Amor a Nova Friburgo, negócios e futebol

quinta-feira, 28 de outubro de 2010
por Jornal A Voz da Serra

Nascido em Carangola (MG), César Namer é uma figura conhecida e querida na cidade. Dono e gestor do restaurante Arroz com Feijão, do início da Avenida Alberto Braune, suas frases ficam guardadas pelas 350 pessoas que almoçam lá diariamente. Sua especial devoção pelo Fluminense também é famosa. Muita gente o conhece como “o tricolor” e não é raro ouvirem-se frases mais ou menos assim: “almocei hoje lá no tricolor”.

No dia seguinte à conquista da Copa do Brasil pelo clube, em 2007, foi distribuída gelatina verde, vermelha e branca aos clientes. O detalhe curioso, porém, é que o faturamento do restaurante aumenta em dias de derrota do Fluminense, que atraem os inúmeros torcedores de outros clubes que vão lá para gozar e provocar “o tricolor”, que nunca perde a esportiva.

Há alguns clientes habituais que costumam almoçar mais cedo, logo que começa o atendimento, às 10h30. Formam um grupo de uma espécie de ‘sócios-atletas’. Além de futebol, assunto quase obrigatório, discute-se às vezes a economia da cidade, a partir dos números do restaurante, sobre os quais César tem rigoroso controle. Ele sabe a cada mês se vendeu mais ou menos que em igual período de anos anteriores e o número, embora relativo a apenas uma área e a um setor de atividades da cidade, contribui para questionamentos e pode ser associado a outras informações dos frequentadores, que, por terem diferentes profissões, sempre têm algo a acrescentar.

César conversou com A VOZ DA SERRA, em uma manhã de domingo, na Praça Getúlio Vargas, ocasião em que se apresentou em trajes típicos, isto é, com a camisa do Fluminense, que usa em diferentes circunstâncias fora do trabalho.

A VOZ DA SERRA – Quando você veio para Nova Friburgo?

César Namer – Cheguei aqui em 4 de abril de 1966.

AVS – Depois sempre morou aqui.

César – Sempre. Daí pra frente, sempre morei em Friburgo.

AVS – São 44 anos. Você já deve ter visto muita coisa nesta cidade.

César – Já vi muita coisa e estou apaixonado pela cidade até hoje, mesmo com todos os problemas que ela tem.

AVS – É uma cidade diferente, não é?

César – Bem diferente.

AVS – Em que você vê a diferença?

César – Não sei explicar em que esta cidade é diferente. Eu só sei que quando cheguei aqui me senti muito bem e achei que esta seria a cidade em que eu queria morar. Foi pelo carinho com que a cidade me recebeu – pois foi ela que me recebeu bem –, os amigos que tenho aqui. E até hoje eu vivo dessa maneira e supersatisfeito. Friburgo é diferente de todas as cidades por onde passei, mas não sei dizer em que está a diferença. Mas comigo aconteceu como um amor à primeira vista, cheguei e gostei, já tendo passado por várias outras cidades. Cheguei aqui para passar algum tempo e esse tempo acabou durando até hoje.

AVS – Em 44 anos, qualquer lugar se altera, que mudanças você viu acontecerem em Friburgo?

César – A cidade cresceu muito nesse período.

AVS – Mas você sempre esteve no centro da cidade, como foi esse crescimento nesta região?

César – Sempre para cima, com prédios altos.

AVS – E o trânsito?

César – Cresceu muito porque a população também cresceu. Antigamente, havia mão dupla na Alberto Braune e hoje mal dá para se transitar em somente um sentido.

AVS – As cidades parecem ter uma alma. É claro que isso depende de uma porção de condições materiais...

César – Mas eu acho que Friburgo tem uma magia mesmo, porque é muito raro pessoas virem para cá e, depois, quererem ir embora. Friburgo tem uma mágica, não tenha dúvida. Eu vim pensando em ficar três meses e estou aqui há 44 anos. Constituí minha família aqui, tenho meu negócio e sou apaixonado pela cidade desde o dia em que cheguei.

AVS – Aqui em Nova Friburgo foi feito um dos primeiros filmes hippies do Brasil, senão o primeiro, em 1971. Foi Geração Bendita, você já ouviu falar?

César – Com o Carlos Bini, eu me lembro. Eu tive o filme comigo até há pouco tempo.

AVS – Pelo que se vê naquele filme, as mudanças no centro da cidade não foram muito grandes.

César – No centro da cidade, nada mudou. Em alguns pontos, mudou para cima, como eu falei.

AVS – Mas Friburgo, naquele tempo, era uma cidade com uma indústria muito mais forte. Para se ter uma ideia, a Haga era a única fornecedora da Volkswagen. Por aí dá para se imaginar o quanto entrava de dinheiro na cidade.

César – E foi por esse motivo que a Haga quebrou. Uma empresa não pode ter somente um fornecedor. Da mesma maneira, você não pode ter somente um comprador de sua mercadoria, precisa ter vários.

AVS – Mas ela tinha outros compradores.

César – Mas, quando o principal parou de comprar, quebrou o fornecedor.

AVS – E foi isso que aconteceu?

César – Pelo menos, dizem isso, mas eu não convivi com esses problemas e não posso afirmar com certeza que tenha sido assim. Eu lido com outras coisas.

AVS – Aí é que está, coisas que você escuta não vão ficar registradas nos livros de história. Mas você escuta coisas importantes.

César – Se foi isso mesmo, não sei, mas o que eu soube é que a Haga vendia toda, ou quase toda, a produção para a Volkswagen e isto durou até a Volkswagen resolver fazer o que a Haga fazia ou encontrar outro fornecedor em melhores condições. Isto é o normal em qualquer negócio.

AVS – Nova Friburgo, em determinado momento, ao final dos anos 80, deixou de ter como marca aquelas indústrias fortes e bem-sucedidas e passou a ser a cidade das costureiras da moda íntima e das confecções em geral. Você pôde sentir essa mudança em seu dia a dia?

César – Não, essa mudança drástica não abalou meu negócio. Outro tipo de comércio pode ter sentido. Aqui, no negócio de alimentação, eu, pelo menos, não senti essa alteração.

AVS – E por que isto?

César – Todo mundo sofreu um pouquinho porque a cidade, que tinha crescido muito, perdeu muitos empregos, mas isto não se refletiu no meu negócio, porque eu tenho uma grande parte da clientela de estudantes, de bancários e comerciários. Então eu não senti tanto quanto outros podem ter sentido.

AVS – Qual época você acha que foi melhor, em que você vendeu mais?

César – A época atual, que posso localizar a partir de 2003-2004. Vendo hoje muito mais do que em 1986, quando abri o restaurante. Fase ruim eu tive uma, que foi quando me mudei para este local em que estou hoje, em 1999. Tive um período muito ruim porque não pude colocar a placa do restaurante, por desacordos com a proprietária do imóvel. Aconteceu a queda porque as pessoas não sabiam para onde eu tinha ido. O período durou seis ou sete meses.

AVS – Uma marca sua é o futebol. Todo mundo fala de futebol com você. O que é o futebol para você?

César – Eu gosto de falar de futebol e a turma que vai lá gostou daquelas fotos e de tudo aquilo que eu botei nas paredes. E aí, nós falamos de futebol. E isto não me afetou em nada.

AVS – Não afetou negativamente, não é? Mas pode ter influenciado positivamente, não?

César – Eu acredito que sim, até porque, quando o Fluminense perde a casa enche.

AVS – E quando ganha?

César – Não fica ruim quando ganha, mas quando perde fica melhor. Vai todo mundo lá me perturbar um pouquinho.

AVS – Quer dizer que a derrota do Fluminense é um bom negócio?

César – É, tem sempre aquele pessoal das outras torcidas, sem briga, sem nada disso, o que é muito bom.

AVS – O futebol acaba aproximando as pessoas, não é?

César – Sem dúvida.

AVS – Há quem veja no torcedor do futebol um cara esperançoso.

César – Ah! É. O futebol traz sempre muitas esperanças. Nós [o Fluminense] vamos ganhar o Brasileiro deste ano...

AVS – Mas se perder, o restaurante vai encher...

César – ...e, aí, eu não vou me preocupar tanto com meus compromissos.

O drama do futebol segundo Nelson Rodrigues

O trecho abaixo, de uma crônica a respeito da vitória do Fluminense no torneio Rio-São Paulo, publicada em Manchete Esportiva, de 11 de maio de 1957, dá a medida da dramaticidade do futebol, que Nelson Rodrigues sempre expressou e permite pensar no significado – ou nos significados – que este esporte pode assumir.

“Eis a verdade: – Cada um de nós, ‘pó de arroz’, estava precisando de uma alegria como a de sábado. Vencemos um clube da categoria e da tradição do Palmeiras. E não de um, nem de dois, nem de três, nem mesmo de quatro. Foi de cinco, amigos, exatamente de cinco (...) Infelizmente isso a que chamamos de isenção, de objetividade, de imparcialidade não existe. (...) Para mim, como Fluminense taxativo, o triunfo de sábado foi completo. Um feito que não precisa de um acréscimo, de um retoque. A começar pelo primeiro gol. Sim, amigos: – o primeiro gol de Waldo foi um show à parte. Era uma bola que não devia entrar, que não podia entrar. Mas Waldo faz, de vez em quando, o inesperado, o mágico, o sublime. E, sábado, deu-se ao luxo – vejam vocês – de recolher a bola com o calcanhar, fazendo o gol de coice! Esse tento inverossímil, por si só, explica o resto da batalha. Certos gols têm o poder de dar a uma peleja uma fisionomia definitiva. Enquanto o Timinho crescia em campo, operava-se nas arquibancadas, gerais e cadeiras a ressurreição da torcida. (...)”

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