Atualmente, a produção cultural está sujeita a uma atividade em tudo semelhante à indústria e, por este motivo, há toda uma tendência do pensamento sociológico conhecida por suas formulações a respeito do que ficou conhecido como ‘indústria cultural’. As artes de um modo geral estão sujeitas a uma máquina que envolve editoras, gravadoras e assemelhados, além dos chamados produtores culturais, que são pessoas que administram as realizações artísticas através do controle do dinheiro e dos recursos necessários às suas apresentações em público. E este processo é tão intenso que acaba gerando uma confusão entre o criador da obra de arte e o seu vendedor, o ‘produtor cultural’. Há uma impropriedade nesta expressão porque na verdade, esse ‘produtor’ não produz. Ele lida com a arte como uma mercadoria, mas não é o seu produtor.
Para continuar esta reflexão é preciso ter-se uma definição do que é cultura e do que se pode chamar de produção cultural.
A cultura e os produtos culturais
A primeira coisa a esclarecer é que a cultura é social. A cultura é um ambiente virtual onde acontece a atribuição de significado aos acontecimentos, às coisas da vida. Essas coisas são aquelas que fazem parte da relação entre os homens e dos homens com o mundo. E essa atribuição de significados aos elementos colhidos da experiência não é algo que brote milagrosamente na mente deste ou daquele indivíduo. É algo feito em comum, socialmente compartilhado.
Assim, se em um agrupamento social é comum algumas pessoas tocarem determinado tipo de música com determinados instrumentos, essa escolha que o grupo fez, pela sua vida afora, desta ou daquela música, está profundamente ligada a sua vivência coletiva. Pode-se tentar compreender a vida desse povo através de sua música.
Os sanfoneiros como produto cultural
Para o povo que vive em Lumiar e São Pedro da Serra, 5º e 7º distritos de Nova Friburgo, a música do acordeom e a prática do instrumento fazem parte de uma cultura desenvolvida localmente. E essa prática musical tem significado dentro dessa vida social. É claro que nem o instrumento nem suas possibilidades musicais forma inventados nessas localidades. Mas foram adotados por ela, que os inseriu em sua vida, dando-lhes nela determinado lugar.
A musicalidade dos sanfoneiros dessa região se associa às experiências vividas pelo conjunto da coletividade. O que determinava o momento de se tocar sanfona, a ocasião adequada, o tipo de relação social que se firmava com essa experiência, as memórias que o grupo passa a ter relacionadas com a música do acordeom, todos esses elementos compõem aquilo que pode ser chamado de produto cultural.
A música do acordeom não é necessariamente aquela dos grandes intérpretes e compositores. Sivuca e Astor Piazolla, por exemplo, foram grandes virtuoses do acordeom, pessoas que tiveram desenvolvido um dom excepcional na lida com o instrumento e com suas possibilidades. Mas eles produziram dentro de um universo cultural de onde partiram e para onde se voltaram.
Assim, quando se fala em resgatar determinado bem cultural, como a música dos sanfoneiros de Lumiar e São Pedro da Serra, o que se pretende buscar não é somente a música, para colocá-la em uma espécie de museu, mas a cultura que a gerou, que a produziu. E isto é importante não por causa da tradição em si mesma, mas principalmente porque neste mundo em transição, com transformações tão rápidas e radicais, só é possível a adaptação à variedade cultural do mundo quando se parte de alguma identidade cultural.
Quando se fala em ‘produtor cultural’ a referência é a alguém que comercializa algum tipo de bem cultural, o que, é claro, é um ofício como outros. Mas a cultura é algo muito maior.
(*) Jornalista, mestre
em sociologia mauriciosiaines@gmail.com
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