Maurício Siaines
Manoel Antônio Spitz Sodré é um professor de história que trabalha no Colégio Estadual Carlos Maria Marchon, em Lumiar, e no Colégio Municipal Juscelino Kubitscheck, em Varginha. Sua formação como historiador é associada a uma vivência muito singular da história de Lumiar, onde nasceu e passou a maior parte de sua vida. Junto com a formação acadêmica, ele viveu e vive imerso nesse universo cultural dessa região do 5º e 7º distritos de Nova Friburgo, Lumiar e São Pedro da Serra, o que torna suas reflexões sobre a história local enriquecidas por tradições e narrativas orais de que ele é íntimo. Além de sua atuação como professor, Manoel é presidente da Sociedade Musical Euterpe Lumiarense.
Conversar com ele a respeito da história local é mergulhar na vida social passada e presente, o que permite juntar pequenos significados, que aprofundam o conhecimento histórico. Um pequeno resumo de uma conversa com ele segue abaixo. Outras conversas, certamente, trariam mais informações aqui ausentes, tamanha é a quantidade de detalhes que Manoel oferece, como resultado de sua vivência e sua observação. Essa falta é lamentável, mas compensada pelo fato de ele estar disponível para outras reportagens e outras conversas.
A VOZ DA SERRA – Fale um pouco da história de Lumiar.
Manoel Antônio - A história de Lumiar está vinculada ao processo de colonização suíça em Nova Friburgo. O que deu errado na colônia, principalmente a falta de terras adequadas, fez com que os suíços migrassem buscando terras melhores, mais próximas do rio. Daí o deslocamento de parte desses colonos em direção ao vale do Rio Macaé. A intenção inicial era de formar núcleos em que esses colonos produzissem para abastecer a corte. Mas as distâncias impediram que isso acontecesse. Por este motivo, esses colonos foram se integrando aos poucos à economia agrícola que despontava na época, que era o café, que estava começando a ser plantado nos quintais do Rio de Janeiro, se espalhando para a Baixada Fluminense e ganhando o Vale do Paraíba.
AVS - Mas o casarão daqui de Lumiar é anterior à lavoura do café, não é?
Manoel - Segundo relatos dos antigos, quando os suíços procuraram se estabelecer onde hoje é Lumiar, já encontraram aqui moradores de famílias portuguesas e de uma família francesa, a família De Roure, descendente de Philipe De Roure, que, segundo contam, era um nobre francês, emigrado da França para Portugal, durante a Revolução Francesa. Não se sabe bem se o próprio Philipe De Roure teria vindo ou se seus descendentes é que acompanharam a corte portuguesa na fuga para o Brasil, em 1808. Por isso, a presença de portugueses e franceses anterior à chegada dos suíços. Eu já tive essa curiosidade, de verificar se havia gente com esse nome entre os colonos suíços e não havia. Esse nome era francês.
AVS - E o nome “Lumiar” tinha a ver com uma nobre portuguesa...
Manoel - ...É, segundo Raphael Jaccoud, o nome “Lumiar” tem ligação com a família De Roure. O Philipe De Roure teria se estabelecido em Portugal e lá se casado com uma nobre portuguesa, a Micaela d’Abreu, que teria sido proprietária de um castelo em um arrabalde de Lisboa, a freguesia de São João Batista de Lumiar. Numa certa ocasião, eu tive contato com um descendente do De Roure e ele me disse que Philipe De Roure não teria chegado com a corte portuguesa ao Rio de Janeiro, e, sim, desembarcado em Macaé e subido a serra. Talvez ele já tivesse informações sobre essas terras daqui. E talvez houvesse até a preocupação desse nobre francês em se esconder, porque, se Lisboa tinha caído sob domínio de Napoleão, a colônia também poderia cair e, se ele estivesse na corte do Rio de Janeiro, estaria vulnerável.
AVS - Então, não existe uma documentação, isto é sabido por tradição oral?
Manoel - O que eu encontrei de documento é um esboço de mapa de um inspetor da colônia suíça, onde constavam os chamados números coloniais, que foram doados aos suíços, onde esse inspetor pontilhou, ao sul desses números coloniais, a área que os suíços pretendiam. E nesse esboço de mapa, do início da década de 1820, já aparecem sesmarias em nome de famílias de portugueses e franceses. É o caso de Philipe De Roure e Louis De Roure, que não são colonos suíços, são nomes franceses. Essas sesmarias já estavam demarcadas nesse esboço de mapa.
AVS - Onde você descobriu isso?
Manoel - Nos arquivos do Pró-Memória, quando eu participava como auxiliar de pesquisa da tese de doutorado do professor Jorge Miguel Mayer.
AVS - Tem toda essa questão histórica, mas a sua vida pessoal também conta uma porção de histórias, não é?
Manoel - Eu sou nascido em Lumiar, em 1958. Do lado materno, eu descendo de uma das principais famílias daqui da localidade, que é a família Spitz. Meu pai era do município de Barra de São João e veio para Lumiar na década de 1930. Isto depois de passar por uma história no Rio de Janeiro, quando fazia o serviço militar na Escola de Aviação do Exército. Ocorreu a chamada Intentona Comunista, em 1935 e a Escola de Aviação foi uma das poucas unidades a aderir à Intentona. E o fato é que meu pai esteve envolvido no movimento, chegando a ser preso na Ilha das Cobras, sendo liberado cerca de um mês depois.
AVS - Mas ele foi militante comunista?
Manoel - Segundo relatos de amigos dele, que colhi em conversas posteriores, ele teria sido ligado ao Partido Comunista, porque, em 1964, meu pai já falecido, um amigo conta que teve que queimar ou dar sumiço em muitos livros, que ele e meu pai liam. Então, provavelmente, ele teve alguma ligação com o PCB.
AVS - E você nasceu em 1958, com seu pai já falecido ...
Manoel - ...Por um acaso, minha mãe morava ao lado da casa de seu pai, que é a sede da Fazenda Lumiar, o chalé da praça, que hoje o pessoal chama de casarão da praça. A segunda esposa do meu avô era enfermeira e parteira e, na hora do parto, ela achou melhor que minha mãe fosse para a casa dela. Então, por acaso, eu nasci na casa do meu avô, que era a sede da fazenda. Nós dizíamos que era o chalé do vovô Eugênio Guilherme Spitz, que era o coronel da época. O coronelismo da Guarda Nacional já havia acabado, em 1930, mas o título ainda era dado aos grandes proprietários. Ele comprou a fazenda do Carlos Maria Marchon – que tinha sido dos Roure –, em 1924, e continuou plantando café, como fazia anteriormente em Bom Jardim. Ele também comprava a produção dos outros fazendeiros e fazia o beneficiamento do café. Eram 17 alqueires fluminenses no centro de Lumiar. Eu lembro que nós brincávamos nos montes de palha, que se formavam depois do café passar em uma máquina que separava os grãos da palha. Havia montes de palha de café, tal como esses montes de areia que se podem ver por aí, por causa das construções.
AVS - Você também cresceu aqui?
Manoel - O que aconteceu comigo foi o mesmo que aconteceu com muitas famílias. No final da década de 60 e durante a década de 70, ocorreu um êxodo rural muito grande aqui na região, devido à falta de energia elétrica, o difícil acesso à cidade e falta de colégio. Aqui só existia o antigo primário. Assim, quem quisesse prosseguir no estudo, ou estudava em internatos na cidade, ou se hospedava em casas de parentes. Como minha família era numerosa, minha mãe optou por transferir a residência para Friburgo. Eu ainda não estava na idade de fazer o ginásio, mas meus irmãos mais velhos estavam, então eu também fui. Passei, então dos 10 aos 20 anos fora de Lumiar. Estive em Friburgo, estive na Marinha, em Santa Catarina, estudei em colégio agrícola da UFF, em Pinheiral, no Vale do Paraíba. No final de 1979, com 21 anos, retornei a Lumiar. E aqui fui vivendo, fazendo biscates. Mas, em determinado momento, em meados da década de 80, senti a necessidade de estudar mais. Foi aí que fiz o vestibular e fui fazer faculdade de história, na Santa Dorotéia, em Friburgo.
AVS - O que o levou a escolher estudar história?
Manoel - Primeiro, uma questão de família, a busca das origens, a busca da colonização suíça e a preocupação com a genealogia. Porque eu, minhas irmãs e meus sobrinhos sempre tivemos a intenção de promover um encontro da família Spitz. E essa busca foi despertando meu interesse, porque, ao buscar a genealogia, a gente entra em contato com documentação cartorial, da mitra diocesana, e isso acabou me levando ao estudo da história.
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