O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Ricardo Lewandowski, disse na última sexta-feira, em Curitiba, que a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, que suspendeu a aplicação da Lei da Ficha Limpa para o senador Heráclito Fortes (DEM-PI), “não abre brecha” na legislação. Segundo Lewandowski, “a lei permanece intocada, rígida, saudável e valendo”. Será?
Até agora o que se viu neste período de pré-campanha eleitoral foi uma Lei da Ficha Limpa entocada e ainda não posta em prática. Foi o que se mostrou não só na decisão do ministro Gilmar Mendes, suspendendo a aplicação da mesma ao senador Heráclito, mas também na decisão do ministro Marcelo Ribeiro, do TSE, que concedeu liminar para que o ex-governador Anthony Garotinho (PR-RJ) pudesse voltar a brincar de político sério e preocupado com o bem coletivo.
A Lei da Ficha Limpa determina que pessoas condenadas pela Justiça em decisão colegiada em processos ainda não concluídos – como são os casos acima citados – não podem ser candidatas. A regra vale para condenações acontecidas mesmo antes da vigência da lei. Valeria, portanto, para Heráclito, valeria, portanto, para Garotinho e valeria, também, para a deputada estadual Maria Isaura Lemos (PDT-GO), esta favorecida pelo ministro José Antonio Dias Toffoli, que suspendeu, na última sexta-feira, 2 (um dia após o TSF abrir precedentes contra a lei em questão), os efeitos de inelegibilidade contra a deputada, que teve condenação confirmada pelo Tribunal de Justiça de Goiânia.
Para que o leitor possa ter uma melhor compreensão de como as fichas sujas andam sendo – digamos – lavadas, veja caso a caso:
Heráclito foi condenado pelo Tribunal de Justiça do Piauí (TJ-PI) por usar publicidade institucional para promoção pessoal quando era prefeito de Teresina, entre 1989 e 1993. Ainda assim, o ministro Gilmar Mendes concedeu efeito suspensivo a um recurso extraordinário do senador contra a decisão. De acordo com Lewandowski, Mendes decidiu a partir de um caso concreto, em que vislumbrou a possibilidade de conceder liminar. Ele previu que novos pedidos devem ser apresentados no Superior Tribunal de Justiça (STJ), STF e TSE. “Serão examinados caso a caso”, disse Lewandowski, admitindo, por outro lado, que “existe risco de acontecer casos de pessoas serem eleitas sustentadas por liminares e, posteriormente, terem a cassação do mandato”. Até onde eu sei, não era esse o objetivo do projeto Ficha Limpa. E liminares como essas, em linguagem do direito corriqueiro, significa ganhar tempo, o que possibilita que políticos ficha-suja consigam participar do pleito deste ano.
No caso Garotinho, nosso ex-governador foi condenado à inelegibilidade por três anos pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Rio de Janeiro, por abuso de poder econômico e uso indevido de veículos de comunicação nas eleições de 2008, na qual sua esposa, Rosinha Matheus, foi eleita prefeita da cidade de Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense. Ela teve o mandato cassado e viu-se obrigada a deixar o cargo na semana passada. Porém, a respeito de Garotinho, o ministro Marcelo Ribeiro entendeu que, “como se trata de um período de transição e a conduta de Garotinho foi anterior à nova Lei da Ficha Limpa, é necessário que o pleno do TSE avalie a tese da defesa do ex-governador.” Precisa dizer mais?
Isaura Lemos, por sua vez, apesar da condenação confirmada no Tribunal de Justiça de Goiânia, obteve um favorecimento esplêndido, sob uma justificativa que considero ainda mais contraditória para o que determina a Lei da Ficha Limpa. Entendeu o ministro José Antonio Dias Toffoli que, como Isaura foi condenada pela 1ª Vara da Fazenda Pública de Goiânia quando já era deputada estadual, ela tinha direito a foro privilegiado.
À luz da razão, restam-nos algumas pequenas mas pertinentes conclusões: em se falando de leis, tudo depende de interpretação, isto é, de quem as interpreta; no Brasil, quem é penalizado com severidade e rapidez é o pobre; os tribunais superiores se transformaram em lavanderias de fichas sujas; e, por fim, o que tínhamos para comemorar sobre essa conquista democrática para um resgate ético na política brasileira fica como o sonho do hexacampeonato, entocado pra depois.
*Jornalista
www.thiagomercier.wordpress.com
thiago.mercier@yahoo.com.br
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