Dalva Ventura
emocionante a devoção deste homem por Nova Friburgo. Um sentimento que ele não sabe explicar e que começou em 1967, desde quando pisou pela primeira vez em nossas terras. Martin Nicoulin era um rapazinho magro, de 26 anos, e de lá para cá já perdeu as contas de quantas vezes esteve aqui. “Umas quarenta vezes, talvez”, arrisca. A última, em que recebeu a Comenda Barão de Nova Friburgo, teve um sabor todo especial para ele. “Ninguém pode imaginar a importância que esta honraria teve para mim”, afirmou à reportagem de A VOZ DA SERRA.
Martin Nicoulin conta que foi amor à primeira vista o que sentiu pelo Brasil. Ao chegar, passou alguns meses no Rio de Janeiro e também se encantou com a Cidade Maravilhosa, sobretudo com o povo. Morava na Praça da Cruz Vermelha e ia a pé até o Arquivo Nacional, no Campo de Santana, e à Biblioteca Nacional, onde fazia suas pesquisas. Ele acha que sua relação com o Centro, também muito especial, aconteceu porque foi lá que ocorreu a história do Rio de Janeiro e, sobretudo, do Brasil. Até hoje continua apaixonado pelo Rio.
Mas esta paixão não se compara com a que o une a Nova Friburgo, onde veio parar com o objetivo de levar a cabo suas pesquisas sobre a colonização suíça no Brasil. Seu primeiro trabalho foi fazer uma lista dos colonos suíços que fundaram o município e, para tanto, precisava consultar os arquivos da paróquia. O que é o destino! Martin tocou a campainha da casa de dona Elisa Chaves, na Rua Monsenhor Miranda, e perguntou onde ficava a Cúria Diocesana. Em vez de simplesmente mostrar a casa do bispo, dona Elisa ligou para dom Clemente Isnard, que era muito seu amigo, e este fez questão de ir até sua casa para se encontrar com o jovem suíço.
Martin achou uma coisa incrível, inacreditável, um bispo sair de sua casa episcopal para ir de encontro a um rapazinho de vinte e poucos anos, que ele nem conhecia. Naquele mesmo dia dom Clemente o levou até duas paróquias para fazer suas pesquisas e, já à noitinha, deslumbrou-se com a visão do Cruzeiro do Sul que o bispo lhe mostrou. Nascia ali uma grande amizade não só entre Martin e o bispo, mas também entre ele e toda a família de dona Elisa Chaves. O bispo falava bem o francês e, desde então, estiveram juntos inúmeras vezes, cultivando um relacionamento muito especial. “Ele ia me visitar todas as vezes que ia a Roma”, conta.
A casa de dona Elisa, por sua vez, passou a ocupar um papel central na vida do jovem, que deixou esposa e filhos na Suíça durante seis meses, para preparar sua tese. Na época ele morava na Fundação Getúlio Vargas e sempre descia a ladeira a pé. Uma vez, conta, ao dobrar uma curva que oferece uma vista deslumbrante da cidade, parou de repente. “Não sei por que, mas passei algum tempo ali observando aquele vale e me emocionei. Meu coração bateu mais forte e, se já estava amando esta terra, este amor se consolidou ainda mais”, diz.
Um amor que já dura 43 anos e rendeu muitos frutos
Depois que seu livro A gênese de Nova Friburgo foi publicado, Martin fez questão de mostrar os lugares que tanto amou – Rio de Janeiro e Nova Friburgo – a sua mulher. Um dia, em Fribourg, na Suíça, foi procurado em sua casa por um friburguense, cujo nome não se recorda, que havia comprado o livro e queria conhecê-lo. Martin conta que gostaria muito de rever este homem, mas infelizmente não guardou seu nome, mas tem certeza de que foi ele quem ‘incendiou’ a cidade com o carinho com que foi recebido.
Em 1974, quando retornou a Nova Friburgo, Martin Nicoulin foi recebido pelo prefeito da época, Amâncio Azevedo, e também na Câmara Municipal, por Alencar Pires Barroso, onde recebeu o título de Cidadão Friburguense. Ali ele se comprometeu, em público, a passar sua vida unindo estas duas cidades: Fribourg e Nova Friburgo. No dia seguinte, durante uma entrevista que deu a Aloysio de Moura, na Rádio Friburgo AM, conheceu Ariosto Bento de Mello e seu irmão, Heródoto, com quem fez uma grande e duradoura amizade.
Voltando a seu país, Martin Nicoulin fez diversas palestras contando a história da imigração suíça no Brasil. As palestras renderam frutos. Algum tempo depois, falou sobre Nova Friburgo no Lions Club de Fribourg e o presidente da entidade, René-Louis Roussier, que também era o prefeito da cidade, sugeriu que organizassem uma visita para conhecer os “primos no Brasil”. Logo depois, Ariosto Bento de Mello foi à Suíça e conversou longamente com Martin sobre aquele movimento de aproximação.
Nicoulin faz questão de destacar que foi Ariosto quem articulou a primeira visita dos suíços a Nova Friburgo, uma grande confraternização, que mobilizou toda a cidade. Nada menos que 300 suíços visitaram Nova Friburgo naquela ocasião. O prefeito de Fribourg, que integrava a comitiva, convidou oficialmente as autoridades a retribuírem a visita em 1981, quando o Cantão de Fribourg festejaria 500 anos de sua entrada na Confederação Helvética.
Em 1981 um enorme grupo de friburguenses visitou Fribourg. Uma emoção indescritível, descreve Martin. “Você não pode realmente imaginar o que foi a chegada dos friburguenses em Estavayer-le-Lac, de onde os suíços saíram para fundar Nova Friburgo”, conta.
Nessa época surgiu a ideia de criar a Queijaria-Escola e, mais tarde, um memorial para contar a história da imigração. Os suíços também deram um grande apoio à Associação Friburguense de Amigos e Pais do Educando (Afape).
A cada visita, Martin fazia questão de rever sua amiga Thereza Albuquerque Mello, do Pró-Memória, que ele chama de “Dona Terezinha”. Numa delas, Thereza lhe mostrou os trabalhos científicos do historiador João Raimundo de Araújo, de Jorge Miguel Mayer, enfim, de inúmeras pesquisas recentes sobre a imigração. “Eu não sabia que meu livro tinha dado filhos e isso me alegrou demais”, brinca.
Um belo dia, Martin viu as fotos de Regina Lo Bianco expostas no Centro de Arte e ficou deslumbrado. Na mesma hora quis fazer o livro Nova Friburgo, com fotos de Regina e textos de diversos friburguenses. Com uma edição primorosa, impressa na Suíça, o livro está praticamente esgotado. “Agora, tantos anos depois, quando pensava que o Brasil tinha me esquecido, recebo o convite para ser comendador. Ninguém pode imaginar a importância que esta honraria teve para mim. Foi um sinal de que tenho de continuar”, diz.
O que deixa Martin Nicoulin mais feliz é saber que a semente plantada há tantos anos vingou. Sua ideia agora é preparar um belo presente para Nova Friburgo em seus 200 anos. Por enquanto, nem sabe o quê. Mas, com certeza, será uma surpresa e tanto para todos nós, friburguenses.
Deixe o seu comentário