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A história da praça de Nova Friburgo - 19 a 21 de fevereiro 2011
domingo, 31 de julho de 2011
Quando a Vila de Nova Friburgo foi projetada, logo após o Decreto Real de 1818 para receber as cem famílias suíças que viriam colaborar para o “branqueamento” do Brasil, deveria ela constar de uma vila e duas aldeias vizinhas. Assim, ao longo do exuberante vale do então “ziguezagueante” Rio das Bengalas, como ele era conhecido, o projetista e os trabalhadores de obras angariados pelos generais da corte levantaram uma aldeia ao Sul, com 38 casas, entre os rios Cônego e Santo Antônio, onde hoje se situa o bairro Paissandu; outra aldeia, com 14 casas, ao Norte, na atual Vilage e entre elas a Vila, com 48 delas, mais o prédio para a administração da colônia, chamada de Casa da Inspeção, o armazém, moinhos para os futuros ocupantes e mais o quartel de polícia que nunca foi concluído. As casas da Vila eram dispostas em torno de uma linha Norte-Sul, exatamente onde hoje se acham os prédios de número par da Praça Presidente Vargas. Em frente a elas, perpendicularmente, dois conjuntos de cinco casas dividiam a grande área central da Vila em três praças, que foram batizadas pelos suíços como Praça de São João Batista, ao Norte, d’El Rei Dom João, no centro e Príncipe Real Dom Pedro de Alcântara, ao Sul.
A primeira solenidade pública realizada em Nova Friburgo aconteceu naquela praça do meio, a Praça d’El Rei D. João VI, em 6 de agosto de 1820, um domingo, depois da chegada da última leva de imigrantes. Naquele dia, com grande ostentação e pompa, na presença de um representante do Rei, o Ministro de Estado dos Negócios do Reino, saiu do Château, então sede da administração da Vila, um festivo cortejo composto pelos suíços trajando as suas melhores roupas, militares e portugueses instalados nas vizinhanças e se dirigiram para a praça do meio. Lá, no centro dela, colocaram a pedra fundamental de um obelisco que seria levantado em homenagem ao Rei e, em seguida, num dos seus lados, uma outra pedra foi lançada como a pedra inicial de um colégio, museu, biblioteca, escola de veterinária e uma porção de “etcéteras”, que encheram os colonos de esperanças. Estas, como tantas coisas neste país, nunca saíram do papel. E tem mais. Uma terceira pedra, com a inscrição “Joannes VI R Beneficientia Effectus”,que seria a inicial de um hospital para cuidar da saúde do povo. Até parecia propaganda eleitoral dos dias de hoje... Não temos como saber se D. João, de fato, tinha aquelas ideias. O que sabemos é que, logo depois, no ano seguinte, D. João VI voltou para Portugal e a sua protegida Nova Friburgo ficou órfã. E lá, na parte central da Praça, estão as pedras esperando que um dia o acaso de uma escavação qualquer as encontrem como o marco de um sonho que passou.
Passavam-se os anos. As pedras fundamentais lá colocadas não brotavam mas o mesmo não acontecia com o mato. As praças eram uma festa para a bicharada doméstica, especialmente para a das casas transversais que, por não disporem de quintais, as usavam como se tal fossem. Este fato era de tal monta que chegou ao conhecimento da Corte. Em outubro de 1825 recebeu a Câmara Municipal uma portaria da Secretaria de Estado e Negócios do Império, pedindo providências “sobre o gado vacum, porcos e cabras que arruinavam as casas da colônia” e resolveu mandar afixar editais para que, “no prazo de 30 dias todos os que tivessem porcos, cabras e gado vacum os retirassem para fora da Vila, findo o prazo, todos esses animais caprinos e suínos que se acharem soltos dentro da Vila serão mortos a chumbo e os que não retirarem o gado vacum serão condenados em um mil réis para as obras públicas e mais a pena de vinte e quatro horas na prisão.” Não há registro de cabras ou porcos executados por estarem deliciando-se com o capim das praças e pensamos, se o aviso deu resultado, durou muito pouco pois esta reclamação aparece nas atas por muitos anos seguidos.
As casas no meio da praça, em número de dez, por se situarem num terreno mais úmido e mais sujeitas às periódicas enchentes do sinuoso Rio das Bengalas de então, sofreram uma degradação superior às outras. Com a saída dos suíços, a Câmara apossou-se logo de quatro delas, destinando duas para servirem de escola e duas para a cadeia da Vila. Imaginem a segurança que oferecia uma cadeia com paredes de “pau-a-pique”, sem forro e com piso de terra batida.
Na década de 1840, já com a intenção de iniciar a transformação das três praças em uma única, a Câmara desativou e demoliu o que restava da cadeia e da escola.
Em 1850, apenas três delas permaneciam em pé. Localizavam-se em frente ao hoje Friburgo Shopping. Uma, de Dª Maria Antonia de Medeiros, que por estar em muito mau estado, foi comprada pela Câmara por 150$000 e logo demolida. As outras duas, pertencentes ao dr. João Bazet, primeiro médico da Vila, estavam bem conservadas e foram avaliadas em 800$000. A Câmara não tinha dinheiro para comprá-las.
Na sessão de 4 de abril de 1851, o vereador Antonio Clemente Pinto, futuro Barão de Nova Friburgo, propôs à Câmara que se solicitasse ajuda ao governo da província e até sugeriu os termos do ofício: “Ilmo. e Exmo. Sr. De há muito tempo é a Câmara desta Vila desejosa ( ... ) que para o aformoseamento da praça, tem solicitado obter a demolição das casas que estão situadas no largo da mesma e, já tendo conseguido algumas, resta-lhe, somente, a aquisição de duas, que o proprietário está disposto a cedê-las, mediante a indenização de 800$000 réis por ambas. A Câmara, desejando aproveitar tão favorável ensejo, faria, imediatamente, essa aquisição se não fosse a falta de meios em que se acha para satisfazer esta indenização. Por isso vem recorrer a V.Exa. a fim de que, aprovada essa consignação, sirva-se consignar pelos cofres da Província os fundos necessários para essa despesa ...” Em 31 de dezembro daquele ano, a Câmara recebeu do governo provincial um ofício “participando ter ordenado à Tesouraria da Província que ponha à disposição desta Câmara, por empréstimo, a quantia de oitocentos mil réis para ser empregada no aformoseamento da praça nova da Matriz”. O Comendador Clemente Pinto ofereceu-se para adiantar a importância, o que a Câmara aceitou e determinou ao seu procurador que, “...imediatamente, celebrasse a compra, mandasse notificar o inquilino, fizesse avaliar os materiais da casa e mandasse levar em praça os ditos materiais”. E assim, com aquela demolição, ficou formada a área da nossa praça que era então conhecida pelo povo da Vila como “a Praça” depois como “Praça da Matriz”.
Os anos foram passando e a Câmara, por quase duas décadas, não mais se referiu àquela imensa praça. Ela, durante todo aquele tempo continuou funcionando como um imenso pasto para os animais das casas existentes ao seu entorno; delícia das galinhas, porcos e cabras daquelas residências. Ela continuava um imenso pasto com algumas árvores, entre elas alguns pinheiros. Somos testemunha viva do abate do último dos pinheiros da praça, derrubado em 1928, por ordem do prefeito Baltazar da Silveira, para calçamento do trecho em frente à velha Prefeitura.
Somente em 1868, meio século depois de construída a Vila, a Câmara voltou o seu interesse por aquela imensa área no centro de Nova Friburgo. Em 8 de maio daquele ano ela entrou em alvoroço. Notícias chegadas da Corte anunciavam a próxima chegada de Suas Altezas a Princesa Izabel, herdeira do trono do Brasil, e do Príncipe Consorte, o Conde D’Eu. Seria a primeira vez que Nova Friburgo receberia a visita de tão nobres e importantes pessoas. Começou o “corre-corre” para preparar a vila. Mandou-se tapar buracos que por ali existiam, colocaram cascalhos sobre a Rua do Senado e, para tristeza dos animais domésticos que lá pastavam, mandaram fazer uma limpeza e capina geral na Praça. A casa da Câmara foi caiada e o teto do seu arquivo levou uma demão de gesso. Ordenou-se a todos os moradores para manterem limpas as testadas de suas casas e pediu-se aos mesmos que mantivessem iluminadas a frente de suas casas durante a estada dos Augustos Príncipes. A Câmara foi autorizada a gastar até a quantia de trezentos mil réis para os festejos que seriam feitos. A praça da Vila passou a denominar-se “Praça Princesa Izabel” e duas placas foram mandadas fazer com esse nome para nela serem colocadas.
E as Atas da Câmara nada mais mencionam sobre essa importante visita que sabemos, por outras fontes, que ela realmente aconteceu e que os Príncipes Reais ficaram hospedados na Fazenda Pinel, mais ao Norte da Vila.
Em 7 de junho de 1880 o segundo Barão de Nova Friburgo aceita a sugestão da Câmara e traz o arquiteto francês Augusto Glasiou para projetar e executar uma reforma geral na Praça Princesa Isabel. Financiada pelo Barão, a obra foi logo iniciada e concluída em 1881 quando, ante a difícil situação financeira da Câmara, o custo das obras por ele despendido foi oferecido à Vila de Nova Friburgo.
O nome “Praça Princesa Izabel” perdurou até a queda do Império. No dia 13 de dezembro de 1889, na primeira reunião da Câmara depois da República, ela resolveu que o nome da praça central de Nova Friburgo passasse a ser “Praça Quinze de Novembro”, nome que durou até que, com o suicídio de Getúlio Vargas, passou a ter o seu nome.

Carlos Jayme Jaccoud
Um pouco de história
Carlos Jayme Jaccoud é historiador.
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