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O tráfego e as urnas
Às vésperas do principal exercício eleitoral da democracia brasileira, e em meio a todas as necessidades e carências que tanto têm comprometido a qualidade de vida e as perspectivas de nossa população, a flexibilização ou não do acesso a armas de fogo surge - para muitos, de forma surpreendente – como um dos principais debates em torno do que se espera do próximo presidente da república.
Opiniões ou (des)informações à parte, a leitura óbvia é que a população demonstra sinais de esgotamento em relação à insegurança, sobretudo nos grandes centros. Se a resposta pretendida é adequada ou não, cada um irá julgar nas urnas. Mas o recado, a demanda, é fácil de identificar. E, cá entre nós, o tema segurança não pode mesmo ficar de fora dos debates ou programas de governo. De acordo quanto a isso.
O que causa profunda estranheza, no entanto, é que tão pouco espaço seja dedicado – e tão pouco se cobre, por parte da sociedade e da imprensa – a respeito da enorme (e evitável) carnificina de nossas ruas, avenidas e estradas. Tanta dor, tanto custo, tanto sangue derramado sem sentido, e seguimos tratando o tema como uma “fatalidade”, seguimos passivos apesar de sabermos que existem caminhos para melhorar a eficiência do deslocamento e reduzir dores e perdas.
Após cinco anos registrando queda de letalidade, as mortes no trânsito brasileiro tiveram alta de 23% em 2017. Ao todo foram 41.151 vítimas de ocorrências envolvendo veículos automotores, ante 33.547 em 2016. E o cenário já foi pior. Em 2012, por exemplo foram registrados 60.752 óbitos ocasionados pelo trânsito.
Ainda que a dor de cada uma das famílias diretamente atingidas não possa ser quantificada, a exemplo do tamanho da perda social representada pela ausência precoce de tantas pessoas, é possível estimar que a violência do trânsito provocou um impacto econômico de R$ 199 bilhões no ano passado, ou 3,04% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. O valor corresponde ao que seria gerado pelo trabalho das vítimas, caso não tivessem se acidentado, segundo dados do Centro de Pesquisa e Economia do Seguro (Cpes), órgão da Escola Nacional de Seguros. O fator que mede a perda da capacidade produtiva é chamado de Valor Estatístico da Vida (VEV), ou seja, o quanto cada brasileiro é capaz de produzir em vida.
E os impactos não param por aí, uma vez que a tragédia do trânsito sobrecarrega e consome os recursos das redes pública e particular de saúde – tudo isso sem mencionar os irrecuperáveis danos ambientais causados pelos atropelamentos evitáveis de animais. Ora, se todos esses argumentos não bastam para trazer o assunto à baila, então definitivamente ainda não acordamos para a realidade do país em que vivemos.
Precisamos de transporte sobre trilhos, precisamos de hidrovias, precisamos de estradas e vias planejadas, que respeitem a vida ao longo dos caminhos que percorrem. Precisamos de educação para o trânsito, precisamos ecoar tais valores em casa, conversar sobre isso. Precisamos de conhecimento básico de Física, de direção defensiva, de manutenção preventiva, e da importância do respeito e da paciência.
Precisamos, enfim, falar seriamente sobre tudo isso e elevar a pauta ao status de prioridade política, tendo a certeza de que seguir esse caminho significa salvar vidas e se antecipar ao sofrimento.
Márcio Madeira da Cunha
Sobre Rodas
O versátil jornalista Márcio Madeira, especialista em automobilismo, assina a coluna semanal com as melhores dicas e insights do mundo sobre as rodas
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