Maurício Siaines (*)
O deputado Ciro Gomes (PSB) fez, nesta semana, ataques muito violentos ao PMDB. Segundo O Globo, de 27 de abril, ele qualificou o partido de “um ajuntamento de assaltantes”. Disse que “quem manda no PMDB não tem nenhum escrúpulo, nem ético, nem republicano, nem compromisso público”.
Os ataques de Ciro aconteceram no momento em que seu partido se preparava para decidir-se por não ter candidato próprio à Presidência da República, optando pelo apoio a Dilma Rousseff, do PT. Formalmente, é claro, as candidaturas ainda não estão lançadas, mas os alinhamentos políticos já estão praticamente definidos.
A irritação de Ciro voltou-se para o lado mais conservador da frente de partidos que dão sustentação política ao governo do presidente Lula. Parecia que ele atacava o PMDB por este ter sido o escolhido como principal aliado do PT na sustentação política do governo e da candidatura Dilma e o seu partido, o PSB, abria mão de sua candidatura para integrar, desde o primeiro turno a coligação com o PT e o PMDB. Parte da explicação da opção do PSB por descartar a candidtura de Ciro pode ser encontrada no fato de ser adversário do PT e do PMDB em algumas disputas em estados como São Paulo, Rio Grande do Sul e Espírito Santo. O presidente do partido e governador do estado de Pernambuco, Eduardo Campos, disse que vai cobrar reciprocidade de tratamento da candidata Dilma nas campanhas regionais, isto é, vai exigir que ela suba também nos palanques dos candidatos do PSB aos governos estaduais e ao Senado. Disse ele: “Não vamos aceitar tratamento com discriminação. O que vale para os candidatos do PT vai valer para os candidatos do PSB. O que vale para o PMDB, vai valer para o PSB” (O Globo, 27.4.2010).
Como se vê, a questão é uma disputa entre os partidos pelo prestígio da candidata a Presidência da República, Dilma Rousseff, que se espera conseguir trazer para si o apoio que tem o presidente Lula. E Ciro atacou o PMDB, o maior partido dos que compõem a aliança, que poderia vir a ser privilegiado durante a campanha, isto é, o apoio explícito a seus candidatos poderia ser preferido pelos condutores da campanha de Dilma.
O PMDB, aliás, não faz muito tempo, foi alvo de ataques igualmente agressivos do senador Jarbas Vasconcelos, de Pernambuco, que foi apoiado pelo senador Pedro Simon, do Rio Grande do Sul, ambos do PMDB. É curioso como este partido parece representar algo contrário a convicções políticas ou ideológicas autênticas e atrai sobre si críticas nesse tom usado por Ciro Gomes, Jarbas Vasconcelos e Pedro Simon. É como se ele fosse o grande e único herdeiro do que se costumava chamar de ‘fisiologismo’ na política, prática comum nos partidos políticos brasileiros, que se intensificou durante a ditadura militar de 1964 a 1985, período em que os partidos foram reduzidos a apenas dois, a Arena (Aliança Renovadora Nacional), que apoiava o regime e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), sigla reservada aos políticos aceitáveis pelo regime como oposição. Na prática do ‘fisiologismo’, os políticos se adaptavam àquele ‘corpo’ do regime, procurando o melhor para si, dentro da lógica daquela ‘fisiologia’. O oposto ao fisiologismo era estar de fora daquele sistema, com projetos próprios e independência ideológica. No antigo MDB havia a distinção entre os ‘autênticos’ e os ‘fisiológicos’.
O fisiologismo político não foi inventado durante a ditadura, ele é mais antigo. É resultado de uma realidade social brasileira em que as mudanças acontecem com a acomodação do novo às antigas relações sociais. Assim, abole-se a escravidão e depois proclama-se a República, mas a submissão servil continua a ser exigida no ambiente republicano, comandado por diversos ‘sinhozinhos’ e ‘sinhazinhas’. E as inovações baseadas no conceito de igualdade, não apenas algo relacionado a ideias socialistas, mas necessárias mesmo ao desenvolvimento capitalista, acontecem lentamente, nesse processo de acomodações sucessivas do novo ao velho.
(*) Jornalista, mestre em sociologia
mauriciosiaines@gmail.com
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