Maurício Siaines
Bastante conhecido em Nova Friburgo e também nacionalmente, Hamilton Werneck é professor de geografia pós-graduado em educação, além de escritor e conferencista. Foi secretário de Educação do município e pertenceu ao Conselho Estadual de Educação do Estado do Rio de Janeiro. Exerceu o ofício do magistério no Colégio Anchieta entre 1966 e 1996, como professor, coordenador e diretor-adjunto. Sua experiência envolve ainda as classes rurais em escolas municipais, escolas estaduais, ensino de primeiro e segundo graus e ensino superior. Atualmente trabalha na Universidade Candido Mendes.
Autor de diversos livros, sua obra reflete a presença em sala de aula, além da troca permanente com outros educadores. Especialista em administração escolar e orientação educacional, é atualmente doutorando em educação na Wisconsin University, nos Estados Unidos.
Hamilton concedeu entrevista pela internet à VOZ DA SERRA e disponibiliza os seguintes endereços para mais informações: www.hamiltonwerneck.com.br, www.hamiltonwerneck.blogspot.com e hamilton@netflash.com.br
A VOZ DA SERRA – O Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) revelou, no noticiário de 7 de dezembro, melhoras na educação brasileira em 2009, embora esta ainda esteja em padrão abaixo do desejado. Como o senhor vê este problema social brasileiro?
Hamilton Werneck – Para uma avaliação melhor dos resultados de um exame, necessitamos saber alguns dados sobre a média e o desvio padrão. Sem eles, somente com uma apresentação classificatória, não sabemos o valor real de nossa média em relação ao quanto ela desvia, por exemplo, da maior concentração dos resultados. Trata-se de um exame para medir e classificar e oferece poucos dados interpretativos. Para uma boa educação não basta haver classificação. Bastaria, para compreender essa situação, relembrar um vestibular para direito numa universidade do Rio de Janeiro: um candidato analfabeto foi classificado em nono lugar. O que faltou dizer é que esse candidato era o último colocado, a prova foi de múltipla escolha e, portanto, com respostas aleatórias e sem uma redação que a acompanhasse. Nada disso significava admissão do aluno naquela universidade porque ele não conseguiria matricular-se por não apresentar o histórico escolar do ensino médio. Deveria haver uma redação? Sim, é claro! Foi uma falha da instituição? Certamente. A afirmação sobre a classificação tem algum significado? Pode ter, embora não represente valor algum, porque, na verdade, ele era o último colocado e as matrículas exigem várias documentações. Nada disso é para impedir nossos interesses de melhora junto ao Pisa. Precisamos melhorar, no entanto seria muito melhor podermos avaliar os dados com os complementos requeridos por uma avaliação de qualidade.
AVS – Poderíamos incluir os problemas da educação no mesmo contexto socioeconômico em que estão acontecendo ações policial-militares em favelas do Rio de Janeiro? O que podem estar indicando as duas realidades juntas?
Hamilton Werneck – As duas realidades são complexas e uma não depende da outra, porque pobreza não é sinônimo de banditismo. Evidente que, se as crianças de toda a cidade do Rio de Janeiro tivessem tempo integral nas escolas, seriam presas menos fáceis para o tráfico de drogas. As ações militares e de órgãos de segurança, assim se espera, ao trazer a pacificação para essas regiões, devem permitir o retorno dos serviços indispensáveis de segurança, educação, saúde e atendimento às principais necessidades da população. Educação, titulação e conhecimento ajudam no discernimento sobre a escolha de vida, no entanto não havendo uma educação para determinados valores, podem, perfeitamente, não afastar uma pessoa dos vícios e criminalidade. Há “bandidos” altamente inteligentes, o que faltou foi uma formação em valores.
AVS – Se nas operações policial-militares fala-se em “reconquista de território”, o que se pode fazer na área da educação com a população habitualmente esquecida que se encontra entre os fogos dessa luta? Alguma medida específica voltada para essa população seria possível?
Hamilton Werneck – Se a paz preconizada é o que a população deseja e os governantes conseguem manter essa situação, basta fazer funcionar todo o equipamento municipal e estadual para que a educação chegue às pessoas daqueles bairros afetados, anteriormente, pela violência. Portanto, é hora de fazer funcionar o que existe e criar meios, se eles foram esquecidos, impedidos ou banidos.
AVS – Em seu livro Ensinamos demais, aprendemos de menos, de 2002, (p. 72), o senhor se propõe uma questão e responde a ela: “E a formação para a vida, dentro do Estado de Direito, seria coisa possível em nossas escolas? Creio que sim, contanto que os educadores perdessem o medo que têm da democracia, perdessem o medo da volta das torturas que acompanham o estado de arbítrio (...).”
Hamilton Werneck – Este texto foi escrito entre 1983 e 1987, ocasião em que as pessoas ainda temiam que as liberdades democráticas trouxessem de volta o arbítrio de anos anteriores. Mesmo assim, afirmava neste livro que era possível defender uma formação para a vida, o que hoje replico como a capacidade da escola saber fazer pensar e sentir. Para tanto, ontem e hoje, para que isso ocorra, necessitamos sempre de um choque democrático. No fundo é dizer como o pensador Alceu de Amoroso Lima: “a pior das democracias ainda é melhor que a melhor das ditaduras”.
AVS – Não ter medo da democracia, em nosso contexto atual, pode significar também superar uma série de preconceitos com relação às populações marginalizadas. O que o senhor pensa disso?
Hamilton Werneck – Sim. Os ingleses superaram as reivindicações dos punks que eram os marginalizados brancos da periferia das cidades que, com seus movimentos e música, chamavam a atenção dos Lordes e Câmara dos comuns para a pobreza em que viviam. Nós precisamos analisar e saber conviver com os funks que são os marginalizados pobres e negros dos países emergentes, dentre os quais o Brasil se aloca. Se com quatro palavras se faz um funk, não interessa, o importante é saber o que a música e a palavra querem dizer à sociedade. Portanto, ler o mundo com suas diferenças faz parte de qualquer movimento comprometido com a educação.
AVS – Em entrevista recente para A VOZ DA SERRA, a presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, Cecília Coimbra, afirmou que a presença da tortura na vida social brasileira é “cada vez mais forte e hoje mais do que nunca”, explicando ainda que “a tortura não é só para tirar informação, mas um dispositivo de controle social poderosíssimo”. Como é possível superar essa cultura que tem a tortura como uma de suas marcas?
Hamilton Werneck – Se sonegar informação pode ser considerado uma tortura, mais ainda ela se potencializa na sociedade do conhecimento. Saber que existe conhecimento e não ter acesso a ele é tão severo quanto ter ou não alimento para aquele dia. Impedir os acessos à informação, à educação, à saúde e ao real direito de ir e vir são, realmente, torturantes.
AVS – Ainda em Ensinamos demais, aprendemos de menos, na página 62, o senhor diz o seguinte: “A reprovação em si já é um castigo e basta por si mesma para chamar todas as atenções recriminatórias. O início do ano letivo para os reprovados é tedioso pela humilhação embutida na reprovação.” A humilhação – não só aquela resultante da reprovação –, na medida em que é imposição de um sofrimento, assemelha-se à tortura e está presente em diversas situações do ambiente pedagógico, a partir de algum real ou suposto insucesso escolar ou mesmo de alguma diferença social. Se isto é verdade, a humilhação seria um “dispositivo de controle” como chamou Cecília Coimbra. Seria uma forma de mostrar ao “inferior” o “seu lugar” e impedi-lo de sair de lá. O que o senhor pensa a este respeito?
Hamilton Werneck – O Brasil comete dois grandes erros quando avalia: um deles é a aprovação automática e, o outro, a reprovação automática. Escola que empurra aluno é antiética, e escola que só sabe reprovar é incompetente. Nas duas situações perpetua-se uma pedagogia perversa, aquela que determina que o que nasce pobre deve continuar pobre. Acaso há maior humilhação? Repetimos, em nossas escolas, uma visão colonial de avaliação que considerava a educação alguma coisa para poucos. Só ascendia aos melhores postos da sociedade os diplomados e, portanto, aprovados pelo sistema. A reprovação dizia, sim, sobre o lugar que deveria ser ocupado pelo cidadão. Hoje, com tantos recursos da comunicação, não ser capaz de fazer um aluno aprender deveria ser um caso raríssimo. Nossas convicções superadas atravancam o desenvolvimento. O insucesso escolar, no entanto, não representa mais tanto controle ou diferença social porque a internet está democratizada e, com ela, as informações. O que causa problema, na verdade, é a questão dos valores. Lidar com ferramentas modernas é uma coisa, caminhar pelas trilhas do desvalor é perigoso demais para a sociedade.
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