Dalva Ventura
Verdade seja dita, o problema é antigo. Arrasta-se há anos, talvez, décadas. Entra governo, sai governo, nada se resolve. O começo do fim aconteceu nos últimos anos da década de 50, quando o então prefeito Feliciano Costa fez uma reforma geral na praça, acabando com seus canteiros, lago e bucólicas pontes. De lá para cá, a Praça do Suspiro foi se degradando e se descaracterizando a olhos vistos, culminando com a instalação do teleférico, em 1976. Os responsáveis por conservar aquele local que, durante anos, viria a ser nossa principal atração turística, nunca preservaram o paisagismo local. Além do teleférico, uma construção tosca e malconservada, funciona uma feira de bugigangas nos fins de semana, dando um aspecto ainda pior àquela que foi a mais linda praça de Nova Friburgo, palco de tantas histórias, romances e lembranças.
A última grande modificação data de 1987, no governo de Heródoto Bento de Mello, mas a pá de cal propriamente dita foi dada pela tragédia de janeiro, que acabou por destruir o que restava do local. Ainda hoje, de perto ou de longe, o que mais chama atenção na Praça do Suspiro é o teleférico (ou o que restou do monstrengo depois das chuvas), que levava até ao ponto culminante do Morro da Cruz, com 1.315 metros de altitude. Uma das áreas mais atingidas pelas chuvas de janeiro deste ano, o teleférico se encontra paralisado sine die, em função de uma liminar expedida pelo Ministério Público, exigindo que os responsáveis pelo empreendimento realizem obras de contenção e drenagem para minimizar os impactos ambientais causados por ele e reduzir o risco de deslizamentos de terra. Enquanto isso, uma das cadeirinhas do teleférico, cabos e até mesmo o terminal de embarque e desembarque continuam ali, no meio da praça, como se a tragédia de janeiro tivesse acontecido ontem. Não deviam mais estar ali.
A Praça do Suspiro foi um dos pontos mais atingidos pelas chuvas que assolaram a região serrana do Rio, mas por enquanto ninguém falou em reformá-la. Há outras prioridades, sem dúvida. Além do mais, ninguém pode dizer, em sã consciência, o que acontecerá com a encosta onde ficava o teleférico quando o período de chuvas recomeçar. Teme-se por um novo deslizamento que pode ter consequências imprevisíveis. Mais cedo ou mais tarde, porém, o Suspiro acabará passando por mais uma reforma, entre tantas. Quando este momento chegar, porque não priorizar um projeto que respeite os aspectos originais, que leve em conta as tradições, devolvendo aos friburguenses a Praça do Suspiro como ela era no passado? Desde agora, A VOZ DA SERRA entra de cara nesta luta. Afinal, Nova Friburgo merece.
A Praça do Suspiro de antigamente
Era lá que os namorados se encontravam e trocavam juras de amor. Havia um jardim lindo, com muitos canteiros floridos, enormes palmeiras, um bambuzal e um lago, graciosas pontes, onde os rapazes ficavam sentados enquanto as moças passeavam. Cenário mais romântico, impossível. A Praça do Suspiro foi projetada por Farinha Filho, um engenheiro civil que prestava serviços de paisagismo para a prefeitura. Ele foi encarregado pelo prefeito Ernesto Brasilio, que governou a cidade de 1897 até 1908, de transformar aquele local ermo cercado por muitos bambuzais, numa praça para o lazer dos friburguenses e veranistas. De reconhecido bom gosto, Farinha Filho idealizou aqueles lagos com pontes feitas de cimento, que imitavam bambus, mandou plantar flores em seus canteiros, instalou bancos em suas alamedas. Surgia a Praça do Suspiro que inspirou poetas e deixou saudades em gerações e gerações de friburguenses.
Ficou um primor. Não é exagero afirmar que a Praça do Suspiro foi, durante décadas, a mais bonita de Nova Friburgo. E a mais bucólica também, com sua fonte, de onde jorrava uma água purinha, cristalina. Aos domingos, as famílias faziam piqueniques naquele recanto onde mais tarde foi construída a Praça dos Trovadores. Os turistas se deliciavam com a água da fonte do Suspiro, que, conta a lenda, os faria voltar à cidade por causa da saudade que sentiriam daqui.
A Praça do Suspiro sempre foi muito procurada pela população, inclusive durante a semana, mas, segundo os mais antigos, era um local sossegado, silencioso até, a não ser na hora do recreio do Colégio Modelo que, durante muitos anos, funcionou ali. De repente, a praça ficava cheia de crianças e jovens, era uma algazarra de dar gosto. O campo de esportes do Fluminense Atlético Clube (hoje Friburguense), que ficava no local onde atualmente estão a Praça das Colônias e o Teatro Municipal, também contribuía para a animação da praça, principalmente nos fins de semana. Sem falar nas missas e casamentos que lotavam a Capela de Santo Antônio, as quermesses e festas juninas, a Feira da Bondade e tantos outros eventos que ali aconteciam.
O Suspiro também ganhou fama de ser palco de encontros amorosos, digamos, mais acalorados. Como o local era muito escuro, com o tempo virou local de má fama. Mocinhas de família não ousavam passar sequer em suas imediações se não quisessem ter sua reputação atingida. O que não evitava que acabassem cedendo à tentação, claro. Pesquisadores de meia-tigela chegaram até a aventar que a origem do nome “Praça do Suspiro” estaria relacionada aos suspiros dos amantes que eram ouvidos por toda a extensão da praça. Nada a ver. O nome “Suspiro” vem de muito longe. No final da década de 30 do século XIX já há referências ao “córrego do Suspiro” nos anais da Câmara.
Recentemente, o historiador Carlos Jayme Jaccoud publicou uma crônica aqui em A VOZ DA SERRA onde afirma que este nome só pode ter sido dado por um poeta. “Quem mais, senão um poeta, naquele primeiro quarto do século XIX, inspirado pelo bucólico cenário, podia ter semelhante pensamento? Provavelmente debaixo de um azulíssimo céu, penetrando no bosque que certamente ali existia, deparou-se com o pequeno e ondulante riacho que, por entre as pedras, descia das montanhas. Paz absoluta. Silêncio só quebrado pelo estalar das folhas secas sob seus pés, do cascatear do filete d’água e do chilrear de centenas de pássaros, como se tudo formasse uma grande orquestra silvestre. Podemos imaginar aquele suíço, ou português ou luso-brasileiro, emocionado com tanta beleza, inclinar-se sobre a fonte cristalina, encher o côncavo da mão, beber um gole daquela água quase gelada, aspergir o resto sobre a fronte e batizar: Fonte do Suspiro!” É uma hipótese. Quem sabe?
O fato é que apesar dos friburguenses nunca terem chamado a Praça do Suspiro por outro nome, isso aconteceu em três ocasiões. A primeira foi durante a Guerra do Paraguai, quando alguém teve a infeliz ideia de mudar o nome para Praça General Argolo. Algum tempo depois, este nome foi dado à atual Avenida Alberto Braune e o Suspiro passou a ser Praça da Uruguaiana. Quando veio a Lei Áurea, mais uma mudança infeliz: virou Praça 13 de Maio, só voltando a se chamar Praça do Suspiro com o advento da República.
A Fonte do Suspiro
Segundo contam antigos friburguenses, vários eram os poetas, escritores e personalidades do Império que se alojavam na vivenda dos Salusse. A correspondência chegava no lombo de mulas até a Ponte da Saudade, onde as cartas eram distribuídas. Para poder lê-las sossegadamente, procuravam aquele local aconchegante, onde suspiravam, saudosos. Daí teria surgido o nome “Praça dos Suspiros”.
Pode até ter sido assim, mas a versão oficial, menos fantasiosa, é que a praça foi construída em torno da já existente Fonte do Suspiro, onde os escravos buscavam água que abastecia de água toda a vila. Desde os tempos antigos até mais da metade do século 20, a Fonte do Suspiro era considerada uma das maravilhas de Friburgo. Além de jorrar água fresca e cristalina, era um recanto florido e bucólico, com toda uma aura de magia e sedução.
Era na Fonte do Suspiro que os habitantes da cidade abasteciam de água as suas residências. Sua água foi canalizada desde a nascente durante a gestão do prefeito Jean Bazet (1846), mas só no dia 2 de dezembro de 1865, quase duas décadas depois, a fonte foi inaugurada, com suas três bicas de ferro - a do amor, da saudade e do ciúme, e seu frontispício de pedra lavrada. Vinte e quatro anos depois, em 6 de fevereiro de 1889, o desembargador Caetano José de Andrade Pinto deu de presente a Friburgo uma obra de pedra de cantaria com assentos nos dois lados do chafariz do Suspiro, que viria a completar a beleza daquela fonte que, por mais de um século, embelezou a Praça do Suspiro.
A fonte provocou a urbanização de toda aquela área, surgindo em seu entorno a Praça do Suspiro e a igrejinha de Santo Antônio. Local cercado de lendas, os habitantes de Friburgo costumavam dizer aos visitantes que quem bebesse da água do Suspiro voltaria sempre à cidade por causa da saudade que sentiriam daqui. Além do romantismo que a Fonte do Suspiro evocava, a população acreditava piamente que a água pura da fonte fortalecia e restaurava a saúde. Dizia-se até mesmo que “ressuscitava os quase-mortos”.
Tudo isso, hoje é passado. Como Carlos Jayme Jaccoud bem registrou numa de suas crônicas, “os anos passaram. No século passado, a febre imobiliária começou a se fazer sentir e a cegueira humana voltou-se, também, para aquele paraíso verde. Uma estrada foi aberta entre as suas matas, ruas foram cortadas no seu alto, prédios foram construídos, casarões históricos demolidos e a “mais pura água de Nova Friburgo” deixou de existir, passando a ser usada só para lavagem de automóveis naquela praça”.
A Capela de Santo Antônio
Um dos símbolos da devastação causada pelas chuvas de janeiro, as imagens da simpática igrejinha do Suspiro correram o mundo e ganharam a simpatia do Instituto Estadual do Patrimônio Artístico e Cultural (Inepac) e também da Fundação Roberto Marinho, que está a alguns meses, trabalhando em sua restauração. A pequena igreja, construída em 1884 e tombada pelo Patrimônio Histórico do Estado do Rio foi quase destruída pela enxurrada que desceu da encosta. Sua estrutura não chegou a ser abalada, mas seu interior foi muito afetado, sendo invadido por troncos, destroços da enxurrada, e até por um carro. Apesar disso, as imagens de Santo Antônio e de Nossa Senhora de Aparecida, que ficavam no altar, não foram atingidas.
A construção da igreja foi uma proposta da Sociedade Musical Euterpe Friburguense, que em 7 de maio de 1874, reivindicou a doação do terreno através de um requerimento à Câmara Municipal. A participação da Euterpe na construção da igreja aconteceu devido à influência do português Samuel Antônio dos Santos que, durante muitos anos, foi regente da banda. Ele era oficial-músico da banda dos Fuzileiros da Marinha portuguesa e enfrentou um tremendo vendaval no Atlântico, tendo feito uma promessa a Santo Antônio. Se conseguisse salvar-se, largaria a farda e construiria uma igreja em louvor ao santo de sua devoção.
A pedra fundamental da capela foi lançada em 13 de junho de 1879, mas a construção só foi inaugurada em 13 de julho de 1884. Um fato curioso: o projeto da torre do sino sobre o frontão só foi erguida em 1948, assinado pelo arquiteto Lúcio Costa.
Os friburguenses sempre tiveram um apreço todo especial pela igrejinha do Suspiro, cenário de inúmeros casamentos, batizados e outros eventos religiosos. No dia 13 de junho, praticamente toda a população da cidade acorria em massa para a praça, onde acontecia a tradicional festa em louvor ao santo casamenteiro. Na véspera, havia a ladainha e ao alvorecer do dia 13, a Euterpe percorria a cidade despertando os devotos e convocando-os para a missa, às 11 horas. O ponto alto da celebração acontecia às 17 horas, quando saía a procissão repleta de crianças vestidas de anjos. A praça ficava toda iluminada, com barraquinhas ornamentadas por flores e folhagens. No coreto, as bandas se apresentavam e a alegria era contagiante.
A má (?) fama da Praça do Suspiro
Os namoros na praça merecem um capítulo à parte. Segundo a historiadora Janaína Botelho, um vereador chegou a se queixar dos “namoros fogosos” que aconteciam na Praça do Suspiro, afirmando que ali se praticavam “atos que devem ser vedados”. Esta crônica, publicada no jornal “O Friburguense” em 28 de junho de 1896, traduz um pouco do que acontecia. “Ali, sentados em um dos bancos, ele, o Romeu de jaqueta de brim e sem escada de seda enlaçou aquela Julieta (…) e ei-los n’um doce colóquio, n’um devaneio amoroso que a brisa suave da tarde acalentava. Discreto caçador que por lá passava, quedou-se, protegido pelo largo tronco de uma árvore, a contemplar o arrulho dos dois pombinhos, que começavam a cantar os seus idílios antes que as sombras da noite caíssem sobre aquele sítio tão propício a tais situações. O quadro vivo era digno de ser visto, enquanto que a fonte cantava sonoramente ao lançar os seus jactos de cristal sobre a bacia de granito, eles, embalados pela cadência de uma melodia que os seus instintos entoavam, falavam as coisas ternas, de cousas sensíveis e osculavam-se impudicamente. Depois, ergueram-se, olharam-se naturalmente e tomaram, ansiosos, o caminho do bosque. O caçador, única testemunha desta cena erótica, farto de presidi-la qual cupido desvendado, seguiu sua trilha; o bosque, que não fala, que guarda tantos segredos, recolheu as últimas horas dessa canção de amor. E o Suspiro, o poético Suspiro, o passeio predileto dos touristes, o logradouro público onde de preferência as famílias fazem os seus passeios, nem ao menos respeitado durante o dia.”
Poemas sobre a Praça do Suspiro
A Praça do Suspiro já foi cantada em prosa e verso, mas alguns merecem destaque especial, como os assinados por Humberto El-Jaick e Daniel de Carvalho.
FONTE DO SUSPIRO (Humberto El-Jaick)
Não sei se vêm do céu ou do cimo do monte,
sei apenas que as gera o ventre do horizonte
em mágico retiro
depois rolam riscando a densa e verde mata
qual um raio de luz sobre um veio de prata
as águas do Suspiro!...
Ninguém logrou jamais, nem a própria ciência,
definir a sublime e dolorosa essência
dessas estranhas águas.
Difere o seu sabor ao sabor das criaturas;
para quem é feliz são límpidas e puras,
para quem sofre?! Mágoa.
Como se a fonte fosse um coração humano
a jorrar sonho, e tédio e desengano,
em triste soledade:
Ora sobre uma flor, ora sobre um espinho,
as águas vão rolando e dizendo baixinho:
Amor... Ciúme... Saudade!...
---xxxx----
FONTE DO SUSPIRO (Daniel de Carvalho)
Num recanto da praça, ermo e silente
À sombra protetora da colina,
Jorrando dia e noite, mansamente,
Flui a água mais pura e cristalina!
E reza a lenda que se alguém descrente,
d’água sorver a frescura divina,
Voltará certo, e um dia novamente,
A rever sempre a fonte peregrina!
São três fontes lindas, de onde desce a água,
Cantando noite e dia pela frágua,
Em requintes sonoros de vaidade.
Canta o AMOR uma delas, num queixume,
Enquanto ao lado, chora outra com CIÚME,
e soluça inda uma outra com SAUDADE!
FIM
Memórias
Thereza Albuquerque e Mello, ex-diretora do Pró-Memória, atual Centro de Documentação D. João VI
“Os prefeitos têm mania de mexer em praça, é uma coisa que ninguém tira da cabeça deles. Com o Suspiro não foi diferente. Durante mais de sessenta anos, nenhum prefeito mexeu, mas em seu mandato (1955/1959), Feliciano Costa fez isso em grande estilo. Resolveu transformar o Suspiro e chamou um paisagista da época chamado Pero Ribeiro para fazer isso. Aí foi um desastre. Ele mandou fazer um gramado em volta da praça que vinha da calçada para baixo, até meio parecido com os de Glaziou, como o dos jardins do Country ou da Quinta da Boa Vista. O povo logo deu um apelido àquilo ali: ‘travesseiro de piranha’! O Suspiro já tinha fama e com aquele gramado caído, pode imaginar! Ficou um horror, ele acabou com as pontes, o lago, ficou muito feio mesmo, quem conheceu a praça antes, pode dizer.
Depois, em 1987, o prefeito Heródoto Bento de Mello fez outra transformação, que eu achei melhor que a do Feliciano. Ele, pelo menos, acabou com aqueles gramados que desciam, a praça ficou mais ou menos do mesmo jeito que agora. Logo depois desta reforma, o teleférico foi inaugurado e plantaram no meio da praça aquele terminal de passageiros, sem o menor cuidado de preservar a tradição do local. Desde então, houve uma ou outra reforma, mas nada importante. Até porque aquele local tão lindo e tão querido por todos nós, friburguenses, não existia mais. Quando aconteceu a tragédia, o Suspiro não era mais o Suspiro. Dele só restaram as lembranças, as fotografias, e a saudade.”
Carlos Jayme Jaccoud, historiador
“Os olhos de um velho se parecem muito com os de uma criança. Com facilidade eles se enchem de lágrimas e, elas podem até escorrer pela face abaixo. Depois da tragédia de janeiro, passei pelo Suspiro e lá no canto, onde por mais de oito décadas pude apreciar a Fonte do Suspiro, não vi nada. Ou melhor, vi um buraco no seu lugar. Confesso que chorei de tristeza. A encosta por onde um dia desceu a cristalina água da Fonte do Suspiro foi levada de roldão e tudo ao seu redor foi destruído no seu caminho. A fonte do Suspiro desapareceu.”
Zuenir Ventura, jornalista e escritor
“Tenho da Praça do Suspiro dois tipos de memórias afetivas: uma romântica e outra engraçada. A primeira tem a ver com aqueles namoricos de juventude, em que se tentava convencer a namoradinha a ‘dar uma volta até o Suspiro’. Como não pegava bem a uma ‘moça direita’ ir sozinha com um rapaz àquele local tão romântico e pouco iluminado—no dia seguinte estaria mal falada, mesmo que não acontecesse nada além de um leve beijinho, sem língua, evidentemente—o argumento que se usava era que ela deveria ir só para beber das três fontes: amor, saudade e ciúme. Dizíamos que quem bebesse daquela água de noite não ficaria para ‘titia’, era casamento certo. Estou falando do fim dos anos 40, início dos 50, e só me lembro do argumento ter funcionado uma vez. Mas foi um beijo inesquecível—de boca fechada e sem língua, evidentemente.
A outra lembrança é dos tempos do Tiro de Guerra. Não só a sede era no Suspiro como o treinamento. Éramos submetidos àqueles inúteis exercícios em meio à neblina e num frio de rachar os lábios: ‘meia volta volver!’, ‘sentido!’, ‘descansar!’, ‘acerta o passo, ô batráquio!’. O nosso sargento adorava nos chamar de ‘batráquios’, que ele mesmo não sabia direito o que significava. Nessa época, Friburgo devia ter mais sapos do que habitantes. No Suspiro então era de dar com o pé. ‘Macaé’, o mais moleque da turma se divertia. Não tinha problema de pegar com a mão e jogar nos outros. Uma vez, pegou um, botou na cabeça do colega mais bem comportado e enfiou o bibico (uma espécie de casquete que fazia parte da farda). O garoto entrou em pânico, começou a pular e a gritar, fazendo um escândalo. Resultado: foi punido por indisciplina. ‘Macaé’, o cínico, ficou impune.
Para não carregar fuzil, me inscrevi na banda, e até hoje não sei como fui aceito (provavelmente subornei alguém). Escolhi o instrumento mais fácil, que era a tuba: aquele enorme tubo circular que envolvia o nosso tórax e terminava no alto em forma de sino invertido. Era fácil de carregar e de tocar. Os corneteiros se esfalfavam para fazer ‘pamparampapam’ e cabia a mim e ao Renato responder com nosso fácil sopro: ‘puompom’. Só isso. Um dia desafinei mais do que o normal e fui advertido pelo sargento. Só fui descobrir a razão quando terminou o desfile. Havia um sapo na minha tuba. Não descobri quem pôs. E precisava? Claro que foi ‘Macaé’. Reclamei e ele com a cara mais cínica: ‘Que é isso 108 (era o meu número)? Eu jamais seria capaz de uma brincadeira de mau gosto’.
Grande ‘Macaé’. Saudades do Suspiro, do Tiro de Guerra e até dos sapos.”
João Máximo, jornalista friburguense especializado em futebol e MPB, autor de “Noel Rosa—uma biografia”, “Cinelândia—Breve história de um sonho”, “Maracanã—Meio século de paixão” e dois títulos da coleção Perfis do Rio, “João Saldanha—Sobre nuvens de fantasia” e “Paulinho da Viola—Sambista e chorão”
“Namorei muito no Suspiro. Eu e mais oito entre dez dos jovens daquele tempo. Não voltei a Friburgo depois da tragédia de janeiro. Mas, se voltasse, não haveria de querer ver o Suspiro, cuja igreja, em que meu irmão se casou (e comemorou as bodas de ouro), virou ruína. Fugiria dali em nome de uma covardia que se confunde com memórias perdidas na mocidade. Naquele tempo, meio século atrás, dizia-se que o Suspiro era lugar de jovens levados ali por ‘motivos escusos’. Como o passar do tempo, aprendemos que os motivos, em vez de escusos, eram nobres. O que há de mais nobre que o amor de adolescentes apostando no futuro? Namorei muito ali. Eu e mais oito entre dez. É verdade que as meninas resistiam ao convite o mais que podiam. Dizia-se—que caretice!—que menina direita não namorava no Suspiro. No entanto, as mais sábias e liberadas já tinham se convencido de que o amor tudo permite. Até no nome aquele recanto entre o Xadrez e o Tiro de Guerra, com o chafariz ao fundo, tinha um que de sensualidade. Vão reconstruí-lo? Que bom! Que os jovens de agora reservem pelo menos uma noite do amanhã para prestar, entre beijos, abraços e carinhos sem ter fim, a homenagem que Suspiro merece.”
Maria Helena Flores Guinle, professora, filha do ex-prefeito César Guinle
“Foi um choque, depois de morar os anos 70 na França, chegar naquela praça acolhedora e vê-la desfigurada, com o espaço ‘aéreo’ cortado pelos cabos do teleférico! Até então havia conhecido o Suspiro com seu jardim de pequenos caminhos, moitas de arbustos e alguns bancos. As charretes grandes e as pequenas, puxadas por bodes, e também os cavalos eram o lazer oferecido aos turistas. Ao fundo se destacava a Capela de Santo Antônio e a pequena fonte, próxima ao terreno do Tiro de Guerra. De um lado via-se o Clube de Xadrez, cuja sede era muito requisitada para festas de formatura e bailes de carnaval. Na esquina com a Rua General Osório, uma grande propriedade com casa rosa muito bem cuidada, chamava a atenção.
O teleférico talvez tenha atraído a construção de um boliche e um hotel que visivelmente se instalaram em zona de risco, cuja construção jamais deveria ter sido autorizada pela Prefeitura. Consequências nefastas foram se manifestando ao longo dos anos: problemas no mecanismo do teleférico deixaram pessoas penduradas no cabo tarde da noite por algumas horas. Em 2007, houve deslizamentos no morro, e—pasmem—o boliche continuou a funcionar.
Os fatos ocorridos na madrugada de 11 de janeiro todos conhecem. Como dizer que a ‘Nova’ Friburgo pós-desastre ambiental continuará ‘linda’? A mão do homem já havia enfeado Friburgo bastante com inúmeras ações que também ameaçavam a integridade da população. Será que a falta de critérios urbanísticos continuará à mercê do poder de um punhado de indivíduos irresponsáveis? Façamos valer o mínimo das leis de preservação ambiental, e sensibilizar os habitantes de Nova Friburgo para o fato que a cidade é um prolongamento de nossa casa!”
Dilva Moraes, professora
“Na praça do santo casamenteiro, no dia 13 de junho, os jovens esperavam receber (ou oferecer) moedas que eram depositadas aos pés de Santo Antônio para que ele não se esquecesse de mandar o cupido flechar o coração de alguém e promover um casamento de contos de fadas que seria, é evidente, celebrado na sua capelinha.
Os canteiros floridos, o laguinho, a romântica ponte e o bambuzal majestoso faziam parte de um cenário paradisíaco complementado pela fonte, feita de pedras que guardavam, em seu silêncio, as juras de amor, os beijos roubados e as lágrimas das desventuras, grandes temas para poetas e escritores. Cada friburguense ou visitante tem uma foto, um objeto ou uma lembrança especial da Praça do Suspiro, guarnecida não só pelo tradicional Hotel Dominguez (ex-Schumacher), a Igreja Batista, o Clube de Xadrez, o Colégio Modelo, o Tiro de Guerra e hoje fortalecida pelas presenças do Teatro Municipal e da Praça das Colônias.
Ao compor o hino do centenário de Nova Friburgo, Franklin Coutinho exaltou a Praça do Suspiro—‘Do suspiro, na fonte saudosa/ há três almas que gemem de dor.../repetindo esta prece maviosa/da saudade, do ciúme e do amor’—, mas não poderia nem supor o que aconteceria à nossa cidade perto de seu segundo centenário. Hoje, não apenas três almas, mas... milhares de almas estão sofrendo de saudades de sua praça e de sua fonte.”
Lurdes Gonçalves, jornalista e escritora
“Cheguei a Friburgo em 1984. A Praça do Suspiro era um recanto de sonho, com sua pontezinha sobre o modesto riacho com seu sussurro de boas-vindas aos que ali chegavam. Bancos à sombra das árvores, ambiente de paz e harmonia, lembrando os emigrantes japoneses com sua delicada arte de tratar e respeitar a natureza. Todas as manhãs, eu e minha irmã íamos cedo para lá, usufruir mais essa dádiva da cidade acolhedora que tanto amo. As charretes, os cavalos mansos a carregar turistas e crianças alegres. Ali perto, a Fonte dos Namorados, com sua trova amorosa a incentivar o amor à poesia tão viva no coração dos friburguenses. Até o dia em que o mau gosto transformou tudo aquilo em frias placas de cimento, tentando justificar-se como modernismo e progresso... Ah, o assunto daria mesmo uma crônica, de saudade e dor pela perda de tanta beleza e paz nos foram roubadas.”
Robério José Canto, educador e cronista
“A Praça do Suspiro, com esse nome poético, está na ‘memória do coração’ de todos os friburguenses. Nela começaram muitos amores, ali tantas crianças brincaram e quantos casamentos se realizaram na capelinha de Santo Antônio. Lugar carregado de história e de histórias, ele deveria merecer mais carinho do poder público. No entanto, às vezes mais parece um terreno baldio. As reformas que sofre de vez em quando (e ‘sofre’ é a palavra certa) só fazem desfigurá-la cada vez mais. A antiga e bucólica praça que vemos nas fotografias antigas transformou-se num piso de cimento bruto e grama cheia de mato. Em seus monumentos e bancos, instalaram-se moradores de rua. Os brinquedos do parquinho infantil estão sempre quebrados. A sujeira é generalizada. Para completar, os flanelinhas se tornaram os donos da rua, onde lavam carros e vendem espaços.
A Praça do Suspiro é um dos símbolos de nossa cidade. Seria bom se voltasse a ter o charme acolhedor que ostentou no passado. Do jeito que tem sido tratada, é melhor que os turistas sejam desviados dela, para não verem como a cidade trata mal um recanto que, de tão importante, até figura no seu hino: ‘Do Suspiro, na fonte saudosa...’”
Rodolpho Abbud, trovador
“Eu sou do tempo em que no lugar do Clube de Xadrez havia um enorme campo, onde eram armados os circos que visitavam a cidade. A Praça do Suspiro era um jardim lindo, com muitos canteiros, palmeiras e árvores. A água potável que vinha do alto do morro, além de ir para a fonte, formava um regato e seguia para o lago, embelezado por um repuxo e com pontes muito bem decoradas. Era o que se pode dizer de ‘um amor’ de lugar, romântico, poético e, por isso, escolhido pelos casais de namorados. Era engraçado, pois ali no Suspiro havia um enorme bambuzal onde reinava um silêncio incrível (só se ouviam suspiros). Mas, se de repente alguém, de brincadeira, gritasse ‘polícia’, saía gente de todo lado.
Perto do antigo templo da Igreja Batista ficava a casa das professoras Hermínia e Alzira Moura, pessoas muito queridas. Nas imediações, a estação meteorológica e, onde hoje é o Teatro Municipal, o campo do Fluminense Atlético Clube. Nas primeiras transmissões esportivas em que fui o locutor, a cabine ficava por cima de uma das bilheterias e a energia para a transmissão vinha de um ‘gato’ com dois ganchos, pendurados nos fios.
No lugar do antigo Hotel Schumacher, hoje Dominguez, funcionava o Colégio Modelo, que passou depois para a esquina da General Osório e se estendia até a beirada do Rio Bengalas. Em frente, na outra esquina, ficava o casarão das famílias Pockstaller e Falk. Esta, por sinal, contribuiu muito com o processo de industrialização da cidade, construindo a Fábrica Ypu.
A Praça do Suspiro compunha um cenário maravilhoso e aprazível, com destaque para a área próxima à fonte, onde havia um enorme caramanchão. A Fonte do Suspiro era lindíssima e tamanha a sua importância que foi incluída na letra do Hino de Nova Friburgo. Ali, bem perto da fonte, hoje totalmente seca, foi criada, mais tarde, a Praça dos Trovadores, em homenagem a todos nós que sempre tivemos uma relação muito afetiva, muito próxima com o Suspiro. Basta dizer que os primeiros Jogos Florais tiveram como tema, justamente, ‘Amor’, ‘Saudade’ e ‘Ciúme’, os nomes das três bicas da fonte. Em maio de 1968, foi inaugurado na Praça do Suspiro o Monumento aos Jogos Florais, como parte dos festejos dos 150 anos da cidade. A Praça dos Trovadores foi devastada pelos temporais de janeiro, mas a Universidade Candido Mendes já se prontificou a restaurá-la. Eu sou otimista e tenho certeza de que iniciativas como esta podem, quem sabe, devolver aos friburguenses e visitantes, pelo menos, um pouco do que foi a Praça do Suspiro, um local que encantou gerações e gerações.” (Depoimento dado à Elizabeth Souza Cruz) .
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