Poder público e sociedade têm que começar já a discussão ambiental

segunda-feira, 14 de março de 2011
por Jornal A Voz da Serra

Eloir Perdigão

O professor e ambientalista Fernando Cavalcante defende que a tragédia climática de janeiro passado teve como principal causa as mudanças climáticas mundiais. E, em Nova Friburgo, também a ocupação de áreas de risco. Professor de geografia, bioclimatologia, poluição atmosférica, gestão ambiental e análise de risco, e ex-coordenador do Centro de Estudos Ambientais (CEA), através da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Fernando tem sido requisitado para palestras a fim de expor seu ponto de vista quanto ao meio ambiente em Nova Friburgo pós-tragédia.

No CEA o professor integrou equipes da coleta seletiva de lixo na cidade, de comitês e consórcios das bacias hidrográficas e implantação de áreas de proteção ambiental, foi membro fundador do Conselho Municipal de Meio Ambiente, entre outras atribuições. Nesta entrevista ele aborda a atual situação de Nova Friburgo.

A VOZ DA SERRA – Qual foi o grande motivo da tragédia de janeiro?

FERNANDO CAVALCANTE – É uma questão complexa. A tragédia se insere na questão das mudanças climáticas do planeta. Houve a tragédia em Nova Friburgo e depois uma nevasca recorde em Nova York, um furacão na Austrália, um terremoto no Japão... São vários desequilíbrios no planeta todo.

AVS – E isto não é de hoje...

FERNANDO CAVALCANTE – Desde o Século 18 a humanidade desmata. Eu sempre pergunto aos meus alunos a diferença entre árvore e madeira. A diferença entre os dois é a água. Quando se joga uma árvore ao chão e se quer usar a madeira, a deixamos secar. Isto significa transferir a água - que era árvore - para atmosfera. E imagina que desde o Século 18 a gente desmata todas as florestas e tem transferido toneladas de água das árvores para a atmosfera, que está com muita chuva mesmo.

AVS – Ainda temos a questão do aquecimento global...

FERNANDO CAVALCANTE – A gente está vivendo o aquecimento global. Esse vapor d’água que está na atmosfera está mais quente. E vapor d’água quente é um problema sério. Tem tanta energia que a humanidade fez a máquina a vapor. E essa energia está por todo o planeta produzindo uma série de mudanças climáticas. Não é à-toa que autoridades mundiais estão preocupadas. E isto é o pano de fundo. Por isso eu disse que a questão é complexa.

AVS – E isto teve efeitos também em Nova Friburgo...

FERNANDO CAVALCANTE – O que aconteceu aqui não foi só no dia 11. Já vinha desde o Natal chovendo bastante. E chuvas intensas e sérias. A informação que a gente tem é que naquelas 30 horas foram de 310 a 320 milímetros de chuva. São 300 litros de água por hora num metro quadrado. Veja só o tsunami que estava caindo sobre nossas cabeças naquele fatídico dia 11.

AVS – Algumas pessoas falam até em tremor de terra...

FERNANDO CAVALCANTE – Às três, quatro horas da manhã do dia 12 aconteceu outro fenômeno, muito comentado, mas ainda pouco explicado. As nuvens que provocaram aquilo tudo têm vinte e tantos quilômetros de altura. São enormes. E elas estavam estacionadas sobre Nova Friburgo. Têm muita carga eletromagnética. A partir das três horas da manhã começou uma sucessão de raios e trovoadas, que a população comum identificou até como terremoto, abalo sísmico. Mas não houve abalo sísmico, porque se não os sismógrafos existentes ao redor, nas universidades, teriam detectado.

AVS – Então, o que aconteceu?

FERNANDO CAVALCANTE – O que houve foi uma tempestade sonora e eletromagnética. Tanto que esses raios e trovoadas começaram a soltar áreas onde nunca ninguém esteve. São mais de 1.200 escorregamentos em todo o município. Destes, perto de 200 só na área urbana. Mais de mil na zona rural, onde ninguém morava, onde era só mata fechada e caiu a mata inteira.

AVS – A água pesou?

FERNANDO CAVALCANTE – Onde se tem floresta a água infiltra - se não há floresta a água cai por cima - numa rocha de argila, que segura a água, e aquilo já estava pesado. E muitas vezes debaixo dessa argila havia rocha. Era o caso do Suspiro e outros lugares. Aquela capa espessa de terra deslizou em cima da rocha. Nas Duas Pedras caíram barreiras para os quatro lados. E ninguém mexeu lá em cima, não há ocupação, não tem loteamento, nem estradas, nada. Foram em decorrência de raios e trovoadas.

AVS – Que mexeram com a terra...

FERNANDO CAVALCANTE – Um senhor, plantador de mandioca, explicou isto na linguagem mais simples de um agricultor: ‘Quando a gente planta mandioca e tem chuvas com muito trovão e raio, a gente acha ótimo, porque o trovão e o raio afofam a terra. E a mandioca cresce com mais facilidade e mais bonita’. Veja que inteligência. Agora imagina depois daquela semana toda de chuva, depois de 300 milímetros de água caindo em pouco mais de 30 horas e Nova Friburgo sendo sacudida com esses raios e trovoadas. Aí começou a descer tudo. Foi uma sucessão de acontecimentos que teve fundo no aquecimento global.

AVS – Sem contarmos a ocupação irregular...

FERNANDO CAVALCANTE – Esta foi a pior parte. A ocupação muitas vezes não obedece à limitação das áreas de risco. Então, ficou claro por que existem limitações para ocupação do solo. Oitenta por cento do solo de Nova Friburgo não pode ser ocupado. Por lei é área não edificante. Então, dos quase mil quilômetros quadrados nós só temos 200 para construir. E esses 200 quilômetros quadrados já têm donos. Então ficamos numa situação da população mais pobre construir em áreas de risco. E quando chega um momento desses, são os primeiros a ir. E às vezes os ricos também vão se colocando em áreas de risco e eles também são afetados.

AVS – Em sua opinião, havia como pelo menos minimizar as consequências dessa tragédia?

FERNANDO CAVALCANTE – Eu acho que a gente tem que aprender a conviver com isso. Japonês convive com terremoto e a gente tem que conviver com chuva. Japonês treina, ensaia para saber como se comportar na hora de um grande terremoto. A gente precisa se preparar para a hora da chuva e para o dia seguinte. No dia seguinte estava todo mundo batendo cabeça, procurando familiares. Para minimizar os problemas, que certamente virão, a gente tem que respeitar mais a faixa marginal do rio. Assim a gente está economizando vidas. A gente precisa respeitar a legislação ambiental, não construir em áreas de risco. É evidente que o poder público - federal, estadual e municipal - tem que prover a comunidade de áreas para construção de moradias, tem que haver a questão da engenharia pública, ajudar a população a se localizar numa área fora do risco ambiental. Isto, antes. O depois a gente precisa estar preparado com o gabinete da crise. Para no dia seguinte a gente tomar conta da cidade, o que não aconteceu. Se não fosse os governos federal e estadual a gente estaria numa situação ruim até hoje.

AVS – Nova Friburgo ainda é uma cidade de risco?

FERNANDO CAVALCANTE – Eu diria que o planeta Terra é um planeta de risco neste momento. Teve gente dizendo que iria embora de Nova Friburgo. E eu dizia: se esse temporal fosse em qualquer outro lugar ia dar o mesmo problema, a situação também seria calamitosa. Tivemos problemas em Niterói, Angra dos Reis... O mundo está mesmo perigoso, porque a gente mexeu muito com o meio ambiente, com o clima. Agora o clima está mexendo com a gente. Cabe à gente, agora, entender, estudar, planejar, para proteger.

AVS – Alguns lugares estão piores que outros em Nova Friburgo...

FERNANDO CAVALCANTE - Certas áreas de Nova Friburgo terão que desaparecer naquela função urbana. Córrego Dantas era uma área de expansão urbana e distrito industrial. Ainda há uma série de galpões industriais com lama. E mais de 600 empregos perdidos. É uma coisa séria. A gente não pode deixar que um problema ambiental afete a economia da cidade. Por isso a gente tem que se proteger para minimizar e estar preparado para a crise, saber o que vai fazer.

AVS – O plantio de árvores é recomendado para conter novos deslizamentos?

FERNANDO CAVALCANTE – É, sim, mas é preciso saber que tipo de árvore, em que tipo de solo. Há necessidade de se plantar árvores nativas e não exóticas. Há de se levar em conta cada tipo de relevo, de solo, de situação.

AVS – O CEA foi destruído na tragédia. Como o senhor analisa essa perda?

FERNANDO CAVALCANTE – Uma perda séria para a cidade. O CEA representou, durante certo tempo, a implantação da educação ambiental na cidade, por vontade da Prefeitura, com apoio da EBMA. Agora, de uma coisa tenho certeza: vamos ter outro CEA em breve. É um desafio, uma responsabilidade nossa construir uma cidade melhor e mais bonita. É quase uma homenagem àqueles que se sacrificaram na tragédia.

AVS – O que o senhor pensa do surgimento de um novo bairro na Fazenda da Laje, onde se projeta a construção de casas para os desabrigados das chuvas?

FERNANDO CAVALCANTE – Este é um ponto que a gente está discutindo muito. Doze mil pessoas na Fazenda da Laje é quase a população de Trajano de Morais. É um projeto maravilhoso, tudo muito bonito. Agora, bonitinho só não adianta. Com as estradas que a gente tem naquela área, para a Fazenda da Laje ser viável a gente tem que ter um plano de mobilidade sério. Temos que chamar as autoridades federais e estaduais para nos ajudar.

AVS – Como se debate tudo isso? Qual é a sua ideia?

FERNANDO CAVALCANTE – A gente está precisando alargar essa discussão. De 2006 para 2007 a gente construiu o plano diretor participativo, inclusive discutido nas comunidades. Este seria o ponto de partida. A gente tem que mudar o plano diretor, porque a geografia de Nova Friburgo mudou. A natureza reivindicou áreas para ela e vai ser responsabilidade nossa se a gente deixar ocupar essas áreas de novo. O poder público e a sociedade, em parceria, têm de trabalhar com transparência, fazer seminários, buscar correções no plano diretor. E se preparar para a próxima. Vai ter a próxima.

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