Dalva Ventura
Uma clínica geriátrica? Não. Uma casa de repouso? Também não. Um asilo? Muito menos. Inaugurando um novo conceito em moradia para a terceira idade, Nova Friburgo ganhou a Pousada Outono, sob a responsabilidade de um dos médicos mais respeitados da cidade, o doutor Noberto Louback Rocha, e sua esposa, a psicóloga e técnica de enfermagem Maria Inêz do Valle Rocha.
O nome – Pousada Outono – não podia ser mais apropriado, até porque, remete a uma das estações do ano em que os frutos já estão maduros e começam a cair no chão. De certa forma, o mesmo acontece com as pessoas. A história começou quando uma pessoa da família do doutor Noberto, que hoje está com 91 anos, começou a apresentar sintomas de Alzheimer e não teve mais condições de ser tratada em casa. Desde então, o médico começou a pensar na possibilidade de criar um espaço como este e resolveu, então, transformar sua bela casa avarandada, cercada de verde, em São Geraldo, numa mistura de hotel residencial e clínica, onde os idosos não são chamados de internos ou doentes, mas sim, de hóspedes, recebendo todo o tratamento necessário, cercados de conforto e junto à paz da natureza.
“A pousada fica entre a família e o hospital”, afirma o doutor Noberto. “O hospital não gosta de receber idosos, porque não tem muito a oferecer, a não ser em situações de emergência. Além disso, há o risco de infecções, pois ,devido a sua própria situação, o idoso tem poucas defesas”, continua.
A cidade parecia mesmo carente de um lugar como a pousada, pois antes mesmo de começar a funcionar oficialmente, já recebia sua segunda hóspede. Uma amiga da família pediu para deixar seu pai lá durante um mês, pois não sabia mais o que fazer com ele. O que era para durar um mês, já dura dois anos. Depois chegou uma senhora, também com Alzheimer. Rapidamente, as 16 vagas da pousada foram ocupadas e, de lá para cá, raramente há alguma disponível.
A verdade é que, muitas vezes, os filhos realmente não dão conta de cuidar dos pais, quando estes passam realmente a demandar cuidados especiais. Principalmente porque hoje em dia todo mundo trabalha, e muito. Além disso, graças ao progresso da medicina, as pessoas estão vivendo cada vez mais. Nem sempre, porém, com boa saúde. Além de problemas físicos, muitos passam a sofrer da chamada “demência senil” ou doenças incapacitantes, em geral de fundo neurológico, que podem chegar a impedir que levem uma velhice normal.
Por enquanto, a sociedade, de modo geral, ainda tem muita dificuldade de aceitar esta nova forma de lidar com a velhice, o que implica internar os idosos em locais especiais, para serem cuidados por pessoas que não são da família. Por isso mesmo, quem toma esta decisão tem de estar consciente de que sofrerá críticas. Inevitavelmente surgem comparações com asilos, que nada têm a ver com a Pousada Outono.
“Nós nos propusemos a fazer uma casa digna, onde existem pessoas que querem bem às pessoas que estão sob seus cuidados, e não um local parecido com um ferro-velho de velhos”, destaca doutor Noberto. Ele gosta de citar um exemplo que ilustra claramente esta situação. “Os filhos que hoje trazem seus pais para a gente cuidar podem ser comparados às corajosas mamães, que há algumas décadas optavam por matricular seus filhos pequenos em creches, em vez de deixá-los aos cuidados das avós ou das babás”, recorda. Essas mães, invariavelmente, eram criticadas pela própria família, que não entendia nem aceitava sua opção. Com o tempo, porém, creche foi deixando de ser sinônimo de abandono e todo aquele estigma negativo se dissipou por completo.
Em outros países, o mesmo já aconteceu com as chamadas clínicas de idosos, e há bastante tempo. Quando as famílias já não dão conta de cuidar de seu idoso, apelam para instituições especializadas em fazer este trabalho, sem que isso seja considerado abandono, até porque continuam mantendo um vínculo estreito com seus velhinhos, acompanhando de perto sua rotina dentro da instituição, seu tratamento, seus progressos. Além, é claro, de visitá-los com frequência.
Ao contrário do que se pode imaginar, a maioria dos idosos geralmente se adapta muito bem à nova rotina. Algo que doutor Noberto considera, aliás, muito natural. Eles gostam deste burburinho, de ter gente em volta. “Assim como crianças se sentem bem no meio de outras crianças, as pessoas mais velhas também gostam de ficar com gente da mesma faixa etária. O que é perfeitamente compreensível, pois quando falam de Nelson Gonçalves, Emilinha Borba ou Carmem Miranda, por exemplo, o outro lembra, sabe quem é, enquanto que os netos ou mesmo os filhos, não sabem e nem têm interesse em saber quem foram essas pessoas”, diz.
Em seguida, questiona: “O que é melhor? Um idoso que passa o dia inteiro sozinho numa sala, igual a uma múmia, olhando para a TV ou ao lado de uma empregada impaciente, e que, nunca se sabe, pode até tratá-lo mal quando não tem ninguém por perto? Alguns já passaram por experiências traumáticas, inclusive agressões”, ressalta o médico. “Além disso, a convivência com outros idosos é muito estimulante nesta fase da vida, em que passam a se sentir mais dependentes dos outros e também muito mais vulneráveis”, afirma.
Mas, que não é fácil, não é mesmo. O médico conta que já acompanhou situações complicadas, dramáticas mesmo. Como a de um rapaz que, por duas vezes, foi até a pousada deixar sua mãe, mas, na hora ‘h’, desistia, no maior drama de consciência. E olha que antes do dia marcado para a internação os responsáveis pela clínica fazem todo um trabalho de aceitação com a família, justamente para amenizar o sentimento de culpa de estar ‘abandonando’ seu familiar.
Para começo de conversa, ressalta o médico, não se trata, em absoluto, de abandono. “Os filhos fazem o melhor que podem. Muitas vezes, porém, não têm mesmo condições e não sabem lidar com este problema”. O fato é que o momento de deixar o familiar em seu novo lar é sempre muito difícil. “As pessoas costumam se sentir muito culpadas, mas precisam entender que nós somos parceiros, estamos do mesmo lado”, declara Inêz.
Da mesma forma, há aqueles que tentam delegar por completo as responsabilidades e os cuidados com seu familiar, o que não pode acontecer, em absoluto. Na Pousada Outono, as visitas são liberadas e, se os familiares quiserem, podem ir lá diariamente. Alias, a visitação constante é um fator decisivo para que eles se adaptem à nova realidade, sem que se sintam desprezados pelos filhos. Por isso mesmo, quando escasseiam as visitas, Inêz logo telefona para cobrar.
Também são comuns os casos de conflitos dentro da família, com brigas sérias entre irmãos, inclusive envolvendo questões financeiras. Neste caso, o idoso acaba não ficando bem, pois a pousada acaba se tornando o ponto comum, onde os conflitos deságuam. A psicóloga costuma dizer que percebe estes fatos já durante a entrevista inicial, que nunca dura menos de duas horas, e prefere não aceitar a internação. “Minha peneira é muito fina”, diz.
Inêz costuma falar para essas pessoas que chega um momento na vida em que as situações se invertem e resta apenas uma lembrança daquelas pessoas, do jeito que elas foram um dia. Quando a gente é criança, quem nos alimenta, dá banho, troca fraldas, compra nossas roupas, enfim, quem cuida de nós são os nossos pais. A realidade, porém, é que as coisas mudam. Nossos pais, infelizmente, envelhecem, e por vezes tornam-se incapazes de cuidar de si mesmos, tornando-se totalmente dependentes. É como se virassem bebês outra vez. Só que cuidar de idosos é muito mais difícil do que cuidar de crianças pequenas, pois, além das doenças normalmente associadas à velhice, eles acabam cansando até as pessoas mais carinhosas e sensíveis. Principalmente quando passam a sofrer de distúrbios neurológicos, que afetam sua lucidez e seu equilíbrio mental.
O que leva uma pessoa a permanecer lúcida na idade madura, sem sinais de demência senil ou de Alzheimer? Segundo doutor Noberto, trata-se de uma questão de sorte, pura sorte. Claro que uma boa genética e o fato de se manter ativo, física e intelectualmente, ajudam muito, mas não são suficientes.
Uma clínica para idosos
com jeito de lar, doce lar
A Pousada Outono não tem mesmo a menor aparência de clínica. Fica numa casa avarandada, com suítes individuais ou para duas pessoas, onde os moradores recebem toda a atenção e tratamento necessários, sendo permanentemente acompanhados por uma equipe especializada. Lá os cuidados com a segurança dos velhinhos são muito grandes. O piso da pousada é todo antiderrapante, as camas têm grades e todos os cômodos são monitorados por câmeras. Em cada detalhe se nota o esmero com que a clínica foi projetada.
Os móveis são bonitos e a decoração caprichada, com direito a quadros na parede, cortinas, abajures, lareira, flores e vasos de plantas. O ambiente é claro e limpo, sem nenhum cheiro de xixi ou coco. E olha que a maioria dos hóspedes usa fraldas! Para tanto, a pousada consome mais de cem mil litros de água por mês.
Os quartos são decorados com muitos porta-retratos, quadros e objetos pessoais, pois isso contribui para que os hóspedes se sintam mais em casa. Para tanto, sua alimentação, além de variada, é muito caprichada. O mais semelhante possível às servidas em casa. Tem até o que chamam lá de “dia do pecadinho”. Uma vez por mês, o cardápio inclui uma delícia que normalmente eles não podem comer, como empadão, nhoque e até pastel ou quibe frito.
Durante o tempo livre, passeiam pelo jardim acompanhados por uma enfermeira, tomam sol, assistem à televisão ou tiram um cochilo na grande varanda da casa. No mais, fazem fisioterapia, terapia ocupacional, musicoterapia, enfim, há todo um trabalho de reabilitação, visando melhorar o estado geral do idoso.
Os responsáveis pela pousada fazem de tudo para que o ‘outono’ da existência das pessoas ali internadas seja o mais ameno possível. No último Natal, por exemplo, o grupo Meu Chapéu Virou Pandeiro se apresentou na pousada, e todos adoraram.
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