Luiz Fernando Santos, morador de Nova Friburgo desde 2002, foi diretor da Faculdade de Comunicação Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Foi ele, inclusive, o responsável pela introdução nos currículos das faculdades de comunicação da exigência da elaboração de monografia como condição para a conclusão do curso, o que costuma proporcionar aos formandos pelo menos um semestre de ansiedade. Natural de Macaé (RJ), com uma carreira profissional em que se dividiu entre a comunicação social e a psicanálise, Luiz Fernando faz algumas reflexões sobre práticas no jornalismo e da vida acadêmica, as quais A VOZ DA SERRA apresenta aqui em resumo.
A VOZ DA SERRA – Você quando estava na Uerj costumava sugerir aos alunos de jornalismo que considerassem o mercado de trabalho no interior como uma possibilidade interessante. Explique este seu ponto de vista.
Luiz Fernando Santos – Eu ainda acho que é o grande mercado do Rio de Janeiro. Acabou, recentemente, o Jornal do Brasil. Vamos recordar quantos jornais havia que deixaram de existir: Diário de Notícias, Última Hora, Tribuna da Imprensa, Correio da Manhã. Quantos jornais foram acabando! Permaneceram os grandes veículos porque não são só jornais, são sistemas de comunicação. E foram mudando os formatos editoriais, com os grandes colunistas caminhando para a televisão e para as revistas semanais e, agora, a internet. Mas permanece forte o jornal do interior, o que é um fenômeno interessante. Por que isto acontece? Porque no interior a pessoa quer se informar sobre a sua comunidade. Não existem frivolidades nas colunas sociais do interior. É que são as pessoas conhecidas, as celebridades locais. E o camarada diz : “este aqui é meu amigo”. E se identifica. Amanhã, por exemplo, se se quiser saber como era a vida no Rio de Janeiro, vão-se pegar na Biblioteca Nacional os jornais antigos para se ler as colunas sociais do Ibrahim Sued e do Zózimo Barroso do Amaral.
AVS – É interessante isto que você está dizendo, pelo seguinte: um dos marcos do jornalismo no Brasil foi o Pasquim, que influenciou a maneira de se trabalhar em todos os jornais do país. E o Pasquim fazia esse tipo de coisa, era um jornal de bairro, parecido com um jornal de interior. Afinal, Ipanema era uma localidade pequena. E o Pasquim ganhou toda sua notoriedade por uma série de circunstâncias, não foi assim?
Luiz Fernando – Houve uma certa coincidência. O Pasquim falava do que era de Ipanema, descobriu a Leila Diniz, o Albino Pinheiro e uma série de outros personagens, um pessoal mais local. E criou um padrão a partir de uma rebeldia, criando uma espécie de república independente de Ipanema e, como foi na época da ditadura, havendo ali uma recusa de aceitar a ordenação ditada, tornou-se um exemplo para todo o Brasil. Era uma revolução silenciosa que envolvia uma forma de lidar com a sexualidade, de alimentação, com um hedonismo perante a vida, com uma tendência a gozar os prazeres da vida sem muita responsabilidade, um novo tipo de boemia, uma boemia intelectualizada. Podia até ser que a política e as questões intelectuais fossem desculpas para se beber naqueles bares como o Antonio’s, o Jangadeiros, o Zepelim, que marcaram época. Era todo um padrão de comportamento. E no interior é parecido. Quem escrevia no Pasquim não necessitava de informações do mundo, era tudo circunstancial. É como no jornal do interior em que o jornalista não precisa se preocupar se está havendo a invasão da Chechênia, com o preço do barril de petróleo. Isto não é a dele. E aí ele é parecido com o jornalista do Pasquim por ser um cronista das circunstâncias. E isto é um mercado que não cessa, que não morre. Existem também as vinculações políticas dos jornais do interior, em que o dono do jornal tem que ganhar dinheiro para fazer frente a suas despesas, submetendo-se muito ao político da hora, do dia. Para conseguir dinheiro junto ao poder público.
AVS – O que não é muito diferente do que acontece com a grande mídia.
Luiz Fernando – Não, não é. É igual. O Globo, por exemplo, foi o grande eleitor de Garotinho, em 1998. Hoje são inimigos. E o jornalista faz o que pode. Há aquela célebre piada que fala de um jornalista que está escrevendo uma matéria, em uma Semana Santa, sem prestar muita atenção ao que acontece em seu redor, e chega o dono do jornal e diz que ele tem que escrever sobre Jesus Cristo e ele, então, meio distraído, pergunta: “contra ou a favor?”.
AVS – Então, apesar de todas as novidades de hoje, o jornalismo do interior ainda é muito importante.
Luiz Fernando – Acho que o jornalismo impresso do interior vai permanecer. Há um outro detalhe que ocorria no Rio, não tão visivelmente como no interior: a frequência à banca de jornais. Sempre foi um local de socialização. Em determinadas horas, pessoas se encontram ali, veem as manchetes e comentam as notícias do dia. No Rio isto fica meio diluído, no interior é mais concentrado. Aqui tem uma que eu frequento, a banca do Chiquinho, adoro ir lá e comentar as notícias. Acho que o jornaleiro, hoje, substitui o barbeiro de antigamente no interior. Porque ele cortava cabelos e fazia as barbas do prefeito, do operário, tornando-se o depositário de uma série de informações a respeito de fatos. Hoje, é o jornaleiro que assume essa posição. E acontece também ali a troca de calor humano, que se diferencia da frieza comum em nossa sociedade. No jornal do interior você vê informações sobre aniversários, festas, casamentos. Isto tem alguma razão de ser? Tem. Trata-se do interesse da pessoa por aquilo que a cerca. O sujeito fala: “é o aniversário do fulano, vou ligar para ele”. Ou então, mesmo, o camarada diz: “poxa, esse cara fez festa de aniversário e não me convidou”. Tem esse outro lado, também.
AVS – Talvez, muitos estudantes de comunicação não o perdoem por você ter sido o responsável pela obrigatoriedade da elaboração da monografia ao final do curso. O que o levou a propor isto?
Luiz Fernando – A intenção era diferente do que acontece hoje, era evitar que se perdesse aquilo de que se tratava na área conceitual do curso. Em primeiro lugar, esse currículo é todo absurdo, todo errado. Eu percebi, quando era diretor da Faculdade de Comunicação Social da Uerj, que havia duas faculdades, com uma ligação entre elas, uma teórica e outra prática. E havia os alunos que gostavam mais de disciplinas como sociologia, psicologia, antropologia, e outros que gostavam mais da prática, de técnicas de reportagem, de redação. Havia, então, duas faculdades. Eu achava que estava errado haver essa separação. Seria bom que se começasse mais cedo com as disciplinas práticas e que não se abandonasse, lá no final, a teoria. E a monografia serve para integrar esses dois lados, reservando-se o último período exclusivamente para a monografia, como um momento em que o aluno poderia juntar as duas coisas. A intenção era evitar a divisão entre a teoria e a prática.
AVS – E quanto à exigência do diploma de faculdade de comunicação para se exercer a profissão de jornalista?
Luiz Fernando – Em primeiro lugar, nenhuma profissão surgiu do nada, mas da necessidade da junção de conceitos e informações que consolide o que se sabe sobre determinada atividade. Veja a medicina: é resultado da aquisição e sistematização de conhecimentos sobre o corpo humano, da fisiologia, da biologia, da anatomia. E estabelece-se uma profissão, cujo objeto formal é o corpo, o entendimento sobre ele e o tratamento de suas doenças. E a comunicação social passou a ter um grau de complexidade muito grande, envolvendo o entendimento das diferentes mídias, do funcionamento da sociedade, das questões éticas, do poder da informação, da manipulação da informação. Por tudo isto, o diploma, na comunicação, é fundamental. Agora, existe aí uma briga, que tem um caráter mais econômico, entre sindicatos e grandes empresas. Estas não querem o jornalista diplomado, porque isto envolve salário, coisas que constituem outra questão.
AVS – Você falou dos currículos. Fale um pouco das suas ideias a este respeito.
Luiz Fernando – Devido à velocidade do mundo, essa velocidade extraordinária da sociedade, currículo se torna apenas uma figura de linguagem. O que se considerava um currículo – a expressão do conhecimento necessário àquela atividade – saiu daquela formalidade para um outro nível. Por exemplo, toda vez que se reformava um currículo, quando o novo entrava em vigor, já era antigo e necessitava outra reforma. Por quê? Porque esse negócio de currículo é muito engessado, essa formalização burocrática. E ficou uma outra questão do poder, dos pequenos poderes, essa rede de que trata Foucault, em A microfísica do poder, o pequeno poder de um professor que se sente dono de uma determinada disciplina há 20 anos. Seria preciso fazer um currículo de acordo com a velocidade da sociedade, para que não se perdesse tempo com bobagem. Em uma faculdade de jornalismo, por exemplo, poderíamos ter apenas três departamentos com três disciplinas básicas fixas. História do pensamento – que englobasse sociologia, filosofia, psicologia, saberes conceituais das ciências humanas e sociais, coisas que daqui a dez mil anos será preciso saber –, usos e saberes de equipamentos de comunicação social e o outro seria língua instrumental – afinal, segundo Saussure, tudo depende da língua. Outra área seria a dos seminários gerais, onde se trocariam professores, acabando com a compartimentalização das faculdades, que é uma questão que remonta à origem da universidade. E quais seriam esses seminários gerais? Poderia haver um, por exemplo, que juntasse urbanismo e comunicação. Afinal, em uma rua por que se passa há muitas informações.
AVS – E como seria a organização disso? Os alunos seriam obrigados a participar de determinado número de horas de seminários? Seria assim?
Luiz Fernando – E os seminários variariam. E haveria também os seminários específicos.
AVS – E como seriam?
Luiz Fernando – Tratando de temas específicos, como se elabora um determinado tipo de notícia, por exemplo. O currículo não precisaria mais ser reformado todo ano, ele se autorreformaria.
AVS – Mas seria necessário haver um grupo de pessoas que estariam discutindo essas atualizações permanentemente.
Luiz Fernando – Permanentemente. Porque os departamentos como são hoje não funcionam, são uma farsa e eu digo isto de cadeira. E a divisão das disciplinas só serve para encobrir vaidades e atender a interesses pessoais. É duro falar sobre isto.
Deixe o seu comentário