ENTREVISTA
Para aquecer o inverno
e o coração: Nana Caymmi
“O povo friburguense merece todo o meu respeito”
O final de semana do dia 16 foi especial para fãs da MPB na cidade. A consagrada cantora Nana Caymmi, filha do emblemático Dorival Caymmi, se apresentou no teatro do Nova Friburgo Country Clube e aqueceu ainda mais o Festival de Inverno Sesc. No repertório, canções eternizadas pela história da música nacional, como “Por toda minha vida”, “Não se esqueça de mim” e “Resposta ao tempo”, além de composições de Dorival Caymmi, Tom Jobim e Dolores Duran.
Seu último trabalho lançado, o álbum Sem Poupar Coração, não tardou em receber boas críticas e elevou a música homônima às principais rádios, além de ganhar destaque na novela Insensato Coração. Na bagagem, nada menos do que 50 anos de uma carreira sólida e internacionalizada. Na vida, 70 anos de dedicação à música e uma recente homenagem: o documentário “Rio Sonata”, do cineasta francês George Gachot, que conta a história da sua vida e os momentos mais marcantes de sua carreira. “Rio Sonata capta o papel decisivo da música sobre a filha de Dorival, ex-mulher de Gilberto Gil, musa de Milton Nascimento, amiga de infância de Nelson Freire, e citada pela crítica internacional como a cantora entre as cantoras”, resumiu o autor da obra para AVS, no lançamento do filme, no Rio de Janeiro.
Nesta entrevista, Nana revela um pouco mais sobre algumas curiosidades de sua vida, como a satisfação que sente toda vez que interpreta “Acalanto”. “É uma canção que remete 100% da minha alma ao meu pai.” A cantora conta ter sido uma criança inquieta e de sono difícil, motivo pelo qual Dorival compôs a obra para ninar a filha. “Eu tinha seis meses quando ele fez Acalanto, depois gravamos juntos quando eu era adolescente, e canto com emoção até hoje. Inclusive, meu nome é Dinair. O apelido Nana, vem dessas tentativas do meu pai em me ninar (risos).” Trajetória profissional, família, amigos, muita música e recordações marcaram este bate papo, que o querido leitor(a) confere a seguir!
Primeiramente Nana, é um grande prazer termos você dentre as melhores atrações em nossa cidade...
O prazer é todo meu! Fiquei feliz ao ser convidada. Além de gostar da serra, do bom ar e da boa gente, sem dúvida é uma satisfação cantar em um festival tão consagrado, como é o Festival de Inverno, que vem de anos na região. Já é uma referência para nós, músicos e artistas.
E como foi a apresentação?
Foi linda! Senti-me muito à vontade. O público me recebeu de braços abertos em meio a essa tragédia ocorrida no início do ano e os problemas atuais que vem sendo divulgados sobre a cidade, e essa coisa toda. Fiz com muito carinho, de coração aberto, da melhor maneira possível, como forma de oferecer o meu trabalho exclusivamente para o povo, para cada cidadão friburguense que esteve lá presente para me prestigiar. O povo friburguense merece todo o meu respeito!
Bom, não teve como fugir da música com esta família, não é mesmo?
Comecei cantando já com poucos anos de idade e a melhor explicação é também o melhor motivo para ter entrado na música: nasci num berço extremamente musical, não é mesmo? Sendo filha de Dorival Caymmi e Stella Maris, não ia passar impunemente pela música (risos). Nem eu, e nem meus irmãos Dori e Danilo.
E não teve como deixar de interpretar grandes nomes que você cresceu vendo em sua casa, como Tom e Vinícius. Difícil tarefa, não é?
Muito difícil, e por isso a voz do coração tem que falar mais alto. Tenho bastante conhecimento sobre grande parte dos compositores que interpreto. Tento a todo instante colocar-me no lugar deles, sentir com os seus sentimentos.
E apesar da voz quem vem do seu coração, que a gente adora, você faz alguma preparação especial? Alguma técnica?
Antes de gravar, quando penso em interpretar uma composição, eu costumo meditar, interiorizar a obra dentro de mim para conseguir entender o sentimento de quem a fez.
Você citou a meditação...
Sim, a meditação me leva ao silêncio, um dos bens mais raros hoje no mundo contemporâneo em que vivemos. Não há canção sem silêncio, não há música sem pausa.
E o silêncio da Bahia ainda continua melhor que o carioca (risos)?
A Bahia de hoje já me é estranha. Mas aquela Bahia tranquila, descansada, de pouco ruídos e colonial, a Bahia que era a Bahia do meu pai, está ficou em mim.
O que mudou por lá?
Hoje eu estranho as orlas, todas já bem edificadas. Cada dia mais parecida com Copacabana e menos semelhante do que a antiga. Mas ainda temos muitas coisas por lá como eram antes, apesar de sempre precisar de dinheiro para conservar a arquitetura e manter antigo o que deve ser mantido. Aquela Bahia das baianas com seus tabuleiros, hoje são apenas para turistas, infelizmente. Costumo dizer que na era digital, o baiano está virando paulista, cada vez mais acelerado.
O que você guarda destes tempos áureos, destas lembranças da época do seu pai?
Ah, tenho boas lembranças da Feira de São Joaquim, das procissões, da fé do nosso povo. Tem o folclore e tudo mais também. Saudades da infância, quando veraneávamos na casa de Itapuã. Vi o teatro Castro Alves ser construído, mas hoje sinto até medo de andar naquela praça. A Bahia é outra. Apesar do meu pai nunca ter se ressentido com a chegada do modernismo, ela ficava incomodado com as mudanças na Lagoa do Abaeté. Mas continua sendo a Bahia que nos deu cidadania e todas as homenagens possíveis.
Como estaria o Dorival na Bahia de hoje?
A última vez que estive com meu pai em Salvador ele se perdeu no meio dos novos prédios. Meu pai comemorou 70 anos com um show no Iguatemi, um shopping importante e que hoje não passa de apenas mais um entre tantos. A última vinda dele para Bahia foi em 2006, quando recebeu o Prêmio Jorge Amado.
O que você costuma escutar em casa?
Muita coisa! Temos uma riqueza enorme em nosso país chamada compositores. De uma época mais remota você tem Lupicínio, Ary Barroso, Braguinha, Cartola, muita gente. Agora escuto o Danilo, Dori, Djavan, e por aí vai...
O que você tem achado da nova geração de cantoras e compositoras?
Penso que uma boa compositora tem que ter talento, aquela coisa que nasce com você. Não dá pra fabricar uma, não fica bom. Não é como um ator que entra em uma escola e sai consagrado. Ainda temos muita gente boa, mas é preciso garimpar.
Vejo novas gerações no mercado, que nem sequer conhecem o trabalho do seu pai. O que você acha disso?
O esquecimento é um problema cultural do nosso Brasil, não é mesmo? E infelizmente ele não atinge apenas o campo musical. Muita gente nova canta clássicos de compositores antigos e a rádio vai deixando de dar créditos aos verdadeiros compositores. É triste. Já vi gente dizer que “Marina”, por exemplo, era do Gilberto Gil, e não do Caymmi.
Lembrou bem (risos). Como foi seu casamento e sua relação com Gilberto Gil?
Foi tudo que tinha que ser (risos). Durou dois anos e meio. Acabou a magia e foi preciso renovar (risos).
Como é sua relação hoje com ele?
Tivemos algumas divergências quando ele foi pro Ministério da Cultura e houve aquela discussão a respeito dos direitos autorais. Não mantenho uma relação hoje com ele. Lá no fundo, ele sabe por que fiquei distante.
O com o João Gilberto?
Tivemos uma relação bem rápida. Ele é uma mala (risos).
Você foi muito namoradeira (risos)?
Tive apenas 11 relacionamentos sérios (risos). Falei em uma entrevista há um tempo atrás que se juntasse todos em um só, aí sim seria mil maravilhas (risos). Mas como não é possível...
Você foi para Venezuela em 61 com o Gilberto José Paoli, pai dos seus três filhos, a Stella, o João e a Denise. Mas acabou voltando grávida em 65. Como foi isso?
Tive que deixar família amigos, e não me acostumei com o local. Naquela época as mulheres de lá eram muito dependentes dos maridos e não faziam nada. Não aguentei.
Sofreu preconceito?
Claro! Imagina, voltei com dois filhos nos braços e um na barriga. Meu pai mesmo, deixou de falar comigo durante anos. Ainda tinha aquela mentalidade que o devido lugar da mulher é ao lado do seu homem.
Já li algumas críticas suas a respeito do casamento. Como você pensa hoje esta questão? Ainda “mete malho” (risos)?
Casamento não costuma ser bom (risos). É ótimo no namoro, noivado, festas, mas depois da lua de mel... (risos).
O João, seu filho mais novo, passou por um grave acidente e problemas por porte de maconha. Pode falar sobre isso?
Pois é! Ele bebeu, fumou e aí sofreu o acidente que todos acompanharam na época, restando-lhe algumas sequelas. Tive que resolver alguns processos. Ele não tem juízo, chegou a dizer pro delegado numa das vezes que foi retido que só havia comprado maconha pra dois amigos. E aí é tráfico de drogas! Fiquei roxa de vergonha.
Você já experimentou?
Uma vez com o Gil, mas não foi bom, porque tive uma fome absurda logo depois (risos). Minha rota de fuga sempre foi o palco, é lá que eu trato minhas carências e dependências emocionais. Gosto apenas de tomar um whisky enquanto aguardo para entrar no camarim.
Qual a sua opinião sobre a legalização da maconha?
Sou a favor! Acho preferível uma juventude com maconha, do que esse festival de LSD quem tem rolado por aí.
Até hoje se comenta uma “certa birra” entre você e Elis Regina. O que aconteceu de verdade?
Até o momento da separação com o Ronaldo Bôscoli ela sempre manteve uma amizade bem presente. Mas após esta fase, ela deu de ombros para o Rio e ficou contra todos que mantinham laços com ele. Então acabei me afastando porque ela ficou muito neurótica com isso. Travou uma guerra na justiça, onde o filho, o Marcelo Bôscoli, ficou no meio, foi horrível. Acabei me afastando. A Elis tinha um espírito mais competitivo também, por exemplo, nunca fui ao programa que ela tinha na época. Não houve concretamente uma desavença, nenhuma briga, foi mesmo estados de espírito que não estavam mais caminhando juntos.
70 anos de vida, 50 de carreira, dezenas de discos e agora um documentário. Você continua no auge do sucesso. Este sucesso todo ainda lhe deixa ansiosa, empolgada?
Costumo dizer que não sei mesmo se fiz esse sucesso todo que me é atribuído. Dei um passo de cada vez pra ser quem eu sou e conquistar o que tenho hoje. Sempre tive uma relação muito saudável com o sucesso, porque já nasci com ele. Nasci sendo “filha de”. Tenho consciência que meu sucesso não se deve a quantidade de vendas, mas sim devido à qualidade do trabalho realizado. Aliás, sempre tive a máxima preocupação em entrar para a história da MPB por essa vertente, pela qualidade de um bom trabalho.
E a emoção que sentiu ao ver seu documentário, “Rio Sonata”?
Gratificante demais! Principalmente estando viva, né (risos)? Sinto-me imensamente honrada por esta homenagem e reconhecimento, ainda mais porque a obra foi desenhada sob olhar de um estrangeiro, totalmente fora da minha realidade, do meu habitat. Adorei!
Como começou esta aproximação com o autor do documentário, o Georges?
Quando Maria Bethânia me convidou para gravar um disco e fazer os shows ao seu lado, em um deles estava presente o Georges, que estava gravando um documentário sobre ela chamado “Maria Bethânia, Música é Perfume”. Ali tivemos nosso primeiro contato.
Faltou alguma coisa no documentário ou teve algo que você fez questão que não deixassem de colocar?
Acho que tudo esta ali. Principalmente porque narrei boa parte das coisas. Minha vida esta ali, digo, a naturalidade e a maneiro como vivo. O documentário mostra muito isso, minhas reuniões entre amigos, nossa jogatina, meus whiskys e também meus sanduíches (risos).
Deixe o seu comentário