O que se leva desta vida

sexta-feira, 18 de junho de 2010
por Jornal A Voz da Serra

Márcia Savino (*)

As pessoas vivem, descobri por quê: para inventar histórias. Tudo, na vida, é enredo. Olhe para o lado e veja. O maior sucesso da comunicação, a televisão, vive de inventar histórias, captar histórias, formatar histórias, editar histórias e contá-las. É tanta gente fazendo isso e são tantos canais, com tantos programas 24 horas, que chega ao cúmulo de muitas histórias perderem o viço, de tanto que o mote se repete.

Sim, a televisão, o maior sucesso. Deixei a internet para depois, porque nessa, então, nem se fala! Ali, o que mais tem é história, e é onde se pode, ainda, encontrar algum ineditismo, porque valem as histórias pessoais. Cada um tem uma e cada um, se quiser, conta a sua.

Faço uma pergunta: quando uma história, de certa maneira inédita, como a da cantora feia Susan Boyle ou Dói-lhe, sei lá eu, sairia dos confins da sua existência se não fosse pela propagação do contraste de sua imagem feia com sua bela voz - este, sim, absolutamente inédito? Então, já que estamos de acordo sobre o fenômeno da comunicação, vamos voltar à existência, ou melhor, à história.

Com o que preenchemos todos os anos incertos que temos de vida, senão com histórias? Uma aqui, outra ali, vamos tecendo e colhendo enredos ao longo dos anos, meses, dias, quer tenhamos mais ou menos consciência disso neste ou naquele episódio. No tal do último suspiro, mesmo quem ainda não chegou lá, sabe: podendo, o que o homem faz é olhar para trás. Não?

Quando nasce uma criança, nasce uma história. Adicione o seguinte: já, naquele momento, há uma sinopse esboçada. Aquela família, aquele pai, aquela mãe; ou, sem pai e sem mãe; ou, colocado na porta na lata de lixo de um hospício; ou, nascido em Friburgo, nascido em Xangai etc. Ainda que, iludidos, pensemos que tudo está por fazer, que temos a vida pela frente, que o futuro a Deus pertence, convenhamos, há um ponto de partida definido na sinopse original, que antecipadamente mapeia a trajetória.

Então, vamos percorrendo a montanha-russa da vida, ávidos para estacionarmos em algum ponto e podermos, com deleite, relatar nossos altos e baixos: na internet, na tv, no ombro amigo, onde quer que haja alguém que nos ouça. Assim, vamos alinhavando nossos atos e intenções.

Claro que o livre-arbítrio funciona como elemento surpresa em todo o drama. E também a mão do autor, que é como chamamos aquilo que desconhecemos e que, vez ou outra, parece interferir decisivamente no rumo da prosa. A nós, nos cabe tramar e trançar o cotidiano com mais ou menos instrução, maior ou menor visão de futuro.

Tudo isso para chegar nas esquinas da vida, ou no ponto final, e relatar os fatos vividos, ou seja, a história. Aqui em baixo, no andar de cima ou onde quer que seja. Porque, afinal, do imenso desconhecido que um dia nos espera, parece que em um ponto estamos todos de acordo com o velho ditado: é a vida que se leva.

Márcia Savino é jornalista e publica um Blog de Crônicas no endereço: marciasavinocronicas.wordpress.com

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