As áreas de risco em todo o município deveriam ser evacuadas no próximo verão ou o sistema de alarmes por sirenes é suficiente? Esta tem sido a principal pergunta do friburguense nos últimos meses. O medo cerca diversas comunidades desde janeiro e a dois meses do período de chuvas a tensão só tende a aumentar. É o que vem acontecendo na Rua General Osório, no Centro, por exemplo. Moradores temem que novos deslizamentos, apontados em relatório do Inea ao Ministério Público (MP), entre o Teleférico e o Colégio Anchieta, atinjam em cheio os prédios naquele trecho. A dúvida é se a enorme fenda no alto do Suspiro, provocada pela tempestade de janeiro e que ocasionou o carreamento de toneladas de terra e entulhos, pode facilitar a infiltração das águas das chuvas e estimular novos escorregamentos de terra. Este e outros fatos vêm tirando o sono dos moradores e já há famílias de malas prontas para deixar o local. Esta semana A VOZ DA SERRA teve acesso ao relatório, feito em abril, pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea), a pedido do Ministério Público, que indica a iminência de grandes riscos. O assunto tornou-se o principal foco na cidade, gera debates e polêmicas nas redes sociais e, apesar da proximidade do período chuvoso, parece estar longe do fim. A falta de informações claras e precisas sobre o que vem sendo feito para reconstruir Nova Friburgo tem dado margens a muitas especulações sobre a real condição da cidade em suportar a próxima temporada das chuvas.
No verão da dúvida, medo
e apreensão só aumentam
Moradores das áreas de risco, inclusive no Centro, temem a possibilidade de novos deslizamentos e diante das poucas obras de contenção em andamento já pensam em deixar suas casas quando o período de chuvas chegar
O aposentado José de Ornellas Souza, 68 anos, mora no Loteamento Três Irmãos, distrito de Conselheiro Paulino, com a mulher, duas filhas, um genro e dois netos. Ajuda a sustentar toda a família, com pouco mais de R$ 750 que ganha por mês da Previdência Social, e ainda assim decidiu assumir uma despesa extra a partir de outubro. “Vou usar metade da minha aposentadoria para pagar os gastos com alimentação da família na casa da minha irmã, no Jardim Califórnia. Todo mundo vai se mudar para lá durante o próximo verão. Não quero que meus parentes morram soterrados quando as chuvas chegarem”, declarou. O medo de José de Ornellas tem motivo. Sua casa e as de outros vizinhos no Três Irmãos está no caminho de uma enorme encosta, que sofreu grandes deslizamentos e com pedras aparentemente soltas no cume, que podem rolar e ocasionar uma tragédia sem precedentes na localidade já tão castigada no fatídico 12 de janeiro.
“Eu vou ficar lá sozinho para evitar saques, pois se a casa permanecer muito tempo sem ninguém chama a atenção da bandidagem. Mas, quando ameaçar chover forte, eu também vou sair. Muitos vizinhos já estão procurando casas para alugar e só pretendem voltar depois de fevereiro do ano que vem, quando as chuvas passarem. Só Deus sabe o que pode acontecer no próximo verão aqui em Friburgo”, diz o aposentado, que na tragédia perdeu quatro parentes e muitos amigos em soterramentos tanto em Conselheiro Paulino, como no bairro Córrego Dantas e no distrito de Campo do Coelho.
O drama vivido por Ornellas e seus vizinhos não é uma peculiaridade das áreas de risco da periferia de Nova Friburgo. No Centro, moradores da Rua General Osório também temem a aproximação do período de chuvas que se inicia daqui a pouco mais de um mês e meio. Na rua onde se concentra um dos mais caros IPTUs do município, o medo é que as encostas do morro do Teleférico e da Rua Sylvio Henrique Braune deslizem ainda mais e atinjam em cheio os prédios naquele trecho.
A apreensão no local se deve à constatação de uma fenda no alto do Suspiro, provocada pela tempestade de janeiro e que ocasionou o carreamento de toneladas de terra e entulhos suficientes para engolir parcialmente a Praça do Suspiro, um dos símbolos postais de Nova Friburgo. O enorme deslizamento atingiu a capelinha de Santo Antônio, e o cenário de pós-guerra chocou o mundo. A destruição no Suspiro foi a primeira imagem da tragédia no município captada por emissoras de TV e veiculada nos dias que sucederam à maior catástrofe climática da história brasileira, que matou, oficialmente, quase 500 pessoas no município.
O medo de que a tal fenda no alto do Suspiro facilite a infiltração da água das chuvas na montanha, estimulando novos escorregamentos de terra, vem tirando o sono dos moradores desde que, há cerca de quatro meses, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e o Departamento de Recursos Minerais (DRM) do Estado fizeram um levantamento geológico do morro do Teleférico a pedido do Ministério Público. Na última semana A VOZ DA SERRA teve acesso ao relatório do estudo, feito a partir de sobrevoos, apontando a iminência de grandes riscos.
O geólogo, o técnico em meio ambiente e o engenheiro agrônomo que assinam o documento atestam a vulnerabilidade da encosta entre a Praça do Suspiro e o Colégio Anchieta e grifam “não ser exagero afirmar que pela declividade do terreno, pela altura do morro do Teleférico, pelo volume de material existente e os deslizamentos pontuais já verificados, existe risco real de movimentação de todo o complexo, com consequências imprevisíveis”. O relatório observa ainda a necessidade urgente da manutenção de um reservatório de água que apresenta trincado vertical na parede. No documento aponta-se ainda a necessidade de que o tal reservatório seja desativado temporariamente, até a realização de obras no local. Na manhã da última quinta-feira, 25, um novo sobrevoo foi realizado no morro do Teleférico com geólogos do DRM e técnicos da Defesa Civil.
Nos próximos dias o DRM deverá emitir laudo contestando as informações contidas no relatório do Inea, feito em abril. A decisão foi tomada na manhã desta sexta-feira, 26, no Rio de Janeiro. Após o sobrevoo realizado na última quinta-feira, 25, os técnicos do DRM acreditam que, embora existam dois grandes deslizamentos entre o Teleférico e o Colégio Anchieta, não há possibilidade de haver escorregamento de parte da encosta de uma só vez, com possibilidade de obstrução até mesmo do Rio Bengalas, como observado anteriormente pelos técnicos do Inea.
Numa reunião esta semana entre o Ministério Público, o Inea e os representantes da empreiteira Geomecânica, que realiza a obra de contenção do Teleférico, foram anunciadas que ações emergenciais serão desencadeadas, a fim de evitar novos deslizamentos com os temporais de verão.
A contenção em parte do morro do Teleférico teve início recentemente, por uma empreiteira contratada pelo governo do Estado. A obra se aproxima de R$ 50 milhões, gerou 384 empregos, mas na placa afixada na última terça-feira, 23, na Praça do Suspiro, bem à margem da confluência da Avenida Santos Dumont com a ponte em frente ao Clube de Xadrez, não há informação sobre o prazo para conclusão do serviço emergencial, o que gera ainda mais incerteza aos moradores daquele entorno.
“Por que essa contenção não teve início antes? As áreas de risco em todo o município deveriam ser evacuadas no próximo verão ou o sistema de alarmes por sirenes é suficiente?”... São perguntas que o friburguense se faz insistentemente nos últimos meses e que, infelizmente, ainda continuam sem respostas.
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