

No entanto, estas e outras ações só foram possíveis com a ajuda de voluntários. Em julho do ano passado, a Cruz Vermelha de Nova Friburgo contava com um grupo de 70 voluntários, profissionais dos mais variados ramos, que prestavam atendimentos dentro de suas respectivas áreas. Eram pessoas ligadas a várias igrejas, que prestam atendimento espiritual, da área de saúde, que faz verificação da pressão arterial e testes de diabetes, entre outros procedimentos. “Quando nós fazemos uma ação é realmente uma ação completa, com voluntários de vários segmentos da Cruz Vermelha atendendo as pessoas”, observa Luiz Cláudio Rosa, coordenador da Cruz Vermelha.

Em dezembro, 62 voluntários da Cruz Vermelha e moradores participaram de uma simulação de resgate de vítimas de desabamento e enchentes. A ação aconteceu em uma casa atingida pela tragédia de janeiro no bairro Córrego Dantas e em um trecho do rio que corta um dos bairros mais afetados de Nova Friburgo. Observadores também analisaram todos os processos e métodos utilizados, para corrigir possíveis falhas.

Esse treinamento fez parte do projeto de Grupos de Resgate Comunitários, que capacitou voluntários para atuar, principalmente, em atividades de resposta ao desastre, que são aquelas que se desenvolvem no período de emergência ou imediatamente após de ocorrido o evento. Durante o treinamento foram desenvolvidas ações de evacuação, busca e resgate, de assistência e alívio à população afetada e atividades que se realizam durante o período em que a comunidade se encontra desorganizada e os serviços básicos de infraestrutura não funcionam ou estão ausentes.

A Cruz Vermelha também distribuiu mil headlamps (lanternas ajustáveis à cabeça) com 12 LEDs à população carente do município, moradores de áreas consideradas de risco. Foram beneficiadas as comunidades de Córrego Dantas, Floresta, Vilage, Campo do Coelho e Prainha. As lanternas deverão ser usadas em momentos de urgência, fuga ou de alto risco, quando não houver iluminação. O equipamento foi comprado graças à colaboração de pessoas que participaram do 1º Festival da Primavera.

Todas essas ações organizadas pela Cruz Vermelha, fizeram com que os friburguenses não perdessem a esperança e a força de vontade para recomeçar. Cada quilo de alimento doado e entregue pelos voluntários ajudaram na reconstrução interna de quem perdeu tudo.

“Quem estava aqui e quem ficou quer

ver Nova Friburgo de pé novamente”

O servidor público Jordano Sansoni teve a sorte de não perder nada durante a tragédia em janeiro do ano passado. Mesmo não sendo atingido diretamente pelos deslizamentos, ele não deixou de lado a solidariedade, arregaçou as mangas e foi ajudar da melhor forma que podia.

Na noite do dia 11, quando chovia forte, Jordano recebeu uma ligação do filho dizendo que não havia como voltar para casa, no Parque Santa Elisa. Pela manhã ele conseguiu sair de casa e viu que a cidade fora tomada pela lama. “Eu e meus filhos voltamos pra casa e pegamos pás, cordas, baldes, enxadas, tudo o que tínhamos para cavar. Retornamos para o Centro, ficamos sabendo do prédio na Cristina Ziede e ficamos para ajudar”, relata. Com a autorização dos bombeiros, ele e os filhos auxiliaram profissionais e voluntários a retirar corpos dos escombros.

Contando com a ajuda dos poucos bombeiros que estavam no local, o caminhão do 6º GBM foi aberto para retirar os equipamentos que poderiam ser utilizados nos resgates. “Ali nós trabalhamos com um tenente e um cabo. O resto, éramos eu, meus dois filhos e dois sobrinhos. Com o passar do tempo foram chegando outras pessoas para ajudar. Ficamos praticamente 20 dias indo pra lá”, disse. A solidariedade fez com que muitos voluntários surgissem para auxiliar no trabalho de resgate. “Todo mundo queria ajudar de alguma forma”, afirmou.

Os únicos sobreviventes que o servidor público conseguiu retirar dos escombros foram Wellington da Silva Guimarães, de 25 anos, e seu filho, Nicolas Barreto, de apenas seis meses. Eles foram retirados na noite de quarta, 12. “Depois deles, só conseguimos retirar corpos”, lamentou.

Durante seu trabalho como voluntário, Jordano acabou resgatando amigos e conhecidos que morreram com os deslizamentos. “Foi uma coincidência. Começamos a ajudar no Paissandu, fomos para a Cristina Ziede e depois levei a minha família para ajudar no Colégio Nossa Senhora das Dores, descarregando e separando mantimentos, fazendo cestas básicas e distribuindo”, contou.

Um ano após a tragédia, Jordano e sua família são voluntários da Cruz Vermelha. Ele conta que sente que ainda há uma grande vontade de ajudar o próximo por toda a cidade, mas que muitas pessoas estão traumatizadas e com medo do que vem por aí. “Quando começa a chover, fica todo mundo desesperado. Eu acordo, minha mulher acorda, meus vizinhos também. Mas quem estava aqui e quem ficou quer ver Nova Friburgo de pé novamente”, afirma.

Marcio Lugon: “Os moradores foram os

verdadeiros e anônimos heróis desta tragédia”

Na madrugada de 12 de janeiro, o médico Marcio Lugon estava em sua casa, localizada no Cardinot, região rural localizada entre Córrego Dantas e Campo do Coelho. Como grande parte dos friburguenses, ficou muito apreensivo e preocupado por causa da chuva torrencial que caiu durante toda a madrugada e a falta de energia elétrica.

Por volta da seis da manhã, levou um tremendo susto por causa de um barulho que mais parecia uma explosão. Decidiu sair de carro para verificar a rua onde mora, que a esta altura já estava sem passagem, decorrente da queda de postes, árvores e barreiras. “Já não havia possibilidades de voltar de carro para a minha casa, devido a uma queda de barreira, com um poste impedindo totalmente a entrada”, lembra.

Assim que entrou, já havia uma moça pedindo para socorrer seu avô com uma fratura no quadril. Ele improvisou um auxílio, imobilizando o senhor em uma tábua dessas utilizadas em obras. E, a partir daquele momento, não parou mais de trabalhar. Conta que só foi entendendo a gravidade da situação aos poucos, à medida que via as pessoas isoladas e sem assistência alguma, necessitando de atendimento.

O que mais chamou atenção do médico foi a maneira como os moradores de Campo do Coelho e Cardinot se organizaram. “Com a efetiva ausência do poder público constituído, eles mesmo solucionavam os problemas que iam surgindo. Desobstruíam estradas, desenterravam corpos, distribuíam alimentos e água. Foram os verdadeiros e anônimos heróis desta tragédia”, frisa.

O médico Marcio Lugon atendeu muita gente. Viu muitos corpos sem vida e pessoas lutando por ela. Muitos mutilados. Lama misturada com braço e coisas assim. Numa localidade conhecida como Prainha, viu duas crianças mortas abraçadas dentro de um armário. Provavelmente se esconderam ali e morreram sufocadas. Bem próximo de sua casa, um pai chorava a morte do filho, um menino de 3 anos. “Ele dizia que o garoto estava apenas dormindo. Dizia que ele estava sujo de lama porque a mãe tinha se descuidado. Me pediu para cuidar do menino. Me prontifiquei imediatamente e sugeri que deixasse o menino ‘dormir’ mais um pouco em um lugar protegido da chuva. Pedi para o pai se alimentar e depois cuidaríamos de acordar e limpar o menino. Ele concordou e me entregou o menino. O pai não comeu nada. Repousei o menino em lugar abrigado, limpamos o corpo e o acomodei numa varanda. Entendi naquele momento que o meu objetivo ia além de salvar vidas”, conta.

O médico é uma liderança natural numa comunidade. Especialmente num momento como aquele: com feridos graves, politraumatizados, mutilados pelos escombros de suas próprias casas e a força da água, da correnteza incessante. “Fiz o que pude naquelas circunstâncias, sem instrumental apropriado. Fiz o que mandou minha experiência de socorrista e cirurgião. Também tive que exercer um papel de liderança e não me deixar levar pela tragédia em si. Me manter externamente firme e transmitindo confiança (um mediador entre o drama e as coisas práticas).

“Por conta do meu ofício, a morte faz parte do meu cotidiano. A morte em si já é surpreendente. Entendo a morte como um caleidoscópio: ela é percebida de várias maneiras, e de acordo com a perspectiva que suportamos vê-la. No entanto, quando ela vem acompanhada da catástrofe, da surpresa, da destruição, da falta de comunicação e falta de recurso técnico torna-se dramática. O grito das pessoas atingidas fisicamente é impactante”, descreve Márcio Lugon, que só muito depois lembrou de sua própria tragédia: “Tive prejuízo material. Parte da rua que dá acesso a minha casa foi consertada por mim, sem qualquer participação do poder público”, confirma.

Wagner Marquette: “Trabalho social não tem fim”

Impressionante. Tem gente que nada faz para ajudar e ainda por cima critica quem faz. Mas o estilista Wagner Marquette não está nem aí. “Eu ajudo mesmo e não me importo se falam que eu estou querendo aparecer”, diz, afirmando que só uma pequena parte das doações é ele mesmo quem banca. A grande maioria vem mesmo é de seus inúmeros clientes e amigos espalhados por toda parte, que confiam nele e atendem a seus pedidos de ajuda humanitária.

Como Wagner conhece muita gente mundo afora e é super-respeitado profissionalmente, inclusive por pessoas que têm muito dinheiro, acabou conseguindo, sozinho, amealhar uma quantidade enorme de doações para as pessoas atingidas pela catástrofe. Desde então, não parou de ajudar. “Esse trabalho social não tem fim”, diz, acrescentando que vem sendo cada vez mais procurado por pessoas que não foram, necessariamente, atingidas, são apenas vítimas da miséria.

Detalhe: tudo o que ele arrecadou e arrecada passa por algum conselheiro da Firjan, um secretário da Prefeitura, ou seja, uma testemunha, antes de ser doado. Wagner descobriu que tinha um talento natural para isso depois que se viu frente a frente com a tragédia de janeiro. Ele estava preparando as malas para viajar quando tudo aconteceu. Saiu de sua casa, no bairro Caledônia, e depois de andar durante sete horas foi parar na Ponte da Saudade. Quando voltou, já começou a ajudar quem encontrava pela frente.

Nessa altura, já tinha decidido não sair daqui. “Engraçado, parecia que eu tinha nascido em Friburgo. Sentei em um bar que ainda estava aberto na Alberto Braune e comecei a emprestar o rádio a quem precisava”, conta. Foi andando pela rua e quando chegou ao Suspiro deu de cara com aquele caos. Encontrou um conhecido que estava indo fazer o reconhecimento do corpo do pai e pediu para ir com ele. Só então se deu conta da dimensão da tragédia. Ele, que já havia enfrentando um terremoto no Chile, pensou: “Nossa, isso aqui está muito pior”, afirmou.

Começou a ligar para seus amigos pedindo que mandassem para cá tudo o que pudessem. Já no dia seguinte começaram a chegar picapes e mais picapes cheias de doações, e ele foi pessoalmente entregá-las. De lá para cá, está sempre conseguindo mais e mais ajuda para os moradores de Nova Friburgo—de cestas básicas e cimento a geladeiras e fogões. E diz: “Existem várias formas de ajudar, eu descobri a minha. Não é a mais bonita nem a melhor, é apenas uma delas”.

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