Robério José Canto
Pois o caminho está agora intransitável, cheio de perigos e medos.
Lançar por terra, demolir, derrubar, destroçar. Destruir, devastar, arruinar. Mortificar. Abater, prostrar. Aniquilar. Encher até transbordar. Esses são alguns dos sinônimos que os dicionários atribuem à palavra arrasar. Cada um pior do que o outro e, neste momento, todos se aplicam à triste cidade de Nova Friburgo.
Estou escrevendo no sábado, dia 15 de janeiro desse ano que para nós começou tão desastroso, cheio de som e de fúria. Para onde quer que se olhe, parece fazer sentido a definição de Shakespeare: “A vida é uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, sem sentido algum”.
Há quatro dias desaba sobre a cidade tal quantidade de chuva que o próprio céu parece ter despencado sobre esta terra, até então linda e amorosa. Com as águas, vieram a lama, as árvores, os prédios e - tragédia envolta em tragédia - os corpos.
Quando se consegue sair de casa, atravessando barreiras de terra encharcada e lixo, rios de água suja e barrenta, o que se vê é gente enlameada e taciturna, olhando para os esqueletos descarnados do que antes eram prédios e casas, lojas e lares.
Nas janelas e portas arrebentadas, penduram-se as tripas do que sobrou: sofás com fraturas expostas, fogões para sempre apagados, televisões finalmente caladas. E geladeiras de bocas cinicamente arreganhadas. Tudo boia, tudo aderna até encontrar um poste a que se agarre.
Sirenes apitam, Carros passam velozes. Ouvem-se gemidos, soluços e gritos. Nas portas dos locais onde os mortos vão sendo amontoados, as filas se alongam, se contorcem na expectativa de, lá dentro, encontrar - ou não encontrar (sem saber, afinal, o que é melhor nessas circunstâncias) o pai que saiu para trabalhar, a filha que estava com o namorado, o marido que deu um até logo que agora mais parece ter sido um adeus.
Lama, lama, lama. E o lixo. E as águas que não param de despencar de nuvens sombrias e escorrem pelas ruas esburacadas, onde as pedras dos paralelepípedos, amontoadas umas sobre as outras, formam esculturas concretistas. Nas portas trancadas dos bancos, avisos supérfluos: Não estamos funcionando. Farmácias, padarias, supermercados abrem uma janelinha e atendem precariamente a mão que se estende por um remédio, um pão, um litro de leite.
Ah, cidade amada! Diz o poema do teu filho Jamil El-Jaick que Deus gastou um dia para fazer o mundo inteiro, e dedicou os outros seis a esculpir Nova Friburgo. Pois a chuva não precisou de mais do que um dia para arrasar com a obra de Deus e dos homens. Outro poema, de Araújo Jorge, garante que és uma “parada de um caminho a caminho do céu”. Pois o caminho está agora intransitável, cheio de perigos e medos.
Mas, no meio de tanta tristeza, veem-se doadores de sangue em longas filas, jovens que levam alimento e água para os abrigos, senhoras que se debruçam sobre enormes panelas, cozinhando para os desamparados. Escolas viraram centrais de abastecimento, clubes transformados em precários, mas seguros dormitórios. Motociclistas, bombeiros, soldados, médicos, religiosos, tanta gente ajudando, socorrendo, consolando.
Em meio à enormidade da tragédia, pulsa maior que tudo o enorme coração friburguense. E aos poucos, ainda que em meio às lágrimas, ainda que muito demore e muito custe, o povo vai reerguer Nova Friburgo. Esse povo, feito da mistura de tantos outros, do mais claro europeu ao mais negro africano, esse povo não se abaterá. À fúria da natureza, responderá com a força do seu trabalho, com a grandeza do seu amor pela terra natal.
Sim, num dia nem tão distante, o sol que se abrir sobre nossas montanhas iluminará uma cidade novamente bonita e feliz. A vegetação voltará aos morros, as flores aos jardins, os sorrisos aos lábios. Crianças e jovens irão barulhentos para as escolas. Idosos se sentarão nas praças para jogar dominó e conversa fora.
A vida triunfará.
Nova Friburgo triunfará.
15.01.11
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